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Brasil ampliou apoio a comunidades terapêuticas, criticadas por estudiosos

Em 2019, o governo Bolsonaro aumentou em 169% o valor destinado a financiamento de vagas em comunidades terapêuticas — de R$ 39,3 milhões para R$ 104,8 milhões. Considerado alto, o patamar foi mantido em 2020, ficando em R$ 105,2 milhões.

Os dados são do último grande levantamento sobre o assunto, lançado em abril de 2022 pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e pela ONG Conectas Direitos Humanos.

Sob Lula, o governo federal financia 14.982 vagas em 602 comunidades terapêuticas no país. E esse número deve aumentar: uma portaria de agosto do Ministério do Desenvolvimento Social prevê a ampliação do número nos próximos três anos.

As comunidades terapêuticas são criticadas por especialistas em saúde. As instituições privadas, que funcionam como clínicas de reabilitação de dependentes químicos, registram um número crescente de episódios de violência nos últimos anos.

O assassinato de Onezio Ribeira Pereira Junior no último dia 25 de setembro, jogou luz sobre o tema. O UOL publicou reportagem com denúncias de tortura, sequestro e cárcere privado nas clínicas da rede Kairós, onde Onezio estava internado.

Lobby antigo

"No primeiro governo Lula foi criada a Rede de Atenção Psicossocial. Já existia um grupo muito forte, muito organizado, de comunidades defendidas pela Bancada da Bíblia. O primeiro grande erro aconteceu lá, com a inclusão delas nessa Rede", diz Bruno Logan, especialista em redução de danos para usuários de drogas.

As comunidades terapêuticas cresceram em quantidade e poder político nos anos seguintes, vivendo seu auge no governo Bolsonaro. Ali, passaram ao guarda-chuva do Ministério da Cidadania, sob o comando de Osmar Terra.

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"E aí explodem denúncias e violações em diversos lugares, inclusive nessa clínica onde houve duas mortes. Não são as primeiras. A gente vem acompanhando mortes e violência em comunidades terapêuticas há muitos anos", diz Logan.

Em 2017, no governo Temer, o Ministério Público Federal vistoriou comunidades terapêuticas espalhadas por 11 estados brasileiros e no Distrito Federal.

O relatório final da inspeção fala em diversas violações de direitos humanos, como instalações e condições de higiene precárias, trabalhos forçados, castigos físicos, intolerância religiosa, homofobia, indícios de sequestro e cárcere privado.

Hoje, as comunidades terapêuticas dividem espaço com os Centros de Atenção Psicossocial do SUS, os chamados Caps —há, entretanto, uma diferença grande de metodologia.

"O SUS prioriza o método de cuidado em liberdade, multidisciplinar. Ele é feito por psicólogo, terapeuta ocupacional, médico clínico e psiquiatra", explica Logan.

"Já as comunidades terapêuticas têm como pilares a laborterapia, que é quando você coloca o sujeito para trabalhar — em muitos lugares, de forma análoga à escravidão. Outro pilar é o componente religioso. Elas também são instituições de conversão religiosa."

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Imagem: UOL

Caps x comunidades terapêuticas

Os Caps do SUS estiveram sob ameaça no governo Bolsonaro. Em 2019, houve debate sobre a extinção dos Caps AD, modalidade voltada exclusivamente ao atendimento a usuários de álcool e drogas. Outra proposta previa retirar dos Caps o atendimento psiquiátrico.

As propostas esbarraram na forte resistência da comunidade acadêmica e dos gestores de saúde.

Até meados de 2022, quando o SUS divulgou um estudo de dados da rede de atendimento psicossocial, o Brasil contava com 2.836 Caps; 469 eram da modalidade Caps AD.

Há no Google Maps um mapa com as localizações do Caps, mas ele não é atualizado desde setembro de 2020.

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"O governo está dando dinheiro para instituições que, em sua maioria, utilizam de métodos de conversão religiosa como forma de tratamento para usuários de drogas. O próprio estado deveria parar de financiar essas instituições", afirma Logan.

"O melhor modelo é o do cuidado em liberdade dentro de Caps AD. Caso a equipe multidisciplinar dentro do Caps entenda que aquela pessoa precisa de fato de uma internação, existem os hospitais de retaguarda, para internações curtas, de até 45 dias."

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