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'Cresci aqui': jardineiros temem ser demitidos de cemitérios de São Paulo

Mais de 500 trabalhadores autônomos temem a extinção de suas funções após a concessão do serviço funerário à iniciativa privada em São Paulo.

São jardineiros e empreiteiros que há décadas prestam serviço para famílias, plantando flores e limpando jazigos nos 22 cemitérios da capital.

Contando apenas os jardineiros, o número é de 455 pessoas. Os empreiteiros, cerca de 90 apenas na capital, confeccionam lápides e constroem jazigos.

"O jardineiro sabe tudo o que acontece no cemitério", afirma Adson Carlos da Silva, 34, enquanto caminha pelas ruas de terra do Cemitério da Saudade, no bairro de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.

Há 12 anos trabalhando ali, Silva é secretário da Atac (Associação de Trabalhadores Autônomos de Cemitérios) e tenta negociar com as empresas responsáveis pela administração dos 22 cemitérios da capital.

Quando o serviço funerário era público, os trabalhadores autônomos tinham sinal verde da prefeitura para trabalhar e oferecer os serviços individualmente às famílias.

Agora, precisam concorrer com as empresas que assumiram a administração.

As empresas que concentram o maior número de reclamações por parte dos funcionários são o Grupo Maya, responsável pela administração do Bloco 4 (Cemitério da Saudade, Lajeado, Lapa e Campo Grande) e o Grupo Cortel, responsável pelo Bloco 2 (Araçá, Dom Bosco, Santo Amaro, São Paulo e Vila Nova Cachoeirinha).

A autorização para trabalharem nos cemitérios está vigente até dia 31 de dezembro. Mas, segundo relatos, algumas empresas estão impedindo a execução de serviços já contratados nos cemitérios.

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Ouvidas pelo TAB, as concessionárias negam que estão se opondo ao serviço dos jardineiros ou colocando entraves durante a execução dos trabalhos.

Muitos jardineiros contam com décadas de serviços prestados em um mesmo cemitério. "Se eles forem impedidos de trabalhar, vão fazer o quê? É tudo que eles sabem fazer", diz Silva.

Adson Carlos da Silva, jardineiro e secretário da ATAC (Associação de Trabalhadores Autônomos de Cemitérios)
Adson Carlos da Silva, jardineiro e secretário da ATAC (Associação de Trabalhadores Autônomos de Cemitérios) Imagem: Marie Declercq/UOL

Tradição familiar

Cada cemitério possui uma peculiaridade. No caso do Saudade, para onde Silva vai quase todos os dias, destacam-se os jazigos em quadras de terra, transformados em pequenos jardins pelos trabalhadores contratados pela família.

Já em cemitérios mais urbanos, o trabalho de um jardineiro é mais voltado à limpeza e manutenção dos túmulos.

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Não se sabe exatamente como e quando esse trabalho surgiu, mas o serviço é antigo - a primeira portaria municipal regulando a atividade é de 1932.

"A maioria das famílias era católica e tinha costume de cuidar dos mortos", conta Silva. "Como grande parte dos cemitérios ficavam próximos às comunidades, começou com alguém oferecendo para cuidar do jazigo para algum conhecido e isso foi se espalhando."

A profissão faz parte de uma cultura passada entre gerações da mesma família. Silva deixou de atuar no setor do comércio para trabalhar junto com a mãe. Hoje, é especialista em cemitérios, sabe o tipo de solo de cada quadra do cemitério da Saudade e todos os meandros do cuidado com a última morada de muitas pessoas.

"Fazemos um trabalho artesanal", explica o jardineiro, apontando para pequenos jardins confeccionados por um dos nove trabalhadores em atividade.

O cemitério da Saudade é conhecido por sepultar a população mais pobre da zona leste, mas, ainda assim, o zelo pelos jazigos é notável.

A jardinagem cemiterial também foi passada entre gerações para Vanessa Stoner, 33, que acompanhava o avô nos corredores do cemitério do Araçá, na zona oeste de São Paulo.

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Jazigo simples (esquerda) contrasta com túmulo com trabalho de jardinagem no Cemitério da Saudade
Jazigo simples (esquerda) contrasta com túmulo com trabalho de jardinagem no Cemitério da Saudade Imagem: Marie Declercq/UOL

"Cresci aqui no cemitério", afirma a jardineira, que presta serviços há mais de oito anos.

Assim como os demais trabalhadores autônomos do Araçá, Stoner tem uma relação direta com as famílias que pagam a limpeza e manutenção dos jazigos.

Os valores cobrados dependem do tipo de serviço, do cemitério e do acordo selado com os clientes, mas giram em torno de R$ 40 a R$ 100 mensais.

Em cemitérios mais simples, como os da Saudade, Vila Formosa e Lajeado, a criação de um jardim pode variar de R$ 400 a R$ 550, com uma taxa de manutenção em torno de R$ 50.

"Tem família que paga por mês, família que paga a cada seis meses, família que paga o ano inteiro. Depende muito da situação", diz.

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Segundo os trabalhadores, os rendimentos caíram drasticamente por causa dos entraves - alguns da ordem de 70%, após a concessão dos cemitérios.

Pelo Grupo Maya, a criação de um jardim no cemitério da Saudade custa R$ 800 e no Lajeado, R$ 600. A empresa cobra uma manutenção anual de R$ 1.200. A Cortel SP não informou o valor médio da zeladoria cobrada pelos jazigos no Araçá.

Trabalho incerto

Os jardineiros nunca foram reconhecidos como funcionários do Serviço Funerário e, a cada troca de administração, tinham de se unir para notificar o novo superintendente da pasta sobre sua presença nos cemitérios.

"Havia um medo de perder a autorização de trabalhar a cada mudança na administração", explica Silva.

Nos últimos 17 anos, esses trabalhadores são representados pela Atac, que tenta negociar com as empresas para que a categoria siga trabalhando nos locais.

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De acordo com o jardineiro, a categoria não foi incluída nas negociações da concessão e por isso não conseguiu chegar em um acordo definitivo antes da oficialização dos contratos. Agora, cada empresa está definindo sua relação com a categoria.

"Nós não nos opomos a negociar uma porcentagem com empresa para cada serviço prestado. Só queremos trabalhar", afirma Silva.

As empresas Velar e Consolare, segundo os trabalhadores, aceitaram a permanência dos jardineiros e, até o momento, não pretendem competir com os autônomos. Já o Grupo Maya e a Cortel apresentam mais relatos de resistência.

No cemitério Lajeado, administrado pelo Grupo Maya, a jardineira Edna Maria da Silva, 51, diz que a administração passou a dificultar a entrada de carros para transportar grama e outros materiais pesados.

"O jeito foi estacionar o carro na frente e trazer a grama com carrinho", conta ela, há 26 anos no Lajeado.

Já no Cemitério do Araçá, sob responsabilidade da Cortel, Vanessa Stoner conta que foi surpreendida com mensagens dos donos dos jazigos, dizendo que a administração estava informando a todos que ela não trabalhava mais no local. Mesmo assim, ela nunca parou de ir ao Araçá para trabalhar.

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Por meio de assessoria, a Cortel afirma que sempre seguiu a listagem de funcionários autorizados a trabalhar no Araçá. "Antes da disponibilização da listagem de credenciados ativos, existiam diversas pessoas que se identificavam como profissionais autônomos credenciados pelo SFMSP/poder concedente. Entretanto, não possuíam efetivamente o credenciamento."

A SP Regula afirmou ao TAB que há "perspectiva de renovação para a continuidade e até ampliação dos serviços que deverá ser firmada em parceria com as empresas concessionárias e a SP Regula". O órgão também afirmou não ter recebido nenhuma denúncia de irregularidade ou impedimento por parte das concessionárias.

Enquanto aguardam, os jardineiros afirmam que as famílias acabam negando os serviços por influência das empresas. "Era costume a gente conversar com o responsável pelo jazigo para oferecer os serviços de forma respeitosa", explica Silva. "Hoje, eles ficaram receosos com a nossa presença."

"Gosto de dizer que nós não cuidamos de um jazigo, mas sim das mães, pais e filhos dessas pessoas", afirma Silva, observando um dos pequenos jardins cultivados por ele.

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