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Funk vai de vilão a trunfo eleitoral, cobiçado até pela direita em SP

Uma corrida de candidatos a prefeito de São Paulo por apoio dos principais empresários de funk da cidade coloca o movimento musical em uma posição inédita em 2024.

Alvo tradicional de críticas e desprezo, o funk agora é cortejado por políticos, de olho no impacto nas redes e no voto do jovem da periferia.

Outra surpresa é o lado que sai na frente: foram os candidatos da direita, de viés conservador, que visitaram as duas maiores empresas do setor, sorrindo em fotos e vídeos.

Em janeiro, Ricardo Nunes (MDB) posou com Rodrigo Oliveira, sócio da GR6, maior produtora de funk de SP.

O barulho aumentou quando Pablo Marçal (PRTB) foi à Love Funk, principal concorrente da GR6, em 14 de agosto.

Os empresários dizem que receber candidatos não significa apoiá-los na eleição. Eles afirmam estar abertos a visitas e conversas com todos os políticos.

Músicos e ativistas apontam oportunismo de pessoas e grupos que antes atacavam o funk.

Henrique Bastos Viana, conhecido como Rato da Love Funk, posa com Pablo Marçal
Henrique Bastos Viana, conhecido como Rato da Love Funk, posa com Pablo Marçal Imagem: Reprodução

Marçal na Love Funk

Na noite de 13 de agosto, Pablo Marçal (PRTB) ainda não tinha confirmado a visita que um aliado tentava marcar para ele na Love Funk.

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Para tirar a dúvida, pediu os links do Instagram da empresa e dos MCs ligados a ela. Ao ver sete perfis, todos com mais de 5 milhões de seguidores, animou-se.

"Quando ele chegou, foi uma festa. Saiu encantado", descreve ao UOL Souza Santos (PRTB), candidato a vereador e aliado de Marçal que articulou o encontro.

"Ele chegou com duas Hilux pretas, seguranças, e a gente estava com a casa cheia. Não imaginei esse barulho todo", diz Henrique Viana, o Rato, dono da empresa.

O vídeo postado nos perfis da Love Funk e de Marçal teve 3,6 milhões de visualizações no Instagram.

Rato elogia o visitante: "O Marçal sabe conversar bem na internet. Acho que foi atrás da gente porque sabe do nosso engajamento. Quando junta os dois dá uma explosão".

As duas partes saíram querendo mais visitas assim. "Estamos procurando outras produtoras de funk para o Marçal visitar", diz Souza Santos ao UOL.

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A Love Funk espera repetir a dose com Nunes. "Estamos falando com a equipe dele e o plano é ele vir", diz Rato.

O UOL procurou Nunes e Marçal, mas eles não responderam.

A ida de Marçal na Love Funk foi muito vista e também criticada.

A principal resposta foi um vídeo do MC Hariel, um dos mais populares no funk paulista.

"Fico triste em ver este tipo de pessoa ter abertura tão fácil no nosso movimento. Olha o quanto vale o seu voto: faz a pessoa que odeia a gente fingir que gosta", diz o funkeiro.

O sociólogo Tiago Torres, o Chavoso da USP, recuperou e postou um vídeo de uma palestra em que Marçal dizia que o funk e outras músicas atuais são "obras lixo", coisa "de corno, preguiçoso, estuprador e vagabundo".

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"Quando ele veio, eu não sabia [do discurso de Marçal contra o funk]. Mesmo que soubesse, ia atender, pois não devemos pagar às pessoas com a mesma moeda", diz Rato.

O irmão de Rato, Márcio Viana, diretor da Love Funk, diz que Marçal está convidado para a festa de Dia das Crianças que a produtora realiza anualmente na Zona Leste.

MC Ryan, um dos funkeiros mais ouvidos do Brasil
MC Ryan, um dos funkeiros mais ouvidos do Brasil Imagem: Marcelo Justo/UOL

Números que brilham aos olhos

As paradas musicais indicam o que impulsiona a corrida dos candidatos. Nove dos dez artistas mais ouvidos na cidade de São Paulo no YouTube são MCs de funk.

"O funk hoje é a maior expressão cultural da periferia de São Paulo", resume Giuliano Salvarani, consultor eleitoral e professor de comunicação política na ESPM.

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A simpatia funkeira pode ser uma forma de atrair o público jovem desiludido e sem interesse por política.

Na pesquisa Datafolha espontânea (que não aponta o nome dos candidatos) entre os dias 6 e 8 de agosto, 66% dos eleitores até 24 anos disseram não saber em quem votar.

A indecisão é bem maior que a de grupos de eleitores mais velhos, que varia entre 39% e 47%.

"Buscar o funk faz parte da estratégia de trazer esses jovens para a política. Assim como se aliar às pessoas que produzem conteúdo na internet", analisa Guiliano.

De Lula a Nunes: bastidores da GR6

A estratégia de tirar foto em produtora de funk apareceu na campanha presidencial de 2022. Mas quem buscou foi o PT: Lula posou com o dono e com artistas da GR6.

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O então candidato buscava o apoio da periferia, fundamental para sua apertada vitória no segundo turno.

Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes posa com Rodrigo Oliveira, fundador da produtora GR6
Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes posa com Rodrigo Oliveira, fundador da produtora GR6 Imagem: Alma Preta

Bruno Ramos, relações públicas da GR6, ajudou a articular o encontro. "Eu estava do lado da Janja e do Haddad nesta reunião. Foi importante, deu uma bagunçada no cenário."

Bruno, filiado ao PT, deixa claro que a GR6 não apoia ninguém em 2024 e que não fala nesta reportagem em nome da agência, mas como ativista do funk.

Ele se lembra de uma frase dita pelo presidente da GR6 ao então candidato Lula, que usava na campanha os óculos Juliet, marca associada aos funkeiros.

"O Rodrigo falou: 'O apoio do funk está além do uso de um Juliet. É sentar com a gente para discutir projetos futuros e beneficiar a periferia'."

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Bruno cita como um dos resultados da aproximação com Lula a aprovação do presidente em 2024 do Dia Nacional do Funk, 12 de julho.

Ao mesmo tempo, Ricardo Nunes também se aproximava da GR6 e outras empresas.

O prefeito criou a Coordenadoria de Políticas Públicas do Funk e produziu um show inédito do estilo no Theatro Municipal em outubro de 2023.

Os cantores de funk também tiveram espaço maior na Virada Cultural de 2024 e em eventos do Mês Nacional do Funk, em julho, promovidos pela prefeitura de São Paulo.

A foto de Nunes na GR6 é de 31 de janeiro de 2024, no anúncio de um projeto de shows em quadras esportivas. Foi uma vitória para o prefeito, que hoje repercute na campanha.

A aproximação da GR6 com o político de direita é criticada por outros ativistas, mas Bruno, mesmo filiado ao PT, defende: "É importante abrir o diálogo e não ficar só limitado a determinados debates e partidos."

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"Independentemente de quem assumir, não tem mais como retroceder: eles vão ter que discutir o funk em SP", diz.

Boulos busca a base

O candidato apoiado por Lula em São Paulo não seguirá a estratégia do padrinho e dos adversários.

A equipe de Guilherme Boulos (PSOL) diz ao UOL que ele não entrará na corrida por visitas a grandes produtoras de funk.

"As articulações de Boulos com setores da cultura têm focado em jovens artistas da periferia, com intenção de apoiar e promover iniciativas além do eixo central", diz a equipe.

MC Hariel, que indica oportunismo de políticos que se aproximam do funk
MC Hariel, que indica oportunismo de políticos que se aproximam do funk Imagem: Divulgação
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A estratégia está sintonizada com uma fala do MC Hariel.

No vídeo que repercutiu, o cantor aconselha candidatos a não tentarem entrar no funk "pelo topo, mas pela base: vai na favela e procura quem tá precisando mais, não empresário e artista".

Segundo a assessoria do candidato, Boulos propõe aumento de 3% no orçamento da Secretaria de Cultura e promete investir metade dele em ações nas periferias.

Tabata com Kondzilla

Também candidata à prefeitura paulistana, Tabata Amaral (PSB) tem em seu conselho de campanha Konrad Dantas, dono da KondZilla.

A empresa já foi a maior do funk de SP, mas hoje, após briga entre sócios, tem poucos artistas novos populares. A Kondzilla, no entanto, ainda é uma marca conhecida no funk e um trunfo de Tabata.

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KondZilla, conselheiro de Tabata Amaral
KondZilla, conselheiro de Tabata Amaral Imagem: Rafael Roncato/UOL

"Tenho o apoio dele porque nos identificamos em alguns pontos, cada um com o seu instrumento, mas com o mesmo objetivo. Ele com a arte e eu com a política buscamos modificar para melhor a vida do cidadão", diz Tabata ao UOL.

Entre suas propostas para o funk está a criação de incubadoras para formar artistas e empreendedores no setor e o lançamento de editais voltados ao estilo.

MCs e ativistas criticam

Os artistas mais populares do funk, em geral, fogem do apoio a um candidato. Hariel nem cita nomes de políticos em seu vídeo.

A imagem de MC Ryan abraçado a Marçal foi divulgada em meio à polêmica da Love Funk. O cantor fez um post dizendo que o vídeo era antigo e que não o apoia como candidato.

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A polêmica respingou no rap. O estilo é próximo do funk, mas costuma ter um discurso político mais direto — e menos popular na periferia hoje.

Mano Brown lamentou que "os nossos estão tomando decisões contrárias às nossas". Djonga disse que "tem político fingindo que gosta de funk".

É preciso diferenciar os objetivos dos grandes empresários do funk do resto do movimento, alerta Renata Prado, ativista da Frente Nacional das Mulheres no Funk.

"Uma empresa é uma empresa, não tem ideologia. O mercado quer dinheiro e vai dialogar com quem está oferecendo", ela diz.

"Está na hora de o movimento negro, o movimento social, a esquerda se aproximar mais do funk. Entender que essa juventude se formou num momento muito conservador", defende.

Renata lembra do massacre de Paraisópolis, quando nove jovens foram mortos após uma ação da PM no Baile da DZ7, em 2019.

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O então governador de SP, João Doria, havia dito que "o pancadão [baile funk] é uma praga" e um "cancro que destrói a sociedade".

Enquanto a prefeitura faz show de funk, a PM do governo estadual, aliado do prefeito, continua sentando bala nos meninos no baile. Quem apoia isso não está com o funk. Renata Prado da Frente Nacional das Mulheres no Funk

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