Da 'cadeirada' às selfies: os bastidores da aventura de Datena na política
Ao longo dos últimos três meses, o apresentador José Luiz Datena repetiu exaustivamente que não ia desistir. "Eu sou candidato a prefeito de São Paulo e vou até o fim."
Ele não desistiu, mas também não entrou de cabeça na campanha.
A cinco dias do pleito, Datena amarga a quinta posição nas principais pesquisas de intenção de voto e só por um milagre chegará ao segundo turno.
A primeira tentativa real de trocar a televisão pela política não teve nem a atuação esperada do jornalista, nem um roteiro por parte do PSDB, partido pelo qual se candidatou.
Sua principal contribuição para a história eleitoral é negativa: a cadeirada em cima de Pablo Marçal durante o debate da TV Cultura.
O UOL acompanhou a rotina do candidato Datena e conversou com vários integrantes da campanha nos últimos meses.
Nessa trajetória, faltaram dinheiro, militância, estratégia e disposição, de parte a parte.
Datena parece ter chegado atrasado a uma festa que ele mesmo armava há alguns anos.
Usar a notoriedade construída em décadas de TV para alavancar uma candidatura faz pouco sentido em 2024 sem que haja também uma presença maciça nas redes sociais.
"Vamos esperar a abertura das urnas. Se pesquisa ganhasse eleição, o povo não precisava votar", declarou na quarta-feira (25), de forma quase protocolar.
Em seguida, completou: "Quando vou às periferias não consigo dar um passo. As pessoas vêm me abraçar, me beijar. Não sei se serei eleito prefeito, mas tenho certeza de que terei uma votação muito mais expressiva do que está sendo auferida agora."
Mas Datena mostrou ao longo da campanha que não acredita nisso. Duas semanas atrás, durante sabatina UOL/Folha, jogou a toalha.
"Pra mim a política acabou", disse. "Eu tentei ajudar as pessoas a votar em mim, mas até agora não consegui, o que posso fazer, porra?"
Rasgando o manual
Segundo aliados, especialistas em marketing eleitoral e políticos ouvidos pelo UOL, Datena poderia ter feito mais.
"A impressão que dá é que nem o manual básico de campanha foi seguido. Datena tinha de ser apresentado como candidato, mas seguiu como apresentador", afirma o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas).
Vaidoso e quase sempre mal-humorado, Datena se negou a usar adesivos com o número do partido e até mesmo a pedir votos nas ruas.
Aliás, não pediu votos nem para os candidatos a vereador da chapa, o que configura falha grave, de acordo com veteranos da política.
O pouco tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV - 35 segundos, em cada programa de 10 minutos - também atrapalhou, mas evidenciou o desempenho ruim nos canais digitais.
"Ele nunca investiu em redes sociais e teve de enfrentar um especialista nisso, que é o Pablo Marçal", destaca Murilo Hidalgo, diretor do Instituto Paraná Pesquisas. "Foi uma disputa desigual nesse sentido porque Datena representa uma mídia que já não tem a mesma importância."
Acostumado a dirigir seu próprio programa, o tucano levou para a campanha a rotina de seu trabalho na Band.
Ao descer do carro, coloca o microfone, grava imagens andando pelo comércio, entrevista dois ou três eleitores, tira fotos e dá declarações à imprensa. Depois vai embora, certo de que o trabalho está feito.
O ato de campanha dura cerca de meia hora.
Turista ou candidato?
Nas ruas, o jornalista se comporta mais como turista do que candidato.
Datena caminha pelas ruas como celebridade, cumprimentando as pessoas e tirando selfies com fãs de seu programa.
Ele não prova pastel de feira, coxinha de padaria ou café coado de botequim - costuma pedir somente água gelada e café expresso sem açúcar. Também não aceita pegar criança no colo.
"Isso é coisa de político", avisou ainda na pré-campanha, em visita ao Mercado Municipal de São Paulo.
O alvoroço provocado pela presença do apresentador em um dos endereços mais conhecidos da cidade animou a equipe recém-criada. Mas por pouco tempo.
O ritmo lento imposto pelo candidato, com poucas agendas de rua, e o baixo desempenho em entrevistas e debates logo transformaram o otimismo em frustração.
Isso tudo bem antes da famosa "cadeirada", que, segundo analistas, deu novo rumo à participação de Datena na eleição de 2024.
"O pessoal não esquece desse episódio", disse o tucano na última quarta, em tom de lamento.
A aliados, no entanto, o destempero é tratado como um ato quase heroico. Sem chances reais de vencer, ele gosta de dizer que ao menos "mudou o rumo da eleição".
Aluno desobediente
A agenda do apresentador foi a mais modesta entre as dos principais candidatos. Datena cumpriu menos de um compromisso de rua por dia, levando-se em conta os 47 dias de campanha até aqui.
Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) acumulam até cinco eventos no mesmo dia.
Os adversários também pedem votos aos finais de semana. Datena descansa.
Mesmo quando aceita "dar uma volta pela cidade", acompanhado de assessores, ele não segue o script.
No dia 6 de setembro, por exemplo, o combinado era caminhar dois quarteirões da avenida Paulista para falar sobre segurança pública.
A equipe de marketing já havia posicionado os totens com a foto dele pelo trajeto e orientado os militantes a distribuir santinhos da campanha.
Tudo parecia bem encaminhado, com exceção do horário marcado: Datena chegou minutos após a divulgação, pelo Datafolha, da pesquisa que o colocava, pela primeira vez, atrás da deputada Tabata Amaral (PSB), de quem quase foi vice.
O resultado ruim - ele havia caído sete pontos porcentuais - levou o tucano a retornar ao carro em 15 minutos.
"Não vai caminhar mais, candidato?", perguntou o UOL. "Não", respondeu de forma ríspida diante da imprensa e do ex-senador José Aníbal (PSDB), seu candidato a vice, que, constrangido, também deixou o local.
Dias antes, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte da capital, Aníbal já havia tentado contornar a postura do colega de chapa.
Diante de fãs, afirmou que estava com saudades da televisão e que poderiam votar em outro candidato que encontrassem, caso fosse melhor.
Em seguida, diante da insistência de uma eleitora em apoiá-lo, Datena pediu ajuda ao vice para se lembrar do número do PSDB nas urnas. "É 45, né, Zé?", perguntou.
Disse, depois, que se tratava de uma brincadeira.
O ouvinte de Datena
Presidente municipal do PSDB, Aníbal paga um preço alto por ter se negado a apoiar a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e apostado na popularidade de Datena como único trunfo nas urnas.
O que antes parecia ser a tábua de salvação da sigla, que perdeu o prefeito e todos os oito vereadores eleitos em 2020, tornou-se um desafio do ponto de vista partidário.
Datena não se reuniu com a chapa de candidatos a vereador pelo PSDB. Quase nenhum deles, aliás, chegou perto do apresentador.
Nem mesmo Mario Covas Neto, filho do ex-governador Mário Covas, sempre citado como exemplo de político por Datena, teve a chance de tirar fotos com o candidato para sua campanha a vereador.
Há só uma exceção: Eduardo Leite, advogado homônimo do governador gaúcho e amigo do apresentador há mais de 30 anos que aceitou disputar uma vaga no Legislativo só para lhe fazer companhia.
Mas ele também não agiu como político. Quase onipresente nas agendas de rua, atuou mais como assessor e ouvinte.
Foi para ele, por exemplo, que Datena ligou minutos após deixar a rua General Osório, a rua das Motos, no centro de São Paulo, para reclamar da escolha do local e do bate-boca com comerciantes.
"Foi uma agenda sensível", limitou-se a comentar Leite.
Já o candidato foi mais incisivo desde que desceu do carro. "Não estou me sentindo confortável aqui. Tem lugares desse setor que vendem peças que são produtos de crime", comentou, pouco antes de ouvir xingamentos de um lojista: "Você me chamou de ladrão na televisão, seu lixo!".
"E você não é?", retrucou Datena, que ainda ouviu motociclistas sugerirem que ele "fizesse o 'M'", em referência ao slogan usado pelo adversário Pablo Marçal (PRTB).
'As cadeiradas do dia a dia'
A campanha já cogitava que o tema do suposto assédio sexual contra uma repórter da Band poderia ser exposto na eleição por um dos concorrentes, mas não imaginava que o assunto seria acompanhado de duas provocações de Marçal que tiraram Datena do sério.
A primeira foi chamar o apresentador de "Jack", gíria das cadeias para se referir a estupradores. Datena não foi acusado de estupro, mas de importunação sexual. O caso foi arquivado pela Justiça.
Mas o estopim foi mesmo o questionamento sobre o tucano ser ou não "homem". Bastaram cinco segundos para que a resposta fosse dada em forma de cadeirada e descontrole emocional.
Oficialmente, Datena diz não se arrepender do ato que, segundo ele, foi tomado em "legítima defesa de sua honra".
Aos 67 anos, o candidato afirma que essa foi a única vez que apelou à violência para resolver um conflito.
Não é o que os colegas da Band comentam nos bastidores. Na TV, apesar de não agredir ninguém fisicamente, a fama é de ríspido.
Quem já passou pela equipe do "Brasil Urgente" relata que Datena grita o tempo todo com a produção, que às vezes "superdimensiona" os números da audiência para "acalmar" o apresentador.
A equipe aguarda sua volta ao programa enquanto desfruta da calmaria de ter seu filho Joel como substituto. Considerado mais simpático, o jornalista tem a torcida de parte dos funcionários para assumir o papel do pai.
Contudo, ninguém aposta numa data para Datena se aposentar.
Neste ano, aliás, o bolão dos funcionários da Band não teve vencedor. Todo ano eleitoral, eles se reúnem para tentar cravar o "dia da desistência". A decisão de seguir até o fim na campanha foi quase tão surpreendente quanto o ato da cadeirada.
Mas nenhuma delas parece suficiente para Datena vencer uma eleição. Ao menos por enquanto.
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