Mistério em PE: assassinato de jovens em praia badalada nunca foi resolvido
Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão tinham 16 anos quando saíram de casa, no Recife, para curtir um final de semana na praia de Serrambi, ao lado de Porto de Galinhas, na cidade de Ipojuca, no litoral sul de Pernambuco. Era maio de 2003 — e elas nunca mais voltaram para casa.
Desaparecidas dez dias após um passeio de lancha com amigos, as adolescentes foram encontradas mortas num canavial. Começou ali a investigação do crime que ficou conhecido como caso Serrambi. Neste mês, 20 anos depois, os homicídios prescreveram e não há resposta para o assassinato das estudantes.
Três delegados investigaram o caso em inquéritos diferentes. Todos chegaram à conclusão de que Marcelo Lira e Valfrido Lira, que ficaram conhecidos como os irmãos "kombeiros", por dirigir uma Kombi, foram os responsáveis pelo crime. Eles foram detidos duas vezes, mas foram liberados após o júri popular decidir, em 2010, que eles eram inocentes.
Tarsila, do Recife, e Maria Eduarda, de Jaboatão dos Guararapes (PE), estavam hospedadas na casa de praia de um amigo, Tiago Alencar Carneiro da Silva, no feriado prolongado de 1º de maio. Na noite de sexta-feira, 2 de maio, os jovens fizeram uma festa na casa. Ao amanhecer do sábado, o grupo partiu para um passeio de lancha de Serrambi ao pontal de Maracaípe. O barqueiro avisou que havia hora marcada para o retorno, por causa da alta da maré.
"A partir do passeio de lancha, os caminhos de Tarsila e Maria Eduarda não se cruzaram mais com os dos amigos que estavam na casa com elas. As adolescentes chegaram em Maracaípe com a turma, mas decidiram caminhar sozinhas à beira-mar", lembra José Silvestre, que trabalhava no GOE (Grupo de Operações Especiais) da Polícia Civil de Pernambuco, o primeiro delegado a investigar o caso.
"Elas andaram em direção a Porto de Galinhas e foram fotografadas por um amigo de Tarsila", acrescenta, citando o último registro que se tem delas, Maria Eduarda, de regata branca, e Tarsila, de vestido laranja. Estavam sem dinheiro vivo e sem celular. "Quando foram encontrar o grupo, os amigos já haviam voltado para Serrambi. Começou ali a busca delas por uma carona."
Elas conseguiram carona até o centro de Porto de Galinhas. De lá, ligaram de um orelhão para Tiago, pedindo que fosse pegá-las, o que não aconteceu de imediato. "Angustiadas e querendo chegar logo na casa de Serrambi, elas começaram a pedir carona aos carros que passavam. Era em frente a uma padaria e testemunhas as viram lá", conta Silvestre.
Uma testemunha-chave
Na esquina da padaria estava a moradora Regivânia Maria da Silva. De acordo com o relato que fez à Polícia Civil, as adolescentes conseguiram, depois de várias tentativas, parar uma Kombi de para-choque verde. "Só havia uma Kombi com aquela característica naquela região", diz Silvestre.
Depois desse dia, Tarsila e Maria Eduarda não foram mais vistas. Os amigos foram de Serrambi até Porto de Galinhas para buscar as duas, mas não as encontraram. Eles procuraram em vários lugares, sem sucesso, até que decidiram ir à polícia e avisar às famílias das amigas o que havia acontecido. Começou uma corrida contra o tempo para encontrá-las bem.
De início, levantou-se a suspeita de que elas poderiam ter sido sequestradas — mas nunca houve nenhum contato pedindo resgate. Amigos, famílias e policiais se mobilizaram para descobrir o paradeiro delas.
Após dez dias de buscas, as garotas foram encontradas. Acostumado a fazer trilhas, o empresário José Vieira de Melo, pai de Tarsila, saiu do Recife de moto com um amigo e seguiu para o litoral sul. Pilotando entre canaviais, o amigo avistou dois corpos. Eram elas.
José reconheceu a filha por uma saída de praia e uma pulseira de tornozelo que ele tinha lhe dado de presente. "Não tive mais dúvidas de que ela estava morta. É uma dor muito grande para um pai encontrar uma filha como eu encontrei a minha", diz, ao TAB.
Cinco dias depois, Marcelo e Valfrido foram presos. Devido à condição dos corpos, em adiantado estado de decomposição, não foi possível descobrir se as adolescentes foram abusadas sexualmente.
José Vieira viu de perto a investigação e o julgamento dos irmãos, que acabaram absolvidos. Ele, entretanto, diz não acreditar na inocência deles. "Espero que um dia a justiça seja feita. A morte da minha filha não pode ficar impune."
Os amigos
Maria Eduarda e Tarsila eram adolescentes de classe média alta de Pernambuco. O crime ocorreu em uma área de praias badaladas, onde famílias endinheiradas do estado passam férias e feriados. A imprensa pernambucana mergulhou a fundo no caso Serrambi.
Até hoje, muitos questionam a possível participação de amigos das jovens nos homicídios. Várias hipóteses foram levantadas durante as investigações — uma delas dizia que elas foram assassinadas após a festa de sexta-feira, o que foi descartado durante as diferentes investigações, devido à foto na praia e ao relato de Regivânia, a moradora que as identificou no centro de Porto de Galinhas no sábado.
Ao menos outras oito pessoas estavam na casa de praia de Tiago. "Todo mundo foi investigado. A casa foi periciada e nada foi encontrado lá. Elas não morreram dentro da casa de Serrambi", afirma o promotor de Justiça Salomão Ismail Filho.
Outro Tiago foi ouvido pelos delegados: Thiago Antonio Fernandes Vieira, herdeiro de famílias pernambucanas, hoje conhecido como Thiago Brennand. Segundo a polícia, isso ocorreu após uma confusão entre os homônimos, o herdeiro e o anfitrião. Nunca foram encontradas evidências de envolvimento de nenhum deles nos crimes.
"A investigação nos permitiu identificar que se tratava de boato, em que o Sr. Thiago Antonio Fernandes Vieira, surgiu [sic] pela semelhança entre seu nome e o nome da pessoa em cuja casa estavam hospedadas as vítimas, o qual também tinha o nome Tiago, mas sem o 'h'", rubricou o delegado José Oliveira Silvestre, em 2019, em uma declaração com timbre da Polícia Civil de Pernambuco.
O documento assinado por Silvestre foi feito a pedido do próprio Thiago. Além dele, outros dois fizeram declaração semelhante: o delegado especial Paulo Jeann Barros Silva e o delegado da Polícia Federal Cláudio Barros Joventino, que endereçaram as cartas ao Departamento de Estado dos Estados Unidos, o que indica que "os devidos fins" estavam relacionados a um pedido de visto.
Thiago citou o caso Serrambi, conforme revelou o TAB, num vídeo publicado por ele no YouTube, em outubro de 2022, referindo-se à história como "um boato" do qual teria sido "alvo". "Nunca fui parte no processo, mas pedi, apenas para registro, a declaração dos três delegados", disse.
Bastidores e bombons
O caso Serrambi também teve como pano de fundo uma "briga" entre o MPPE (Ministério Público de Pernambuco) e a Polícia Civil. O embate se deu, inicialmente, entre o então promotor de Ipojuca Miguel Sales, já falecido, e o então chefe da polícia, o delegado Aníbal Moura.
Pouco mais de um mês após o crime, a polícia concluiu e encaminhou o inquérito ao MPPE. Sales devolveu o documento e pediu novas diligências — para o promotor, não havia provas que pudessem incriminar os irmãos kombeiros. Após as diligências pedidas, o inquérito foi enviado novamente ao MPPE, com o mesmo resultado, indiciando os irmãos.
O promotor fez críticas à investigação e não abriu processo contra os suspeitos. Era comum, na época, a troca de farpas entre Sales e Moura nas entrevistas aos jornalistas que cobriam o caso. Após esse embate, o caso acabou passando à Polícia Federal.
Do Ceará, o delegado Cláudio Joventino mudou para Pernambuco, em 2004, para apurar as mortes. Após meses de investigação, também apontou Marcelo e Valfrido como autores dos crimes.
Sales, com o inquérito da PF, disse novamente não estar convencido do resultado e pediu mais diligências. A PF refez o trabalho e voltou à conclusão, mas o promotor não se satisfez. Depois, em 2007, a investigação voltou à Polícia Civil, desta vez com o delegado Paulo Jeann Barros, que reiniciou a investigação e também indiciou Marcelo e Valfrido.
Sales foi afastado do caso por decisão da Procuradoria-Geral de Justiça. Assumiram os promotores Salomão Ismail Filho e Ricardo Lapenda, abrindo processo contra os Lira, que tiveram as prisões decretadas em 2008. Eles foram a julgamento em 2010.
Além da testemunha-chave que citou a Kombi à Polícia Civil, os investigadores identificaram, no veículo dos irmãos, papéis de bombom e um barbeador — no canavial, encontraram embalagens do doce, um barbeador do mesmo tipo, fios de náilon e pedaços de papelão. "Nada disso é prova contra os Lira", diz o advogado Jorge Wellington, que atuou na defesa dos irmãos durante o julgamento.
Antes do caso Serrambi, Marcelo foi investigado por um crime similar: o assassinato de uma jovem, cujo corpo foi encontrado em um canavial. Era a namorada de Roberto, outro irmão Lira, que assumiu a autoria do crime.
Desde que foram detidos como suspeitos pela primeira vez, em maio de 2003, os kombeiros negam envolvimento no caso. "Nem eu nem meu irmão matamos as meninas. A gente é inocente, como ficou provado no júri popular", declara Marcelo. Valfrido foi preso novamente em 2022, em Ipojuca, condenado por uso de documento falso (uma CNH de outro estado).
Do caso Serrambi, eles foram inocentados, por 4 votos a 3. Até hoje, o crime nunca foi resolvido.
Colaborou Mateus Araújo
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