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Escolas militarizadas crescem no Brasil e chegam até ao sistema Sesc

O fenômeno da militarização do ensino básico no Brasil chegou à rede privada e até mesmo ao sistema educacional do Sesc (Serviço Social do Comércio).

Colégios particulares têm investido em consultorias e parcerias com representantes das Forças Armadas para ganhar o selo de "militar" e atender a uma demanda crescente de pais interessados no modelo.

Há exemplos no Paraná, Rio, São Paulo, Ceará e Piauí — este último tem a única escola cívico-militar do Sesc, aberta em 2019, em Parnaíba.

A festa de inauguração contou com a presença do então presidente Jair Bolsonaro, que chegou a dar nome à escola.

A homenagem, no entanto, foi revista por impedimentos legais. No Brasil, autoridades não podem ser laureadas em vida.

Apesar de não compor a rede pública, a escola tem uma parceria formal com a Marinha, que mantém uma Capitania dos Portos no Piauí e colabora com parte das atividades dentro e fora das salas de aula.

O zelo pela disciplina e a obediência dos estudantes são focos da direção, assim como ocorre nos colégios com perfil militar da rede pública — são 792, segundo levantamento do UOL.

O dobro da mensalidade

Segundo a diretora Nathália Barbosa, o Sesc Parnaíba atende hoje 147 adolescentes do ensino fundamental que, segundo ela, "demandam um pouco de regulação".

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No dia a dia, os alunos marcham, hasteiam a bandeira nacional, usam fardas e participam de solenidades típicas de quartel, como a da "investidura da boina", que marca a entrega dos adereços aos novatos.

Em 2023, a cerimônia foi realizada na Capitania dos Portos, à beira do rio Parnaíba, e conduzida pelo capitão de fragata José Eduardo da Silva.

"Nós nos baseamos nos modelos de sucesso que estão sendo desenvolvidos na rede pública. A disciplina para nós faz toda a diferença, assim como as aulas de civismo", completa a educadora.

Segundo a diretora, os militares da Marinha são os responsáveis pelas aulas citadas.

A Marinha informou em nota que a parceria não é onerosa e que está vigente desde 2021, a pedido da escola.

Mas, no caso do Sesc, o conservadorismo não é o único atrativo: filhos de comerciários pagam R$ 330 por mês. Para o público geral, a mensalidade dobra.

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Cursinho para vida militar

A cinco horas dali, na capital Teresina, o Colégio Cívico-Militar Batalha do Riachuelo se vende como a primeira instituição privada a disseminar valores como patriotismo, cidadania e respeito à hierarquia entre estudantes da rede privada do estado.

Alunos do Sesc Centro Educacional Cívico Militar, que funciona na cidade de Parnaíba (PI)
Alunos do Sesc Centro Educacional Cívico Militar, que funciona na cidade de Parnaíba (PI) Imagem: Nathalia Barbosa/Sesc

A direção ainda promete preparar os jovens para aprovação em colégios militares a partir de pacotes de ensino integral e regular. As mensalidades partem de R$ 978,54.

Investir em cursos preparatórios para jovens que buscam ingressar na carreira militar é, aliás, outro nicho cada vez mais explorado por escolas da rede privada.

No Rio, onde o Exército mantém dois colégios próprios e a Polícia Militar tem outros três, há escolas especializadas em "treinar" os alunos para participar das seleções já no ensino infantil.

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As 15 instituições militares do país, comandadas pelo Ministério da Defesa, exigem processo de seleção de alunos — o mesmo vale para as unidades sob gestão da PM ou do Corpo de Bombeiros.

A depender do estado, esse processo inclui testes de matemática e português, avaliações médicas e pagamento de uma taxa de inscrição de R$ 95 para o ano letivo de 2025.

O crescente número de escolas militarizadas -- a alta é de 245% desde 2018 só nas redes estaduais -- explica o investimento privado em cursinhos preparatórios.

Apenas o Centro de Educação Pré-Militar, presente em cidades do interior paulista, como Campinas e Sorocaba, afirma já ter atendido mais de 25 mil alunos.

Há ainda opções de Educação a Distância (EAD), com aulas e simulados online, além de material personalizado para cada concurso. Os preços vão de R$ 600 a R$ 1.000, em média, pelo período de 12 meses.

"Na escola militarizada, o aluno é quem deve se adaptar e não o inverso, a começar pela exigência de uma seleção para o seu ingresso", afirma a pesquisadora Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília.

Para a professora, esse modelo provoca a exclusão de parte dos estudantes já na origem.

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Nos colégios sob o comando das PMs, Corpo de Bombeiros e Exército, há reserva de ao menos 50% das vagas para dependentes de militares e concurso para os demais interessados.

A rede privada Colégio PM, em São Paulo, segue os critérios adotados por unidades oficiais das Forças Armadas, garantindo 40% das matrículas para órfãos, filhos e netos de policiais.

São dez endereços hoje espalhados pela Grande São Paulo e litoral e mais de 4.500 alunos.

A rede cresceu também em função de o estado ainda não possuir colégios próprios da PM, diferentemente de Minas, Rio e Rio Grande do Sul, por exemplo.

Em março deste ano, no entanto, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou a intenção de construir uma escola para atender exclusivamente filhos de policiais da Academia do Barro Branco, que forma os oficiais da corporação.

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