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Cruzeiros musicais têm dono que fatura o dobro dos festivais em terra no BR

Se em terra firme os festivais de música brasileira se multiplicam, em alto-mar um empresário navega quase sozinho, ganhando muito dinheiro com isso.

Eduardo Cristófaro, 52, lidera a rota dos cruzeiros temáticos no Brasil com sua PromoAção.

Desde 2015, ele leva artistas como Chitãozinho e Xororó, Wesley Safadão, Gusttavo Lima, Alcione, NX Zero e Ludmilla para se apresentarem no meio do oceano Atlântico para um público de pouco mais de 3.000 pessoas a cada zarpada.

A temporada está concentrada no verão, entre novembro e março.

Se os navios saírem todos com as cabines preenchidas, o faturamento pode ser de R$ 350 milhões. Isto dá, em média, R$ 26 milhões por navio. A informação é confirmada por outras fontes do setor.

Para efeito comparação, um festival de música brasileira em terra não fatura mais do que R$ 15 milhões no país.

Outra empresa que aposta nesse mercado, como a OnBoard (que faz cruzeiros musicais de Jorge & Mateus e de Joelma), anunciou as vendas do seu próprio navio pela Sun 7Live.

Mas, enquanto eles apresentam dois projetos por ano, Cristófaro se prepara para produzir 13 cruzeiros musicais na próxima temporada.

Palco principal nos cruzeiros da PromoAção
Palco principal nos cruzeiros da PromoAção Imagem: Divulgação
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O lineup é de fazer inveja a qualquer curador de festival: Léo Santana, Bell Marques, Belo, Capital Inicial, Zeca Pagodinho, Ana Castela, Thiaguinho e até Marisa Monte.

Do alto escalão da MPB, Marisa fará seu primeiro cruzeiro em dezembro, acompanhada de Ney Matogrosso, Adriana Calcanhotto, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes, Seu Jorge e Xande de Pilares, entre outros.

O "Festival Navegante" mostra que o empresário "chegou na música boa" — como o próprio faz questão de afirmar.

Em seu escritório de quase 200 m² no Jardim América, zona oeste de São Paulo, ele conta que o sonho é ter Caetano Veloso. "Imagina se o último show da turnê com a Bethânia fosse num navio?", joga a isca.

Alcione foi uma das atrações dos últimos cruzeiros
Alcione foi uma das atrações dos últimos cruzeiros Imagem: Divulgação

Cruzeiros temáticos só crescem

A "experiência" de um festival em alto-mar, para quatro dias, custa entre R$ 3.000 (valor por pessoa na cabine mais simples do "89 Rock Boat", com Jota Quest e Nando Reis) e R$ 21.000 (cabine de luxo no "Vumbora pro Mar", com Bell Marques, Xanddy Harmonia e Jorge e Mateus),

Os valores incluem alimentação, mas sem bebidas. É caro, mas a opção se paga.

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Além de assistir a shows de grandes nomes, o passageiro pode acordar todo dia em uma praia diferente e ter a chance de esbarrar em seu ídolo a caminho do cassino.

Show do NX Zero no 'Navio da Mix'
Show do NX Zero no 'Navio da Mix' Imagem: Divulgação

"A bordo, o comandante muda a rota em busca do bom tempo. E a comida é 24 horas, o que você quiser. É uma coisa europeia", define Cristófaro.

Os chamados cruzeiros temáticos já representam 10% de um mercado que mobiliza mais de 800 mil pessoas, segundo balanço da temporada 2022-2023 (a maior já registrada).

Um estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas), solicitado pela CLIA Brasil, a Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos, indica que, a cada temporada, os cruzeiros injetam R$ 5,1 bilhões na economia brasileira.

Acostumados ao fretamento de navios para festas, o mercado agora vê a música como trunfo.

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"Eles apresentam os cruzeiros a quem ainda não conhecia", diz Marco Ferraz, presidente da CLIA Brasil.

No cruzeiro de Alexandre Pires, show com Zeca Pagodinho
No cruzeiro de Alexandre Pires, show com Zeca Pagodinho Imagem: Divulgação

Altos cachês

Fora do Brasil, tocar em cruzeiro é algo de nicho. Nos EUA, a empresa Sixthman surfa essa onda desde 2001, com festivais musicais temáticos e artistas que vendem sozinhos um cruzeiro, como Kiss, The Beach Boys, Weezer e Slipknot.

Tanto lá como cá, a aposta na nostalgia garante o sucesso — caso dos shows do Roupa Nova e até de Xuxa, que alterou o layout interno do navio para comportar uma exposição com seus figurinos.

Mas, diferentemente de outros países, o foco é em artistas do momento, como Ana Castela e Ludmilla, que, após comandar o próprio navio, voltará ao cruzeiro do cantor Belo.

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Para os músicos, é a chance de ganhar um cachê robusto e ter um projeto especial na carreira.

Hoje não existe mais artista com [cachê de] menos de R$ 250 mil Essa primeira classe, como Safadão, Jorge e Mateus, Henrique e Juliano, Gusttavo Lima, a boiadeira [Ana Castela], é R$ 1 milhão para começar a falar. Eduardo Cristófaro

Belo, que goza do sucesso da turnê da reunião do Soweto, tem cruzeiro marcado para o começo de dezembro.

"Arrisco dizer que hoje estou na minha melhor fase; o navio é para coroar", diz Belo ao UOL. "A diferença é que você faz o show dançando naturalmente porque [o navio] balança."

Guitarras e homenagem a militar

Eduardo Cristófaro conversou com a reportagem em seu escritório, que mais parece a cabine luxuosa de seu próprio navio.

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O empresário não fecha negócio com ninguém ali — só se o convidado quiser conhecer sua coleção de edições históricas de guitarras Gibson Les Paul.

Empresário Eduardo Cristófaro, em seu escritório
Empresário Eduardo Cristófaro, em seu escritório Imagem: Micaela Wernicke/UOL

Uma delas reproduz a que George Harrison ganhou de Eric Clapton. Outra, uma Fender Stratocaster, homenageia a performance incendiária de Jimi Hendrix no festival de Monterey em 1967.

Não há seguro, ele diz. "O valor é inestimável, já perdeu a referência."

Há ainda um estúdio acoplado ao escritório, com amplificadores e um piano de cauda.

Tão onipresente quanto os instrumentos é a imagem do pai, Camilo Cristófaro Martins, primeiro comandante do Batalhão de Choque de São Paulo.

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O nome e o rosto dele estão espalhados pelo prédio construído pelo filho.

Morto em 2011, Cristófaro Martins inspirou o filho mais velho, de mesmo nome, a entrar para a política — ele, filiado ao Avante, tornou-se o primeiro vereador cassado por racismo em São Paulo, em setembro de 2023.

Eduardo, o mais novo, prefere lembrar do pai tocando violão e bebendo vinho. Com o irmão, mantém pouco contato. "Incompatibilidade de gênios, desde sempre", ele diz.

De família abastada, Eduardo ainda estudava no Dante Alighieri quando quis ganhar o próprio dinheiro como vendedor de uma concessionária.

O tino nas vendas o fez abrir a própria loja de carros para financiar o sonho de ser músico e cantor.

Nos anos 1990, teve uma banda de raggae chamada Coquetel Banana, que nunca decolou. Seu maior sucesso foi "Big Bom", gravado pela apresentadora Angélica em 1996.

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Com dinheiro no bolso, assumiu a diretoria da Rádio Metropolitana FM e fez o famoso programa Metro Night, que visitava festas paulistanas e dizia quanto custava a entrada e se a casa estava cheia. Virou hit.

Fender Stratocaster da série Hendrix Monterey
Fender Stratocaster da série Hendrix Monterey Imagem: Micaela Wernicke/UOL

A primeira experiência com eventos foi o festival Spirit of London, um dos primeiros de música eletrônica, em 2000.

"Comecei a fazer evento no chão e logo percebi que tinha de ter um ouvido flexível. Gosto de música eletrônica, mas é uma 'mentira' sem tamanho. Tudo é emendável. Nada que toca ali tem dono", reclama.

Ganhando os mares

Os eventos em navios só começaram em 2002. No início, achava que o espaço nos cruzeiros era mal aproveitado.

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Até então, o fretamento para festas estava nas mãos de Luciano Huck, à época dono da casa noturna Cabral.

A ideia de Eduardo foi apostar em festas de três a quatro dias, fora dos espaços de balada do navio. Vieram Energia na Véia (em parceria com a rádio 97) e a Freedom (para o público LGBTQIA+).

"Sou de uma época em que não podia chamar os amigos para ir. Uma besteira, porque estava cheio de 'modelete' lá. Aproveitei bastante."

Em 2005, essas festas viram a chegada de Roberto Carlos no porto de Santos. Nunca um artista brasileiro de renome havia lançado seu próprio cruzeiro.

Dez anos depois, Cristófaro teve seu próprio Roberto Carlos: Wesley Safadão, nome que o empresário até então desconhecia. "Eu tinha um tabu total."

No dia do anúncio, o escritório estava um caos: já haviam sido feitas 12 mil reservas.

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A explosão o fez mudar de opinião sobre artistas populares. Hoje, se diz fã de João Gomes, que estará nos cruzeiros de Marisa Monte e de Ana Castela.

Bruno Ribeiro, sócio e coordenador de marketing da PromoAção, é quem traz os artistas.

"Na pandemia, eu via as lives e fazia um estudo detalhado de engajamento, faturamento, patrocínio em live, audiência", ele explica.

Eduardo apostou nos cruzeiros musicais após assistir em 2020 a uma palestra de Leandro Karnal, que chamava atenção para a "explosão social" após períodos de tragédias e guerras.

Estúdio do empresário Eduardo Cristófaro
Estúdio do empresário Eduardo Cristófaro Imagem: Micaela Wernicke/UOL

Enquanto o mundo acompanhava o drama de um navio atracado no Japão, em quarentena, Eduardo fretou nove datas com a MSC Cruzeiros.

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"A mensagem era: 'eu não vou deixar de viver, e você?' Porque era assim: ou isso ia passar ou a gente ia morrer."

As temporadas eram vendidas com a advertência de que os eventos poderiam não acontecer.

O primeiro foi com Zezé di Camargo e Luciano, em novembro de 2021. A venda foi integral, mas, no dia anterior à saída, a empresa cortou parte dos tripulantes para atender à exigência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) — o limite era 75% de ocupação.

O cancelamento causou uma onda de críticas, mas a empresa viu a experiência como exitosa. "Crescemos 300% durante a pandemia", conta Bruno.

Hoje, a PromoAção tem contrato de exclusividade com a MSC.

Apesar do custo (R$ 15 milhões po navio fretado), a MSC afirma que o número de fretamentos para shows e festivais cresceu 21% em 2023.

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Sem terra à vista

Os próximos festivais imaginados por Cristófaro acontecerão num novo navio com capacidade para 5.000 passageiros e palcos ainda maiores, no lugar onde fica uma das piscinas.

O próximo passo é estender os negócios às águas internacionais, como aconteceu com Wesley Safadão, que tocou nas Bahamas, e com a dupla Chitãozinho & Xororó, que comemorou 50 anos de carreira na Flórida.

Ele diz gastar em média R$ 6 milhões na parte artística de cada cruzeiro. O cachê de Ivete Sangalo para cantar no navio da Xuxa foi de R$ 1 milhão, ele conta — a apresentação, no entanto, foi cancelada pela cantora por motivos de saúde.

Zezé di Camargo, habitué dos cruzeiros, teria embolsado mais de R$ 2 milhões, incluindo participação nas vendas.

Marisa Monte terá também uma porcentagem do faturamento do navio. O empresário da cantora, Simon Fuller, diz que há tempos ela olhava para o segmento.

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Tem um acordo comercial, mas não é isso que a motiva. Houve a proposta de poder formatar o navio. Foi ela quem escolheu os artistas e está superanimada em juntar essa quantidade de amigos e parceiros. É uma ocasião especial. Simon Fuller sobre o cruzeiro de Marisa Monte

Com todo o frenesi, profissionais de mercado veem Eduardo como uma espécie de rei dos mares, mesmo.

Para tirar uma casquinha do título e da plateia a bordo, ele também integra a programação de cada cruzeiro, ao lado da banda Casa das Máquinas.

"Eu trouxe os músicos todos para me acompanhar", diz. "Sou o artista que deu certo não sendo artista."

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