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'Um show de networking': a influência de Thiago Brennand na polícia de PE

Em 15 de maio de 2023, a Promotoria de Justiça de Porto Feliz, no interior de São Paulo, pediu a inclusão do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) nas investigações envolvendo o empresário pernambucano Thiago Brennand.

"Considerando a grande repercussão do caso, o número de vítimas já identificadas e de outras que ainda poderão surgir, bem como levando-se em conta que os fatos, em geral, podem estar atrelados a possível corrupção de agentes públicos, revela-se absolutamente necessária atuação especializada por parte do órgão", justificou a promotoria. A Justiça autorizou.

O UOL teve acesso a processos em que Brennand é réu. O material inédito compõe o podcast semanal "Brennand", do UOL Prime. Os episódios vão ao ar às quintas-feiras.

Nos documentos são mencionados diversos agentes públicos — três deles foram citados pelo próprio réu como contatos pessoais. Brennand chegou a convidar K.*, uma das mulheres que o acusou de estupro, para jantar, dizendo que levaria junto três amigos delegados: Paulo Jeann Barros Silva, Olga Câmara e Osvaldo Morais.

"Eu dou um show de networking", disse, em um dos áudios inéditos aos quais a reportagem teve acesso. "Muitos desses delegados me ligam para pedir favor."

A reportagem tentou contato com Olga Câmara e Paulo Jeann por telefone, mas eles não atenderam às ligações. Osvaldo Morais negou que tenha ajudado Brennand.

Porto Feliz - Pernambuco

Ex-corregedor auxiliar da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco e atual diretor do IITB (Instituto de Identificação Tavares Buril), o delegado especial da Polícia Civil Paulo Jeann Barros Silva é um desses agentes de segurança pública que Brennand chama de amigo e a quem ele pediu um favor.

Em 1º de setembro de 2021, N.* fez uma denúncia de que a irmã dele, K., estava sendo mantida em cárcere privado por Brennand na Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz. K., uma produtora pernambucana radicada nos EUA, tinha viajado ao Brasil para visitar Brennand, com quem se relacionava à distância.

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Na noite anterior, 31 de agosto, N. recebeu uma mensagem da irmã com a localização de onde estava, pedindo ajuda. Por telefone, disse que havia sido agredida por Brennand e forçada a tatuar na costela as iniciais do nome dele.

K. só conseguiu sair da mansão de madrugada, quando a polícia paulista foi acionada. Com ajuda do PM Daniel Cossani (que atualmente é alvo de sindicância), ela foi para o aeroporto de São Paulo e viajou ao Recife, onde vive sua família.

Ao chegar lá, no entanto, ela foi pressionada por Brennand para ir à delegacia desmentir o boletim de ocorrência feito por seu irmão, segundo relatou à Justiça. Por volta das 23h de 3 de setembro, ela foi à polícia e assinou um termo dizendo que N. interpretou errado a história de Porto Feliz.

Segundo K., Brennand fez um grupo de WhatsApp incluindo ela e Paulo Jeann para que o delegado lhe desse coordenadas de como proceder na desistência da denúncia, como consta num relatório da delegada Larissa Souza de Melo Azedo, de dezembro de 2021.

Caso Serrambi

Durante uma ligação telefônica entre K., Paulo Jeann e Brennand, o empresário relembrou o assassinado de duas jovens, ocorrido em 2003, próximo a Porto de Galinhas, no litoral sul de Pernambuco. Paulo Jeann foi um dos responsáveis pela investigação do crime que ficou conhecido como caso Serrambi.

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THIAGO BRENNAND: Ô Paulinho, tu foi delegado do caso Serrambi, foi?
PAULO JEANN: Foi, pô, tu não sabe que foi?
THIAGO BRENNAND: Dizem que fui eu quem matei aquelas meninas, né?
PAULO JEANN: Conversa, pô. Eu num já desmenti tudo, rapaz? [...] Você foi um injustiçado, rapaz.

As jovens Maria Eduarda e Tarsila Gusmão estavam hospedadas na casa de um amigo delas, um jovem de 21 anos chamado Tiago Carneiro. Thiago Brennand também frequentava a praia de Serrambi. A família dele tinha uma casa num condomínio na região. Os xarás eram jovens de famílias ricas de Pernambuco e por isso foram confundidos. "Eu não tava nem no Brasil", explicou o empresário a K, em uma das ligações gravadas.

Por causa dos rumores, em 2006, na época das investigações, tanto ele quanto seu irmão, Bruno Fernandes Vieira, foram convocados a depor, mas não houve qualquer prova dessa relação.

Os irmãos Marcelo Lira e Valfrido Lira, que ficaram conhecidos como os "kombeiros", por dirigir uma Kombi, foram denunciados pelo crime de Serrambi. Em 2010, no entanto, um júri popular os inocentou.

Em 2019, três delegados que acompanharam o caso assinaram declarações isentando Brennand de qualquer relação com o crime. Um deles foi Paulo Jeann, então titular da Delegacia de Polícia de Delitos de Trânsito.

No documento em papel timbrado da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, ele afirmou que o nome de Brennand (na época ainda com o sobrenome Fernandes Vieira) "havia sido citado e veiculado em muitos 'boatos' inverídicos", e que, "para extinguir qualquer dúvida que maliciosamente permeava as informações", ouviu o empresário "na condição de declarante".

No final, disse, comprovou-se que ele "nada tinha haver [sic] com o caso policial que era investigado".

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Na conversa com K. e Paulo Jeann, em 2021, Brennand disse que aquelas declarações foram algo inédito na "história das polícias" pernambucanas.

"Você não sabia nem como fazer o documento", lembrou o empresário na conversa gravada com Paulo Jeann. "Os três delegados fizeram um documento dizendo que era o promotor [de Justiça] se usando da minha fama, do holofote que eu trazia, querendo se promover."

Ex-chefes de polícia

Nas gravações gravadas por K. e às quais o UOL teve acesso, além de Paulo Jeann, Brennand citou mais dois ex-delegados e ex-chefes de polícia de Pernambuco: Olga Câmara e Osvaldo Morais. "Eles ligam para você, encerram isso na Delegacia da Mulher, entendeu?", ele disse a K.

Olga, hoje aposentada, foi a primeira chefe mulher da Polícia Civil de Pernambuco, nomeada em 2001 pelo ex-governador Jarbas Vasconcelos. "Ela me chama de meu filho", contou Brennand à vítima. "Liga para ela agora."

Ela também foi arrolada pelos advogados do empresário como testemunha de defesa em outro processo no qual ele é acusado de estupro.

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Brennand também disse a K. que articulou junto a Osvaldo uma nova versão para a denúncia feita pelo irmão dela. "Para que nós não expuséssemos seu irmão, eu não podia dizer que a história é totalmente mentirosa, tá?", explicou a K.

"Então, esse, que foi chefe de polícia e é secretário de Defesa Social de Ipojuca hoje, Osvaldo Morais, ligou e disse que a gente tava começando a vida a dois e que tivemos um problema e, como você ficou sem se comunicar com seu irmão, você tá muito nervosa com o fim da relação, seu irmão desesperado fez um boletim de ocorrência que não tinha nada a ver com os fatos, entendeu? Interpretou mal o que você disse", orientou. "Vá lá e diga dessa maneira."

Ao UOL, o ex-delegado desmentiu as afirmações de Brennand. "Nunca orientei ninguém a tirar queixa. Até porque acho que isso é uma coisa que não deve ser feita", contou.

Osvaldo diz que apenas pediu a uma colega de plantão para atender K. na delegacia e "tomar um depoimento". Também negou que tivesse amizade com Brennand. "A gente não tinha contato íntimo, mas o conhecia."

Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco explicou que o documento assinado por Paulo Jeann isentando Brennand de relação com o caso Serrambi "pode ser solicitado por qualquer pessoa que tenha sido citada ou tenha atuado como declarante em um processo judicial".

Em relação às conversas do delegado especial com Brennand e K., a Polícia Civil disse que "não teve acesso aos áudios citados pela reportagem, mas reafirma que qualquer desvio de conduta será devidamente apurado e encaminhado à Corregedoria da Secretaria de Defesa Social".

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O podcast narrativo é apresentado pelo jornalista do UOL Mateus Araújo, que divide a reportagem com Juliana Sayuri. Os episódios vão ao ar sempre às quintas-feiras.

"Brennand" está disponível no YouTube do UOL Prime, Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music, Deezer e em todas as plataformas de podcast.

'Brennand'

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