Com Nunes na prefeitura, valor pago pelo asfalto varia 608% em SP
Uma das principais vitrines eleitorais do prefeito Ricardo Nunes (MDB), o programa de recapeamento de ruas e avenidas de São Paulo tem variações de preços que chegam a 608%.
Levantamento feito pelo UOL em 790 contratos firmados desde junho de 2022 indica que o valor pago pelo metro quadrado de asfalto refeito vai de R$ 135 a R$ 957.
Os documentos estão disponíveis no Portal da Transparência do site da prefeitura. A pesquisa foi realizada entre 15 de junho e 7 de agosto.
O UOL levou em conta contratos originais publicados na página, desconsiderando transações envolvendo pavimento rígido (concreto), cobertura de paralelepípedo e os aditamentos, que são as revisões previstas por lei.
Consultada, a Prefeitura alega que os contratos sofrem variações de acordo com as especificidades de cada trecho e que a definição do tipo de reparo é definida com a ajuda de equipamentos que mensuram a quantidade de "patologias e deflexões" a serem corrigidas.
Triplo do valor
De 2013 a 2020, antes do início da gestão Nunes, a prefeitura investiu R$ 2,2 bilhões em programas de recapeamento.
Nunes triplicou esse valor de 2021 para cá.
O candidato à reeleição gastou mais de R$ 6,7 bilhões para reparar 15 milhões de m² da malha viária da cidade, segundo dados da Secretaria Municipal da Fazenda — o que equivale a 8% da área total.
Especialistas consultados chamam atenção para a disparidade entre os contratos: a expectativa era de que vias com fluxo intenso tivessem um custo maior de manutenção.
"As marginais, por exemplo, têm um tráfego mais pesado e, em função disso, o custo é muito maior em relação a uma rua de bairro", explica o professor Adalberto Faxina, do Departamento de Engenharia de Transportes da USP de São Carlos.
A análise dos acordos mostra que os serviços executados em endereços de tráfego pesado nem sempre foram os de custo mais elevado.
Dos cem trechos com o reparo mais caro, somente 22 são vias que funcionam quase como estradas, como as marginais, a Radial Leste e a avenida do Estado.
Newsletter
PRA COMEÇAR O DIA
Comece o dia bem informado sobre os fatos mais importantes do momento. Edição diária de segunda a sexta.
Quero receberAsfalto e terra lado a lado
O UOL visitou endereços pela cidade. Na rua Quinta de São Miguel, em Guaianases, a prefeitura gastou R$ 769,26 por cada m² recapeado da via, que tem apenas 50 metros de extensão e tráfego tranquilo.
A explicação oficial é que foi identificado desgaste profundo do pavimento local, próximo ao terminal de ônibus do bairro e da estação de trem da CPTM.
Enquanto isso, moradores da rua Benedito Leite de Ávila, que fica ao lado, ainda pisam na terra.
"Já pedimos várias vezes para a prefeitura resolver e nada. O pouco asfalto que tem aqui fui eu mesmo que coloquei", conta Sebastião Rocha de Almeida.
Mesma pista, mesmo dia, dois valores
Em outro recorte, dois trechos da marginal Pinheiros, contratados no mesmo dia (5 de agosto de 2023) e colados um ao outro, registraram 133% de diferença.
O primeiro perímetro, de 5.002 m², fica na rua Andries Both e custou R$ 278 por m². O segundo ocupa 4.841 m² da rua Antonie Bourdelli e saiu por R$ 649 o m².
Ambos são parte da pista local e sequenciais, na altura do bairro de Jaguaré, na zona oeste.
O recape mais caro identificado pela reportagem também é de um trecho da pista local da Pinheiros, próximo ao acesso da ponte do Morumbi, na zona sul.
Assinado em 2 de agosto de 2023, o contrato estipula o pagamento de R$ 297.298,24 pela manutenção de 324 m² de via, que, segundo a prefeitura, precisou de reparo estrutural profundo.
Cada metro quadrado custou R$ 957, em valores corrigidos.
A empresa que realizou os serviços é a mesma: Jofege, um dos gigantes do setor, com sede em Itatiba (SP). Há outras seis contratadas para executar os contratos: Soebe, Fremix, FBS, Souza, Tríade e Arvek.
Valor mais baixo
A manutenção na rua Maestro Cardim, na Bela Vista, região central, teria sido a mais barata entre os contratos avaliados pelo UOL.
Ali, o m² ficou em R$ 135,16 — uma diferença de 600% em relação ao trecho mais caro.
O levantamento, no entanto, revela que as diferenças de preço não seguem necessariamente uma divisão entre as regiões centrais e a periferia.
Na rua Geolândia, na Vila Medeiros, por exemplo, o m² custou R$ 558,70 e não deixou os moradores satisfeitos.
"O pessoal só jogou o asfalto por cima mesmo. Nem aquela raspagem do asfalto foi feita aqui na frente do meu mercado", conta o comerciante Ualace Carneiro.
"Acho que é porque a rua não tinha muitos buracos. As travessas estão bem piores", afirma.
A raspagem citada por Ualace tem o nome técnico de fresagem, o serviço que caracteriza o recapeamento.
Todos os contratos firmados desde junho de 2022 preveem essa atividade, junto de outros sete trabalhos, se necessários, como readequação da infraestrutura de drenagem superficial, compactação e nivelamento do solo e aplicação do revestimento asfáltico.
Não é possível saber, porém, quais desses elementos foram realizados nem a quantidade de material utilizada em cada um dos trechos recuperados apenas com a análise dos contratos.
Essas informações, segundo a prefeitura, constam das centenas de processos administrativos publicados no site do município e geralmente acessados apenas por quem tem familiaridade com o tema.
São esses dados que, em tese, podem justificar as diferenças significativas de preço pela cidade, como as da rua Senembi e da avenida Brigadeiro Luís Antônio, no centro.
Na Senembi, numa área tranquila de casas, o recape custou R$ 507,43 por m². O valor representa mais que o dobro pago na Brigadeiro Luís Antônio, onde o m² saiu por R$ 247,03. Os dois contratos são de janeiro.
O secretário municipal das Subprefeituras, Alexandre Modonezi, reforça que é a condição do trecho a ser recuperado que define o custo do serviço.
"Tem via que tem uma base muito boa e que, por isso, o preço é menor. Mas tem via que está muito deteriorada e precisa de um reparo profundo, o que inclui até uma recomposição na estrutura de drenagem, bocas de lobo e sarjetas", explicou, em entrevista à reportagem no fim de 2023.
O dirigente não aceitou atender a reportagem novamente nesta semana.
Nesta quarta-feira (7), a diretora do programa de recapeamento Kerolaynny Maia afirmou à reportagem que os valores definidos em contrato podem ser reduzidos durante a execução do serviço a partir das fiscalizações realizadas pela secretaria.
Aumento exponencial
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, as diferenças são muito altas para serem justificadas apenas pelas particularidades das vias de São Paulo.
"É preciso que a prefeitura explique essa variação, tendo em vista que o lapso temporal é muito pequeno", diz, em relação especialmente aos programas praticados pela gestão Doria/Covas, encerrada em 2020.
Teixeira ressalta que Nunes não é o primeiro prefeito a investir na troca do asfalto às vésperas de uma eleição.
"Isso vem desde o governo de Paulo Maluf e une políticos de direita e esquerda. O motivo é claro: recape dá voto", afirma.
Segundo Modonezi, o atual programa tem um detalhamento dos serviços por trecho que é inédito e passou a ser utilizado por recomendação do Tribunal de Contas do Município.
"O que estamos fazendo é um trabalho para que a cidade tenha um pavimento que dure e não um asfalto que daqui a seis meses ou um ano esteja todo ondulado novamente", diz. A validade prevista é de "ao menos cinco anos".
Críticas sobre o modelo
Técnicos alertam para o fato de o governo Nunes ter optado por investir apenas na pavimentação asfáltica.
Nesse modelo, parte do material utilizado é derivado do petróleo, que encareceu 250% nos últimos dez anos, segundo dados oficiais da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
Outra crítica diz respeito aos critérios utilizados para elaborar o programa.
O Ministério Público do Estado abriu inquérito para investigar por que mais da metade das vias campeãs de reclamações por buracos em São Paulo ainda não tinham sido elencadas para receber a manutenção em janeiro deste ano.
O procedimento também apura remanejamentos orçamentários no valor de R$ 220 milhões realizados por Nunes para turbinar o programa em ano eleitoral.
O governo municipal tirou dinheiro da habitação, por exemplo, para aplicar em recapeamento. Mas afirma que se trata de uma manobra legal.
Para o engenheiro e mestre em planejamento urbano Alex Maschio, a prefeitura deveria ter avaliado usar concreto.
"Além de ser um material atualmente mais barato, a durabilidade dele pode chegar a 20 ou 30 anos, o que evitaria novos programas de recapeamento a cada nova gestão", diz o diretor do Instituto Ruas.
Ainda pouco utilizado pelos gestores brasileiros, o concreto foi a escolha do governo Ratinho Júnior (PSD) para recuperar estradas estaduais do Paraná e também do prefeito Luciano Almeida, prefeito de Piracicaba (SP), em seu mais recente programa de recapeamento.
A cidade do interior paulista pagou, em média, R$ 229,35 o m² da pavimentação em concreto, já incluído na conta o custo da terraplenagem.
"Essa alternativa passou a ser considerada em função do preço do cimento, que está mais competitivo em relação ao asfalto. A questão é o tempo de liberação da pista para uso, que é de cerca de oito dias", completa o professor Adalberto Faxina.
A obra em asfalto pode ser liberada no mesmo dia.
A prefeitura desconsidera o recapeamento em concreto atualmente em função do custo (o valor na capital seria maior diante da qualidade exigida), do tempo de execução e das dificuldades de manutenção.
Asfalto como vitrine eleitoral
Pesquisa Datafolha divulgada em março mostrou que buracos no asfalto são o transtorno mais citado pelos paulistanos.
Segundo o instituto, 84% dos entrevistados afirmaram conviver com o problema, em todas as regiões da cidade.
Cabeça de chapa pela primeira vez em uma eleição majoritária neste ano, o vice que virou prefeito com a morte do tucano Bruno Covas, em maio de 2020, prometeu bater todos os recordes na manutenção da malha viária.
O programa de Nunes, ainda em execução, pretende alcançar 20 milhões de metros quadrados até o final do ano. A conta inclui a manutenção do chamado pavimento rígido — piso de concreto usado em túneis e corredores de ônibus.
A meta representa o dobro do executado pelas gestões Doria/Covas, por exemplo, que recuperou 9,8 milhões de metros quadrados em quatro anos de mandato.
Deixe seu comentário