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Fundo Amazônia tem metade dos projetos em atraso e fila de pedidos de verba

Mantido com doações externas que já acumulam R$ 4,3 bilhões em caixa, o Fundo Amazônia financia atualmente 40 projetos de preservação da floresta, mas quase metade deles está atrasada.

Raio X

Levantamento do UOL aponta que ao menos 18 destes programas estouraram o prazo de conclusão. Alguns deles estão em andamento há mais de uma década.

Criado no segundo mandato de Lula (PT), em 2008, o Fundo Amazônia já apoiou 107 projetos, dos quais 67 (72%) foram concluídos. Entre os 40 ainda não encerrados, o mais antigo é de 2011 e deveria ter sido entregue seis anos depois.

Cinco dos projetos ativos nasceram no atual governo Lula, e os 35 restantes são anteriores a 2019. O governo Bolsonaro não interrompeu os repasses às iniciativas que já existiam, mas não aprovou projetos novos, parou de captar doações do exterior e dissolveu o Cofa (Comitê Orientador do Fundo Amazônia), que controlava o andamento dos trabalhos.

Nenhum dos 35 projetos antigos cumpriu a data de entrega determinada em contrato. Em geral, a previsão inicial de término dos programas era de 2 a 5 anos, mas alguns já tiveram o prazo estendido para mais de 8 anos e ainda não foram concluídos.

Atualmente, 18 desses 35 projetos já foram encerrados na prática. No papel, o Fundo classifica esses programas como em andamento, mas eles já finalizaram as atividades e só dependem de questões burocráticas para serem considerados concluídos.

Dos 18 projetos em atraso, 8 são de responsabilidade do poder público. Sete deles são conduzidos por governos estaduais — Mato Grosso (2), Amazonas (1), Ceará (1), Espírito Santo (1), Maranhão (1) e Rondônia (1) — e um pelo Serviço Florestal Brasileiro, do governo federal. Os demais são geridos por organizações não governamentais.

Além dos programas em execução, o Fundo tem uma fila de 56 pedidos por verba. Estas propostas são avaliadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Segundo o banco, há 46 projetos na fase inicial, de consulta, e outros 10 na etapa de análise, última antes da aprovação.

O Fundo Amazônia não usa dinheiro público, mas sua gestão é governamental. O dinheiro é administrado pelo BNDES e os projetos são acompanhados pelo Cofa, um colegiado que é presidido pelo Ministério do Meio Ambiente e formado por representantes de outras nove pastas, além de todos os nove governos estaduais da Amazônia Legal e entidades da sociedade civil.

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Desde o início do atual governo Lula, em 2023, o Fundo captou R$ 740 milhões. Os doadores foram Reino Unido (R$ 497 milhões), Alemanha (R$ 186 milhões), Suíça (R$ 28 milhões), Estados Unidos (R$ 15 milhões) e Japão (R$ 14 milhões). Outros R$ 3,1 bilhões em doações, segundo o BNDES, foram anunciados por "potenciais doadores" e estão em negociação.

Mesmo sem doações novas, o caixa do Fundo aumentou em R$ 450 milhões no governo Bolsonaro. Segundo os relatórios do BNDES, o saldo disponível para os projetos saltou de R$ 3,48 bilhões no final de 2018 para R$ 3,93 bilhões quatro anos depois. Isso porque o dinheiro está aplicado em dois fundos de investimento geridos pelo Banco do Brasil, que acumulam rendimentos.

Procurado pelo UOL, o BNDES afirma que a pandemia atrasou a execução das atividades. Segundo o banco, o combate ao coronavírus e as condições logísticas de cada projeto são razões que justificam a prorrogação dos prazos de conclusão.

O BNDES também alega que um projeto só é considerado como "concluído" quando todas as etapas da prestação de contas estão concluídas. Por isso, segundo o banco, parte dos programas com prazo expirado "podem estar em efetiva execução ou na etapa de prestação de contas ou em avaliação final".

Especialistas avaliam que podem ocorrer atrasos porque os contratos são complexos. Segundo Adriana Ramos, assessora política do ISA (Instituto Socioambiental) e ex-integrante do Cofa, os programas bancados pelo Fundo costumam depender de fatores que nem sempre estão claros no início dos trabalhos.

É relativamente normal que ocorram ajustes de cronograma, porque eles são dependentes de muitos variáveis incontroláveis. Há fatores climáticos, ambientais, e há questões estruturais que atrasam a realização de certas atividades. Além disso, boa parte dos projetos depende da cooperação com órgãos públicos, como os governos estaduais
Adriana Ramos, assessora do ISA e ex-integrante do Cofa

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O que explica a situação

A maioria dos responsáveis pelos projetos aponta a pandemia como o maior fator de atraso. Organizações que trabalham em terras indígenas, principalmente, afirmam que muitas atividades de campo ficaram suspensas em 2020 e 2021 devido às medidas de contenção do coronavírus.

Há projetos que começaram há mais de cinco anos, mas ainda estão longe da conclusão. É o caso do Terra a Limpo, um programa gerido pelo governo de Mato Grosso que se propõe a modernizar a gestão fundiária para reduzir o desmatamento e os conflitos por terra no estado.

A data-limite para conclusão projeto já foi adiada por dois anos. Quando o contrato com o Fundo Amazônia foi assinado, em junho de 2018, tinha previsão de término em cinco anos e meio, ou seja, em dezembro do ano passado. Esse prazo, porém, foi adiado para dezembro de 2025.

Procurado, o governo de Mato Grosso negou que haja atrasos. Em nota enviada ao UOL, o Executivo mato-grossense afirma que "o projeto passou por adequações" que levaram a um novo prazo acordado com o governo federal. Sobre o andamento das atividades, a nota afirma que mais da metade do projeto já foi executada.

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Cinco estados estão com atraso em projetos de regularização fundiária. Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão e Rondônia têm financiamento do Fundo para implementar o CAR (Cadastro Ambiental Rural), que busca mapear e registrar todas as propriedades rurais em cada estado, mas ainda não finalizaram o trabalho apesar do fim do prazo contratual.

Procurados pelo UOL, quatro desses estados afirmam que a pandemia retardou o trabalho. O Idaf (Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo) também citou "restrição de gastos do governo estadual" e o abandono de empresas contratadas para prestar serviços. O governo de Rondônia não se manifestou.

Já o Serviço Florestal Brasileiro, que tem um contrato em aberto desde 2013, atribui o atraso a questões orçamentárias. O órgão, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, afirma que sofreu uma limitação de gastos de R$ 2 milhões por ano em 2016, o que obrigou o projeto a estender o prazo de execução e o encerramento das atividades.

Uma das entidades afirma que houve interrupção nos repasses do BNDES. É o MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu), que conduz um projeto de R$ 9,2 milhões para apoio às comunidades tradicionais de quebradeiras de coco no Maranhão, no Tocantins e no Pará.

A MIQCB afirma que a suspensão das doações internacionais ao Fundo, em 2019, "paralisou a continuidade dos projetos apoiados". O projeto Floresta de Babaçu em Pé, gerido pela entidade, recebeu a primeira parcela em agosto de 2018, ano em que assinou o contrato com o Fundo, e a segunda parcela só foi paga quatro anos mais tarde, em setembro de 2022.

O Fundo continuou fazendo repasses aos projetos durante o governo Bolsonaro. O BNDES afirma em seus relatórios anuais que gastou R$ 447,8 milhões com os programas em andamento de 2019 a 2022.

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Apesar dos atrasos nos contratos, especialistas defendem o Fundo e elogiam os esforços para ampliá-lo. Eles destacam que o dinheiro financia não apenas atividades como o estímulo à produção florestal, que não são atribuição direta do Estado, mas também funções básicas do poder público: o Ibama, por exemplo, já recebeu R$ 200 milhões para manter a fiscalização ambiental.

Assinei dois contratos com Fundo. O segundo [Profisc I-B, iniciado em 2016] era o maior com o poder público à época: R$ 140 milhões. Esses contratos foram bem importantes para assegurar pagamento do aluguel das caminhonetes e helicópteros do Ibama.
Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (2016-18)

O Fundo atende a demandas em que o Estado não investe, como o incentivo à produção sustentável em comunidades indígenas e tradicionais, e financia grandes projetos que têm ajudado a fiscalizar, conhecer e organizar o território. Eu vejo o Fundo Amazônia como uma entre várias estratégias necessárias para cuidar do bioma.
Adriana Ramos, assessora do ISA e ex-integrante do Cofa

Entidade que apoia quebradeiras de coco afirma que repasses foram suspensos em 2019
Entidade que apoia quebradeiras de coco afirma que repasses foram suspensos em 2019 Imagem: Divulgação/MIQCB

Próximos passos

Dos R$ 4,3 bilhões que o Fundo tem hoje em caixa, R$ 1,3 bilhão já está reservado, segundo o BNDES. São R$ 553 milhões para manter os projetos em andamento e R$ 786 milhões para duas iniciativas mais amplas, que serão executadas por parceiros selecionados em chamadas públicas.

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Estas iniciativas são o Restaura Amazônia e o Amazônia na Escola. A primeira vai distribuir R$ 450 milhões entre três entidades responsáveis por restaurar o chamado "arco do desmatamento", nos limites do bioma amazônico. A meta é reflorestar 60 mil km² — área pouco maior que o estado da Paraíba — até 2030.

Já o Amazônia na escola é um programa de alimentação para estudantes com produtos da agricultura familiar. O projeto, que tem investimento de R$ 336 milhões, tem a meta de beneficiar 1 milhão de alunos com alimentos de produção sustentável.

O Fundo Amazônia também vai injetar dinheiro nos estados amazônicos, segundo o BNDES. Em fevereiro, o banco anunciou que vai disponibilizar R$ 45 milhões para cada estado investir em bombeiros, para combater incêndios florestais, e outros R$ 30 milhões para forças estaduais de fiscalização ambiental.

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