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Lula manda, e ministério aprova R$ 143 milhões a aliado em 24 horas

O Ministério das Cidades levou 24 horas para aprovar R$ 143 milhões para a Prefeitura de Araraquara (SP), que é comandada pelo PT.

O que seria sinal de eficiência do ministério tem por trás a interferência direta do presidente Lula (PT).

Edinho Silva, prefeito da cidade, é um dos aliados mais próximos do petista.

Como mostrou o UOL, o presidente atua para favorecer seis prefeituras com verbas próprias de cinco ministérios - Araraquara, Diadema, Mauá e Hortolândia, em São Paulo; Belford Roxo e Cabo Frio, no Rio de Janeiro.

Os R$ 143 milhões para uma obra de infraestrutura contra enchentes em Araraquara foram aprovados pelo ministério um dia depois de o presidente Lula telefonar para o ministro Jader Filho.

Foi o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), quem revelou a ordem de Lula em suas redes sociais.

  • A proposta da prefeitura foi incluída no sistema do governo em 5 de julho de 2023;
  • No dia seguinte, segundo revelou Edinho, Lula telefonou para o ministro das Cidades mandando a pasta liberar a verba;
  • Em 7 de julho, a área técnica registrou o "aceite".
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Imagem: Reprodução

"Minha gratidão ao presidente Lula que liberou R$ 143 milhões na quinta-feira [6 de julho]. Eu estava no seu gabinete. Ele ligou para o ministro Jader Barbalho, ministro das Cidades, e falou: 'Olha, tá liberado [sic] os recursos para que Araraquara faça a obra que ela necessita, para que ela não sofra com enchentes. Na reunião que eu fiz com ele, ele ligou na hora para o ministro."
Edinho Silva, prefeito de Araraquara, em vídeo postado em 11 de julho de 2023

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Não há um único ofício no processo que registre a orientação do presidente.

Procurada, a assessoria do Palácio do Planalto afirmou que os atendimentos às demandas levadas por prefeitos a Lula seguem "critérios objetivos" e que "os recursos são liberados pelos ministérios de forma documentada".

A assessoria não se pronunciou especificamente sobre as seis cidades favorecidas. (leia mais sobre o que disse a assessoria de Lula).

O Ministério das Cidades também afirmou que "segue critérios técnicos para a destinação de recursos no âmbito de todos os seus programas".

A pasta silenciou sobre o telefonema de Lula para o ministro Jader Filho liberar a verba para Araraquara.

Procurado, o prefeito de Araraquara não se manifestou.

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Segundo o convênio firmado entre a prefeitura e o Ministério das Cidades, os R$ 143 milhões deverão ser repassados até 2025.

O acordo prevê um "cronograma orçamentário de repasse", com os valores que serão empenhados ano a ano. Até o momento, o governo reservou R$ 20 milhões para a obra.

Como o UOL mostrou, os recursos que abastecem as cidades aliadas de Lula são verbas próprias dos ministérios, e não de emendas parlamentares.

Ou seja, é o governo, e não deputados ou senadores, que decide como e onde empregar o dinheiro.

O governo é obrigado a obedecer aos princípios da administração pública.

Para evitar favorecimentos pessoais, esses atos precisam seguir a Constituição, que prevê motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e interesse público no emprego das verbas.

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De repente, Araraquara

Dez ministros foram à cidade em diferentes momentos, entre eles, Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Ricardo Lewandowski (Justiça) e Simone Tebet (Planejamento).

O próprio Lula visitou a prefeitura em maio deste ano.

A obra em Araraquara foi motivada por uma enchente na cidade em dezembro de 2022. Seis pessoas morreram. Elas estavam em um carro que caiu em uma cratera aberta pela força das águas.

As chuvas também alagaram a região central da cidade vizinha, São Carlos.

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Na ocasião, o vice-prefeito Edson Ferraz (MDB) pediu recursos aos ministros Jader Filho e Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional).

Ao UOL, Ferraz disse que o município "não foi contemplado". "De repente, [Araraquara teve] uma articulação política maior", afirmou o vice-prefeito.

O governo federal reconheceu em janeiro de 2023 situação de emergência em 1.074 cidades por causa de chuvas intensas.

Na agenda de Lula, não consta que ele tenha recebido todos os prefeitos que sofreram com as chuvas.

A agenda

Desde que assumiu o mandato, em janeiro de 2023, Lula recebeu prefeitos em reuniões reservadas 17 vezes.

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Em 12 delas estavam os prefeitos de Araraquara, Diadema, Mauá, Belford Roxo, Cabo Frio e Hortolândia - esta última, representada pelo então secretário de Governo Cafu Cesar.

Dessas reuniões com as seis prefeituras, sete foram omitidas da agenda do presidente.

O UOL só conseguiu identificá-las porque encontrou vídeos publicados pelos prefeitos.

Em uma delas, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho (Republicanos), estava acompanhado do advogado de Lula, Roberto Teixeira, sogro do ministro Cristiano Zanin, do STF.

Não há, no site do governo, descrição do que os três faziam na mesma agenda.

O Palácio do Planalto não explicou o motivo de as agendas terem sido omitidas.

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Somente o prefeito de Araraquara esteve ao menos seis vezes com o presidente, mais do que ministros.

Juscelino Filho (Comunicações) e Sonia Guajajara (Povos Originários) estiveram com Lula quatro e três vezes, respectivamente.

O então secretário de Hortolândia, Cafu Cesar, foi recebido quatro vezes pelo chefe de gabinete de Lula, Marco Aurélio Ribeiro, o Marcola.

Marcola também recebeu outros dois secretários desde que tomou posse - o de Nova Odessa (cidade com 60 mil habitantes) e o de Franco da Rocha (SP).

Nova Odessa (SP) é controlada politicamente por Cafu Cesar. Franco da Rocha está sob influência do deputado Kiko Celeguim (PT-SP).

A assessoria do Palácio do Planalto afirma que faz parte da rotina de Marcola "receber autoridades".

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Ao UOL, Cafu disse que "as tratativas para envio de recursos" para a cidade são feitas "respeitando todos os trâmites necessários e a hierarquia institucional" (leia mais).

Recursos e prestígio

As seis prefeituras administradas por aliados de Lula são privilegiadas não apenas com verbas do orçamento próprio dos ministérios.

Mauá e Diadema estão na lista das 20 cidades com os projetos mais caros do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) - R$ 614 milhões e R$ 305 milhões em investimentos, respectivamente.

Os projetos são selecionados pelo governo, que usará diferentes fontes de recursos.

Cabo Frio, que receberá R$ 95 milhões do PAC "para renovar" os ônibus da cidade, não tem essa demanda porque o transporte público é operado pela iniciativa privada.

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O IBGE escolheu Diadema para anunciar, em fevereiro, os resultados do Censo 2022, o que conferiu prestígio à cidade.

Marcio Pochmann, presidente da entidade, e três diretores estiveram na cidade paulista para essa apresentação.

A sede do instituto fica no Rio. É a primeira vez na história que o resultado é divulgado fora do Rio.

"No Censo 2022, o IBGE inovou ao realizar o lançamento dos resultados em locais públicos e fora da sede, pois nos censos anteriores, tanto os lançamentos como as divulgações dos resultados ocorriam em algum dos auditórios da sede da Instituição, no Rio de Janeiro", afirmou a entidade por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

O IBGE disse que "segue um calendário de divulgações". "As do Censo Demográfico são realizadas com foco em locais em todo território nacional que possuem relevância para o tema a ser divulgado."

Cinco cidades favorecidas pelo presidente não se manifestaram. A reportagem será atualizada caso haja respostas.

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