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Oxxo: assaltos, facada e assassinato provocam denúncias de funcionários

A vendedora Fabiana* foi uma das primeiras funcionárias contratadas para trabalhar em uma das unidades da rede Oxxo no centro de São Paulo, em 2022.

A empresa chegou ao mercado com a promessa de 300 lojas em três anos — em novembro de 2023, já eram 350 — e mudou a paisagem da cidade, com seu "mercado de proximidade" aberto 24 horas por dia, com quadro de funcionários reduzido, sem catracas ou seguranças para controlar quem entra e sai.

Fabiana conta que se interessou pelos benefícios, como o vale-refeição de R$ 26, maior que o dos empregos anteriores, e o salário de R$ 2.300, para atuar como "líder de loja", uma espécie de gerente.

Em poucos dias de trabalho, porém, ela sofreu o primeiro assalto. Dois dias depois, o segundo. "Nunca tinha visto uma arma antes e comecei a trabalhar com um olho no caixa e outro na porta, à espera, com medo", lembra.

O funcionário Felipe*, que também trabalha em uma unidade no centro, conta que arrastões ali são frequentes. "Entram com facas, barras de ferro e usam o banheiro para usar droga, como cocaína — e a gente tem que limpar", diz.

"Não só os ladrões, mas alguns clientes também são agressivos. Alguns entram, furtam e saem andando como se nada tivesse acontecido", completa.

Até novembro, o MPT recebeu 13 denúncias e abriu 5 inquéritos sobre condições de trabalho na empresa
Até novembro, o MPT recebeu 13 denúncias e abriu 5 inquéritos sobre condições de trabalho na empresa Imagem: Keiny Andrade/UOL

Denúncias no MPT e no sindicato

Essa rotina de agressões, ameaças e assaltos, além de queixas sobre acúmulo de funções, têm levado funcionários do Oxxo em São Paulo a se demitir, buscar tratamento psicológico ou entrar na Justiça. A reportagem conversou com 11 empregados e esteve em 15 unidades do Oxxo na capital.

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Nos relatos e em processos judiciais aos quais o UOL teve acesso, eles contam ter desenvolvido problemas de saúde mental, como ansiedade e estresse, e como o ambiente e condições de trabalho colaboram para isso.

O alvo dos criminosos costuma ser as bebidas mais caras, como uísque, além de cigarros e dinheiro do caixa, mas clientes e funcionários também são roubados ou sofrem agressões físicas e psicológicas dentro das lojas.

Em operação no Brasil desde 2020, a rede mexicana aposta num modelo de negócios enxuto, com quadro de funcionários reduzido, produtos industrializados e pouca ou nenhuma segurança — com uma política de "deixar levar" nos casos de assalto.

No turno da madrugada, muitas vezes o trabalho todo é feito por uma única pessoa, afirmam os funcionários entrevistados pela reportagem.

Até novembro, o MPT (Ministério Público do Trabalho) de São Paulo afirma ter recebido 13 denúncias e aberto 5 inquéritos sobre as condições de trabalho na empresa.

Segundo o Sindicato dos Comerciários, que representa a categoria, o Oxxo se recusou duas vezes a investir em segurança - mesmo após a instituição ter recebido 50 reclamações de funcionários assustados com a violência.

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O máximo que as lideranças sindicais disseram ter conseguido foi a empresa concordar em negociar a contratação de vigias e a mudança de horários para unidades específicas. As negociações vão continuar em 2024.

De acordo com as ações que correm na Justiça do Trabalho, a violência se estende por toda a cidade — em unidades mais problemáticas, funcionários recorreram a uma "portinhola" para atender os clientes durante às noites e madrugadas.

No Brasil, rede investiu no funcionamento como padaria e vende 1,2 milhão de pães por mês
No Brasil, rede investiu no funcionamento como padaria e vende 1,2 milhão de pães por mês Imagem: Keiny Andrade/UOL

'Problemas da sociedade'

A reportagem enviou ao Grupo Nós, operador da Oxxo, 22 perguntas sobre assuntos abordados nesta reportagem, como detalhes sobre segurança, queixas dos funcionários, reuniões sindicais, condições de trabalho e apoio psicológico.

Em nota, a empresa respondeu que declara estar consciente "dos problemas da sociedade" e que diz buscar "diariamente estratégias e realização de ações com foco em segurança em suas lojas, bem como parcerias com órgãos públicos e instituições estaduais".

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Após os dois assaltos, quando levou o problema aos supervisores regionais, Fabiana disse ter sido orientada a não reagir e acionar a ronda — um vigilante móvel, desarmado, contratado pelo Oxxo e que se desloca entre unidades para verificar as ocorrências.

Ela afirma, porém, que a ronda é insuficiente. E que o temor entre seus colegas e dela mesmo crescia, dia após dia.

Durante um dos assaltos que presenciou, Fabiana estava com outra funcionária. Assim que viu o revólver de um dos assaltantes, recebeu uma sacola para colocar, item por item, a mercadoria que seria levada.

"Eles veem que são duas mulheres e fica ainda mais fácil", afirma. "Você sabe a sensação de impotência de ser obrigada a fazer uma coisa dessas?"

Ela conta que, em pouco tempo, começou a sentir sintomas de ansiedade. Aos domingos, seu dia de folga, passou a ter dificuldades para sair de casa. E diz ter solicitado à empresa encaminhamento para consultar um psicólogo.

"Em nosso país, infelizmente, é assim", pondera Fabiana. "Mas a empresa não tenta contratar um segurança armado, nem tenta inibir? Vão esperar até alguém morrer para fazer algo?"

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Em novembro, um PM aposentado foi executado com um tiro na cabeça num mercado Oxxo na Vila Carrão
Em novembro, um PM aposentado foi executado com um tiro na cabeça num mercado Oxxo na Vila Carrão Imagem: Keiny Andrade/UOL

Morte no mercadinho

No dia 20 de novembro de 2023, dois assaltantes entraram em uma unidade Oxxo na Vila Carrão, bairro da zona leste de São Paulo. Pediram dinheiro ao caixa e abordaram o cliente à frente.

Mesmo sem reagir, o subtenente da PM aposentado Paulo Eduardo Ramalho, que tirava sua carteira para fazer o pagamento, ergueu as mãos, mas foi executado com um tiro na cabeça quando os bandidos encontraram sua arma.

Imagens da câmera registraram o crime. Nelas, o atendente do Oxxo no local se joga no chão e fica atrás do balcão, a poucos metros do corpo. Colegas afirmam que ele foi afastado para tratamento psicológico.

Questionada pelo UOL, a assessoria de imprensa da empresa apenas afirmou que "lamenta e solidariza com a família e com os colabores envolvidos". A reportagem insistiu sobre o auxílio oferecido ao funcionário, mas não obteve resposta.

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No mercadinho, funcionários dizem que, nos dias seguintes ao homicídio, a empresa pôs um vigia da ronda para monitorar a loja e reduziu o horário de funcionamento até às 22h.

As lojas, que não têm vigias nem segurança, sofrem não só com os assaltos, mas também com furtos de clientes
As lojas, que não têm vigias nem segurança, sofrem não só com os assaltos, mas também com furtos de clientes Imagem: Keiny Andrade/UOL

Rotina estressante

Criada no México, a rede Oxxo no Brasil também investiu no funcionamento como padaria e vende atualmente 42 mil pães por dia — cerca de 1,2 milhão ao mês.

Os funcionários trabalham em regime de 6 por 1: seis dias trabalhados com direito a uma folga por semana, mais uma folga mensal. Os empregados são cerca de dois a três por turno, e nos relatos ouvidos pela reportagem costumam ser apenas um nas madrugadas.

Fabiana conta que opera o caixa, o forno, recebe mercadorias, limpa o salão e as mesas, organiza prateleiras, higieniza o banheiro dos funcionários e dos clientes e limpa até os vidros da fachada.

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"Isso gera um estado permanente de atenção, o que gera estresse e, assim, começam afastamentos por problema de saúde", explica Luana Moraes, psicóloga que já conduziu estudo sobre trabalhadores do varejo.

Em novembro, uma funcionária do Oxxo ganhou uma indenização de R$ 1.000 por uma lesão na coluna causada por carregar uma caixa com 40 kg de mercadoria.

Uma testemunha desse processo trabalhista endossou que a mulher, além de carregar peso, fazia apenas 10 minutos de intervalo e sofria assaltos "todos os dias" devido à ausência de vigilância. Cabe recurso ao caso.

Em dezembro, uma unidade do Oxxo do Largo do Arouche foi vandalizada durante a madrugada
Em dezembro, uma unidade do Oxxo do Largo do Arouche foi vandalizada durante a madrugada Imagem: Victoria Damasceno/Folhapress

Facada na mão

Em agosto de 2022, um funcionário do Oxxo que trabalhava sozinho no turno da madrugada — que vai das 22h às 6h — foi esfaqueado na mão em um assalto.

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As fotos anexadas ao processo na Justiça do Trabalho de São Paulo, que pediu indenização por danos morais, pensão e direitos rescisórios, mostram o corte entre a palma e o pulso.

O atendente, que no processo afirma receber R$ 1.790 por mês — a média salarial dos operadores é de R$ 2.000 — teve seu contrato encerrado pela Justiça após o caso, o que lhe garantiu os direitos trabalhistas rescisórios.

Na ação, ele afirmou que frequentemente passava do horário para suprir demandas da loja e comprovou sofrer de estresse pós-traumático após a agressão. Também afirma ter queixado dos assaltos para supervisores da empresa, mas que nada teria sido feito.

A defesa da rede argumentou que "não pode ser responsabilizada por ato de terceiro, notadamente porque a segurança pública é dever exclusivo do Estado", e que "não há relação entre o transtorno desenvolvido pelo empregado e o fato narrado".

O Oxxo foi condenado a pagar R$ 20 mil por danos morais.

Funcionários, que ganham cerca de R$ 2000 por mês, cuidam do caixa, enchem as gôndolas, assam salgados e limpam banheiros
Funcionários, que ganham cerca de R$ 2000 por mês, cuidam do caixa, enchem as gôndolas, assam salgados e limpam banheiros Imagem: Keiny Andrade/UOL
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Sem apoio psicológico

Em setembro, uma funcionária relatou à Justiça ter tido o celular roubado após ser trancada em uma sala dos fundos por assaltantes, num Oxxo da Vila Nova Conceição, bairro nobre da cidade.

Segundo a ação, a mulher alega que a empresa não ofereceu apoio psicológico, o que foi confirmado pela própria empresa no processo.

Em dezembro, a Justiça concluiu que "ter sido vítima de assalto, tendo seus pertences subtraídos, bem como ter ficado trancada em vestiário, resulta em sentimentos de temor, angústia e preocupação" e que a ronda de moto "ocorria de forma esporádica e insuficiente, sem qualquer outra medida de segurança mais eficaz". O Oxxo foi condenado a pagar R$ 10 mil por danos morais e materiais para a funcionária e mais R$ 1.599 pelo valor do celular.

Em outra ação judicial, uma funcionária que sofria seu terceiro assalto na unidade do Oxxo da praça da República, região central, ficou presa no banheiro com um bandido armado.

"[Ele] pediu todo o dinheiro do caixa e determinou que a reclamante o acompanhasse até os fundos da loja, ocasião em que a reclamente temeu por sua vida ou por violência sexual", registra o processo. Em primeira instância, a Justiça não acatou o pedido de indenização por danos morais.

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Em resposta à ação, a defesa do Oxxo alegou que "não houve nenhum arrastão ou assalto, mas apenas furto, o que foi visualizado pela empresa nas câmeras existentes no local, ocasião em que o indivíduo estava desarmado e furtou item do estabelecimento".

Para Josimar Andrade de Assis, diretor de relações sindicais do Sindicato dos Comerciários, a posição da empresa é sempre a mesma: "Dizem ser um problema do Estado e não deles."

"Tudo que acontece dentro de uma empresa é responsabilidade do empregador", explica Fabíola Marques, professora de direito do trabalho na PUC-SP.

Segundo ela, não há uma legislação específica sobre quais medidas devem ser adotadas, mas o empregador deve oferecer um ambiente seguro e saudável para os funcionários. "Isso é fundamental", explica.

Case de sucesso

O Oxxo foi criado no México em 1978 e tem mais de 19 mil lojas na América Latina. No país natal, vende os próprios chips de telefonia, tem postos de gasolina e faz pagamentos de contas. Também opera no Chile, Colômbia e Peru.

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O Grupo Nós, que controla a rede no Brasil, é composto pela Raízen — licenciadora de empresas como a Shell — e a transnacional Femsa Comercio, de origem mexicana, engarrafadora da Coca-Cola, sucos, cervejas e água.

O investimento para implementar o Oxxo no Brasil foi de R$ 1,12 bilhão. A inauguração aconteceu em Campinas (SP), interior paulista, em 2020. Na chegada à capital no ano seguinte, virou meme devido à velocidade das inaugurações. O termo divulgado em informes dava uma dimensão: "Uma loja por dia".

A meta da empresa é ter 5 mil Oxxo abertos em todo o país nos próximos anos. Hoje, está só no estado de São Paulo.

No México, a empresa enfrenta problemas de segurança semelhantes aos do Brasil — e também tem por política não contratar seguranças permanentes. As exceções, segundo a imprensa local, foram em unidades de San Martín Texmelucan de Labastida e Vera Cruz, que ganharam seguranças e, no caso da segunda cidade, até botões de pânico.

Em novembro do ano passado, o presidente do Grupo Nós, Rodrigo Patuzzo, afirmou à Folha de S.Paulo que os problemas de segurança no Brasil representavam um "número pequeno de roubos e furto" e que 80% deles acontecem durante o dia, "como em qualquer lugar do planeta".

"Que mercado nunca sofreu um furto?", questionou Patuzzo.

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O sindicato da categoria afirma que uma nova reunião com o Grupo Nós sobre as condições de trabalho está prevista para 2024.

*Nomes alterados para preservar a identidade dos funcionários.

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