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Brasil tem 1/3 dos estados fora de banco de DNA para investigação criminal

O Banco Nacional de Perfis Genéticos, criado em 2013 para ajudar a elucidar crimes compartilhando o DNA de vítimas e suspeitos entre todas as polícias estaduais do país, ainda enfrenta dificuldade de unificar as informações em nível nacional.

O que aconteceu

Oito estados não acessam nem compartilham informações com o banco. Parte deles trabalha para se adaptar às regras do banco de dados e outros estão suspensos por falta de padrão mínimo de qualidade.

O banco de dados tem hoje 223.146 mil perfis cadastrados. De acordo com a pasta, o objetivo é que o material coletado na cena de um crime, como fios de cabelos, objetos pessoais e qualquer vestígio, seja levado aos laboratórios. Lá, o DNA é extraído do material, analisado e inserido no banco nacional.

O arquivo também contém DNA de pessoas procuradas pela Justiça acusadas de cometer crimes hediondos. O trabalho dos peritos, então, funciona de forma semelhante ao que mostram séries de investigação criminal. Com o DNA coletado na vítima ou na cena do crime, abre-se um universo de possibilidades de cruzamentos de vestígios.

Há dois grupos de estados que não fazem parte do banco, segundo o Ministério da Justiça. No primeiro, estão Acre, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Sergipe. São estados que ainda não atendem alguns requisitos e "estão se adaptando para entrar no banco com a quantidade de peritos recomendada e espaços de laboratórios adequados", afirmou ao UOL Isabel Figueiredo, diretora do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) da Secretaria Nacional de Segurança da pasta.

Embora fora do banco, esses cinco estados podem fazer perícias e laudos usando informações dele. Isso porque eles fazem parte da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos — mesmo sem inserir perfis genéticos no banco nacional.

No segundo grupo, estão os estados que chegaram a fazer parte do banco, mas foram suspensos. Trata-se de Santa Catarina, Alagoas e Rondônia. Os laboratórios passam por auditorias anuais e, se não cumprem os requisitos mínimos de qualidade, são suspensos temporariamente, até resolverem os problemas.

A consequência direta da suspensão é que esses estados têm menos chances de cruzar informações nacionalmente para elucidar crimes. Segundo Figueiredo, não é incomum que os laboratórios tenham irregularidades, como infiltração no prédio, por exemplo. Algumas são mais leves e outras mais graves, mas é o conjunto delas é que leva à suspensão.

As amostras de perfis genéticos dispararam em dez anos, passando de 2.584 em 2014 para 220.465 em maio deste ano. Todos os estados fazem parte da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, criada em 2013 por meio de um decreto para compartilhar perfis. A troca de informações ocorre com as secretarias de segurança pública, polícias científicas, a Secretaria Nacional de Segurança Pública e a Polícia Federal. Há um acordo de cooperação entre o Ministério da Justiça e os estados para ter acesso aos dados do banco.

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Estabelecemos a qualidade como algo importante para a rede. Os laboratórios começam a ter mais rigidez, algo que traz confiabilidade aos resultados. Estamos maduros para sugerir suspensões e os estados entenderem que isso é importante.
Carlos Eduardo Martinez de Medeiros, administrador do Banco Nacional de Perfis Genéticos

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Imagem: Arte/UOL

Eficácia para solucionar crimes

O banco conta também com perfis genéticos sem identificação que podem ser cruzados com outros DNAs na tentativa de elucidar investigações. "Se eu sei que uma pessoa estuprou mais de uma mulher, é possível chegar à autoria do crime por meio de cruzamentos de materiais genéticos", diz Figueiredo.

A Polícia Federal tem dupla função nesse processo, administrando o banco nacional e um local. "Trabalhamos para que a rede cresça e para que mais estados estejam em condições de compartilhar em nível nacional seus perfis genéticos, porque os crimes não respeitam fronteiras. É necessário enxergar características criminais interestaduais", diz Medeiros.

O compartilhamento de dados do banco nacional é fundamental para solucionar crimes, como no caso do assassinato de Beatriz Angélica da Silva. A menina de sete anos foi morta em dezembro de 2015, em Petrolina (PE). À Universa, a mãe dela, Lucinha Mota, relatou a batalha para identificar o assassino da filha, o que só foi possível depois que o DNA encontrado na arma do crime foi inserido no banco nacional.

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Também faz parte do banco o DNA coletado de restos mortais não identificados. Quando a polícia encontra partes do corpo de vítimas em cenas criminais, esse material vai para o banco sem identificação. Além disso, o banco reúne material genético de pessoas desaparecidas. "Em agosto, vamos fazer uma campanha para familiares de desaparecidos procurarem a perícia para colocar material genético no banco", diz Isabel.

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Imagem: Arte/UOL
Perito em última etapa da análise de um DNA no Instituto Nacional de Criminalística
Perito em última etapa da análise de um DNA no Instituto Nacional de Criminalística Imagem: Divulgação Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF)

O que explica o cenário

Falta de dinheiro e metas frouxas e descumpridas explicam ausência de alguns estados no banco. Em relação às formas de financiamento, Figueiredo explica que são repassados recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, mas há também investimento dos estados. "Eles apresentam um plano de aplicação e pedem o recurso. Além disso, também fazemos aquisições para os laboratórios, que é outra forma de direcionar os recursos", diz.

As metas dos estados, estipuladas por eles mesmos anualmente, são frágeis, na avaliação da diretora. "Elas são autoatribuídas, baseadas em suas realidades e demandas, e nem sempre são cumpridas", afirma. Para melhorar a participação dos estados, ela afirma que o governo vai remodelar a pactuação com eles e ampliar o monitoramento sobre o cumprimento de metas — sem dar detalhes. A pasta disse que não há uma meta nacional de inserção de perfis genéticos estipulada.

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Estados fora do banco podem ir a Brasília para usar estrutura da PF, mas em troca, precisam se comprometer com metas definidas por eles próprios de inserção de dados. O governo federal financia laboratórios e viagens de peritos para que trabalhem com o banco na capital federal.

Para Figueiredo, o banco não sofre interferência política com a alternância de mandatos. "Ele é uma política de Estado, que sempre foi prioritária. Talvez o que a gente tenha sentido são as diferentes formas de gestão", diz.

O que irá acontecer

A diretora do Susp afirmou que o ministério está fechando um planejamento de ações. "Todo mundo ganha com mais perfis compondo o banco. Acredito que haverá um esforço maior de inserir DNA de mais condenados." Sem dar detalhes, ela disse que a pasta quer que os estados cumpram as metas de processar os perfis genéticos, coletando vestígio, analisando o material e inserindo as informações no banco. Assim, ele poderá cruzar uma base de dados cada vez maior.

Em agosto, a pasta afirma que pretende ampliar a adesão dos estados à inserção de DNA de restos mortais. O material pode ajudar na identificação de pessoas desaparecidas. "Tenho a percepção de que as metas serão levadas mais a sério."

A meta é ter mais perfis compondo o Banco Nacional, aposta o administrador do órgão. "A Rede começou a se estabelecer em 2014, não é algo novo em comparação ao que existe nos EUA e no Reino Unido", diz. Segundo o perito criminal federal, o Brasil tem 0,08% de perfis cadastrados em relação à população. No Reino Unido, o percentual é de 8%. "O que precisamos ter como meta? Aumentar os números do banco tanto em pessoas desaparecidas como vestígios de local dos crimes."

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Perito separa amostra do material recebido para exame em instituto de Brasília
Perito separa amostra do material recebido para exame em instituto de Brasília Imagem: Divulgação Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF)

O que dizem os estados

O Piauí afirmou que passa por avaliações para implementar um sistema de controle de qualidade nos laboratórios. Segundo a gerente do Instituto de DNA Forense do Departamento de Polícia Científica, Adilana Soares, o estado passou por duas avaliações. "O Instituto de DNA Forense foi submetido à segunda avaliação em abril de 2024 e espera o parecer definitivo sobre as conformidades encontradas", disse. Segundo ela, o parecer deve ser comunicado em agosto.

O estado diz ter feito inserções de condenados e desaparecidos no banco nacional por meio de parcerias com Maranhão e Ceará. Para vestígios relacionados a crimes sexuais, o estado afirma que utiliza o Cempa (Centro Multiusuário de Processamento Automatizado de Amostras Biológicas).

Roraima afirma que trabalha para atender aos requisitos exigidos. O laboratório de DNA Forense do estado funciona na estrutura do Corpo de Bombeiros Militar. Além disso, Roraima diz ter dois peritos especializados e a exigência da pasta é que o laboratório tenha, no mínimo, quatro.

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O estado disse que trabalha com a reforma de uma casa na Cidade da Polícia Civil para abrigar o laboratório. A Polícia Civil disse ainda que após o dia 19 de julho novos agentes tomarão posse. O estado disse ainda que não tem uma previsão para entrar no banco, mas que espera passar por uma nova auditoria em 2026 que possibilite a inclusão. Segundo a Polícia Civil, as inserções são realizadas em Brasília por peritos de Roraima.

Rio Grande do Norte afirmou que o Laboratório de Genética Forense do estado passou por auditoria do Ministério da Justiça em abril. Segundo o Instituto Técnico Científico do estado, no segundo semestre deste ano, possivelmente em agosto, o Rio Grande do Norte passaria a ter acesso ao banco.

Entre os estados suspensos, Santa Catarina e Alagoas responderam. Rondônia não retornou à reportagem. A Polícia Científica de Santa Catarina afirmou que "procedimentos periódicos de auditoria são adotados para tratar eventuais não conformidades identificadas, que devem ser resolvidas até a próxima avaliação."

O estado disse ainda que tem realizado diligências para "sanar pequenas situações pontuais levantadas em 2022". Segundo a Polícia Científica, a unidade deve acessar o sistema "tão logo ocorra a nova visita do órgão fiscalizador." O órgão disse ainda que "exames e laudos realizados no período não serão prejudicados".

Alagoas disse estar suspenso do acesso por "readequações documentais e burocráticas". Segundo a Polícia Científica, os fatores foram identificados na última auditoria externa realizada em 2022. "Na época, Alagoas era o laboratório mais recente a ingressar na rede e ainda haviam pendências a serem readequadas."

A próxima auditoria no laboratório do estado está agendada para ocorrer entre setembro e novembro, segundo o órgão. "A previsão é que nessa visita sejam verificadas as readequações solicitadas e o consequente retorno ao compartilhamento com a rede nacional."

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