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Militares são 11% do rombo da Previdência, mas gasto por pessoa é mais alto

Os militares representam apenas 11,6% do rombo previdenciário da União, mas o gasto anual com aposentados e pensionistas das Forças Armadas é proporcionalmente muito maior do que com civis e servidores públicos.

Raio-X

As Forças Armadas ficam em terceiro lugar no rombo da Previdência. Os dados são de relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) divulgado em junho deste ano. O SPMFA (Sistema de Proteção dos Militares das Forças Armadas) está atrás do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), de servidores públicos.

O gasto per capita com militares, no entanto, é quase 16 vezes maior do que o de civis, apontam os cálculos do TCU. Isso se dá pelo regime especial dos militares, formulado em 1980, durante a ditadura militar, e alterado pela última vez em 2019, em meio à Reforma da Previdência.

Os militares questionam dados. Ao UOL militares argumentam que o custeio dos inativos (militares aposentados ou "veteranos") não deve ser contabilizado no rombo da Previdência porque faz parte do Orçamento Fiscal, não de Seguridade Social, e eles só contribuem para as pensões. Procurado, o Ministério da Defesa, que comanda as Forças Armadas, preferiu não responder.

Como está dividido o rombo

No ano passado, militares representaram 11,6% dos R$ 428 bilhões do rombo previdenciário. Ou seja, R$ 49,7 bilhões, o terceiro maior déficit, atrás do INSS (R$ 315,7 bilhões, ou 73,7%) e dos servidores públicos (R$ 54,8 bilhões, ou 12,8%).

A principal causa disso está na disparidade da contribuição. Embora o RPPS, dos servidores, tenha uma despesa significativamente maior —R$ 94 bilhões contra R$ 58,8 bilhões—, contribui quase quatro vezes mais: R$ 39,2 bilhões contra R$ 9,1 bilhões. Isso faz com que a diferença entre os déficits seja de apenas R$ 5,1 bilhões (pouco mais de 1% do total).

Relatório do TCU mostra o rombo previdenciário da União em 2023
Relatório do TCU mostra o rombo previdenciário da União em 2023 Imagem: Reprodução

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Gasto por pessoa muito maior para militares. Segundo dados do relatório, o rombo para militares é de R$ 158,8 mil por veterano ou pensionista, enquanto o dos servidores é de R$ 69 mil, e o de aposentados do INSS, de apenas R$ 9.400 —quase 16 vezes menos.

Desde a Reforma da Previdência, em 2019, há uma redução no déficit previdenciário militar. Segundo o relatório, o déficit diminuiu 1% em 2023, em relação a 2022, como "reflexo das novas regras contributivas para pensões militares introduzidas pela Lei 13.954/2019 [que alterou o estatuto dos militares], que aumentaram a taxa de cobertura das despesas de 5,4% em 2019 para 15,5% em 2023 e as receitas de R$ 3,4 bilhões para R$ 9,1 bilhões, enquanto as despesas diminuíram 7,1%".

O relatório do TCU suscitou um debate no governo sobre nova mudança. A equipe econômica, encabeçada pela ministra Simone Tebet, do Planejamento, considerou incluir uma reestruturação no pacote de corte de gastos que será apresentado a Lula no final do mês. O presidente do TCU, Bruno Dantas, também sugeriu em entrevista mexer no regime.

O presidente já negou alteração. Ao UOL Lula disse não estar nem pensando no assunto. O recado foi passado à caserna pelo ministro José Múcio, da Defesa.

Militares contestam metodologia e apontam número menor

As Forças Armadas questionam a metodologia de cálculo do TCU. Militares dizem que os números apresentados pelo tribunal estão corretos, mas que a classificação dos gastos usada no relatório é "inadequada".

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São parte de orçamentos diferentes, dizem os militares. Atualmente, o gasto da União com inativos consta no Orçamento Fiscal, como acontece com militares da ativa, e não no Orçamento da Seguridade Social, como aposentados e pensionistas do INSS, servidores públicos e pensionistas militares.

Por isso, sob a lógica militar, só os pensionistas devem ser calculados no rombo previdenciário. "Os militares não contribuem para a inatividade, mas somente para a pensão militar", argumentam. "Assim, é inadequado computar os proventos dos militares no cálculo do déficit."

Com isso, o cálculo per capita vai a R$ 74,7 mil. Os inativos representam R$ 32 bilhões do rombo de R$ 49,6 bilhões, quase dois terços. Sem eles, sobrariam R$ 17,6 bilhões de déficit voltados aos pensionistas, o que deixaria o gasto per capita ainda superior aos demais do topo do ranking, mas quase 60% menor.

A Defesa não corrobora os números. Procurada, a pasta não repassou ao UOL os dados atualizados de contingente das Forças Armadas e gastos com militares.

Questionado, o TCU disse seguir "padrões internacionais de auditoria na análise de seus processos". "Eventuais questionamentos sobre critérios adotados nas avaliações técnicas devem ser apresentados no âmbito dos processos correspondentes", declarou o tribunal, em resposta ao UOL.

Carreira tem peculiaridades, defendem militares

Os militares argumentam ainda que a carreira tem peculiaridades que justificam o regime diferenciado. A maior parte delas é voltada à construção do patrimônio, em especial: dedicação integral e exclusiva, disponibilidade permanente e mobilidade geográfica.

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Impacto na família é grande. Militares ouvidos pela reportagem dizem que, diferentemente de servidores e civis, não têm outra forma de renda e a carreira geralmente interfere no ganho da família. Citam a mobilidade geográfica como exemplo de impacto: ao serem transferidos mais de uma dezena de vezes na carreira —às vezes para o exterior—, muitas vezes os cônjuges têm de deixar suas respectivas profissões, o que afeta diretamente na renda familiar.

Também citam supressão de direitos trabalhistas. Pelo regime especial, militares não têm hora extra, adicional por insalubridade nem outros benefícios. "A supressão dos direitos trabalhistas representa uma economia à União de aproximadamente R$ 36,1 bilhões/ano, o que, por si só, já equilibra com folga o custeio do SPSMFA", defende o Exército.

Mudanças nas pensões reduzem déficit. Os militares citam ainda que as pensões de cônjuges e herdeiros —única contribuição feita à Seguridade Social— já sofreram ajustes. Em 2001, as pensões de filhas foram extintas, o que resta hoje são apenas casos remanescentes; e, em 2019, a contribuição subiu de 7,5% para 10,5% e foi universalizada, ou seja, tanto os militares quanto as pensionistas pagam. Este seria um dos motivos para o déficit estar em queda, segundo o relatório do TCU.

O Exército Brasileiro enfatiza que as pensões militares são destinadas à proteção da família do militar diante das consequências gravosas que as peculiaridades da profissão impõem ao cônjuge e aos filhos.
Exército, em resposta ao UOL

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