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Sete meses sem avançar: por que o caso 123milhas está parado na Justiça

Um impasse na escolha dos administradores judiciais vem travando a recuperação judicial da 123milhas e provocando desconforto nos bastidores do caso, apurou o UOL.

A agência de viagens online tem R$ 2,5 bilhões em dívidas e é alvo de mais de 16 mil ações. O pedido de recuperação foi aceito pela Justiça mineira há sete meses, mas não avançou.

A lista de credores da empresa não foi divulgada por ela. Detalhes sobre o pagamento da dívida permanecem em aberto.

O Ministério Público de Minas Gerais pediu o afastamento de uma das advogadas do caso e questionou a remuneração dos administradores judiciais.

Ninguém sabe quando a história terminará.

"Uma recuperação judicial de agosto de 2023 se prolongar até abril de 2024 não é nada normal", afirma um advogado com mais de 20 anos de experiência na área.

Ex-funcionários da empresa estão à espera. Desde o fim de fevereiro, eles conferem o site rj123milhas.com.br em busca de novidades.

É nesse endereço que deve ser publicada a lista atualizada de credores — cerca de 800 mil pessoas físicas e jurídicas a quem a agência de viagens deve dinheiro.

A lista deveria estar no ar desde novembro de 2023, junto de uma proposta detalhada de pagamento.

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Mas, como o caso teve reviravoltas na Justiça, o site está fora do ar, a lista não foi publicada e a proposta não foi julgada.

"É surreal. Nada anda. Todo mundo fica a ver navios", diz uma fonte que acompanha o caso de perto.

Site rj123milhas.com.br
Site rj123milhas.com.br Imagem: Reprodução

BH - Brasília

Um dos advogados de defesa da 123milhas é Bernardo Bicalho. Ele foi um dos administradores judiciais da Samarco, mineradora que responde a processos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).

No caso Samarco, também estavam Otávio De Paoli Balbino (filho da desembargadora aposentada Márcia de Paoli Balbino), Dídimo Inocêncio de Paula (desembargador aposentado) e Arnoldo Wald Filho.

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Eles receberiam juntos R$ 500 milhões de honorários nessa recuperação, mas o MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) pediu a redução do valor. Os advogados receberam R$ 50 milhões.

É a Justiça que decide quanto o administrador deve receber de remuneração, que segundo a lei deve ser até 5% da dívida. Isso equivale a até R$ 115 milhões no caso da 123milhas.

Os escritórios de Balbino e Paula foram indicados como administradores no caso 123milhas.

"Um é advogado de defesa e os amigos são administradores judiciais. Todos trabalharam juntos no caso Samarco. É possível ser imparcial?", questiona uma fonte.

Entre os administradores está a advogada Flavia Millard, que trabalhou no escritório de Bicalho até 2019.

A 3ª Promotoria de Justiça Empresarial de Belo Horizonte pediu o afastamento de Millard por considerar que ela não seria imparcial. Ainda não há decisão sobre o assunto.

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O valor da remuneração também foi questionado. Após a Justiça determinar 4% (R$ 64 milhões), o MP-MG recorreu e houve redução para 1,5% (R$ 34,5 milhões).

O órgão pede, ainda assim, 1% (R$ 24 milhões). A ideia é não comprometer o pagamento dos credores.

Bicalho afirmou ao UOL por email que tem mais de 20 anos de atuação na área e já esteve em diferentes posições em outros processos com os escritórios de Balbino e Paula.

"Não houve qualquer elemento de fato ou de direito que pudesse interferir na legalidade, imparcialidade e ética dos profissionais do direito atuantes nos referidos processos e, em especial, na recuperação judicial do grupo 123milhas", escreveu.

Balbino, Millard e Paula não responderam aos pedidos de entrevista da reportagem.

Advogados especializados estão com um olho em Belo Horizonte, outro em Brasília.

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O projeto de lei 3/2024, que pretende mudar a lei de falências e recuperações judiciais, tramita no Congresso.

A remuneração prevista em lei para administradores judiciais fez das recuperações um mercado muito disputado, segundo fontes ouvidas pelo UOL.

O número de recuperações aumentou quase 70% em 2023, segundo a Serasa Experian. Gigantes como Americanas e Oi estavam entre as 1.400 empresas que passaram pelo processo no período.

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Imagem: Arte/UOL

A saga da 123milhas

A recuperação judicial da 123milhas está na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte. O pedido foi aceito pela juíza Claudia Batista.

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A agência deveria ter entregado à Justiça a proposta de pagamento em 1º de novembro do ano passado.

O processo, entretanto, ficou emperrado entre setembro e dezembro no TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais).

O Banco do Brasil, a quem a empresa deve cerca de R$ 100 milhões, pediu uma análise das contas (laudo de constatação prévia). O desembargador Alexandre Carvalho concordou com a solicitação.

Conforme o UOL revelou, o laudo identificou que a 123milhas operou no vermelho por três anos seguidos (2020, 2021 e 2022).

A recuperação judicial foi retomada em 15 de dezembro, após a entrega do laudo, mas acabou paralisada novamente em 25 de janeiro.

O motivo foram divergências entre a juíza e o desembargador sobre quais seriam os administradores judiciais — Carvalho substituiu dois dos três indicados.

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Os preteridos recorreram, e o TJ-MG ainda não tem previsão de quando os recursos serão julgados.

A juíza decidiu que a recuperação só será retomada quando forem definidos os administradores judiciais.

O desembargador determinou a retomada do processo em 28 de fevereiro, mas a decisão ainda não saiu do papel.

O caso tem duas audiências marcadas: nesta quarta-feira (3) e na próxima (10), ambas em Belo Horizonte.

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