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Deolane, Gusttavo Lima e briga de juízes: a trama da investigação das bets

Foi durante uma investigação contra o jogo do bicho, no Recife, dois anos atrás, que a Polícia Civil encontrou os primeiros vestígios do que veio a se transformar na Operação Integration, envolvendo bets e celebridades e expondo divergências entre membros do Judiciário.

Nessa investigação sobre lavagem de dinheiro, Gusttavo Lima e Deolane Bezerra passaram de garotos-propaganda de apostas a envolvidos em possíveis crimes.

Gustavo e Deolane, além de outros 18 citados, estão nessa trama de cifras milionárias, compra e venda de avião e carro, iate, sociedades, jogo do bicho e relações com donos de plataforma de apostas e integrantes do poder.

O controle da operação ficou sob a caneta da juíza Andrea Calado, conhecida em Pernambuco por atuar em casos de grande repercussão.

Ela foi criticada por especialistas ouvidos pelo UOL por dar ares de Lava Jato ao processo.

Também há divergências entre Calado, o MP-PE (Ministério Público de Pernambuco) e o desembargador Eduardo Guilliod Maranhão.

Procurada pela reportagem, a juíza não retornou o pedido de entrevista.

Com Calado no comando da Integration, a lotérica Caminho da Sorte e a bet Esportes da Sorte se tornaram os principais alvos.

Com dezenas de casas espalhadas pela capital pernambucana, a Caminho da Sorte, afirma a polícia, pertence a Darwin Henrique da Silva. Já a Esportes da Sorte é do filho dele, Darwin Henrique da Silva Filho.

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Ambos viraram investigados por "indícios suficientes de estreita ligação entre as empresas na prática de atividades ilícitas", segundo o inquérito ao qual o UOL teve acesso.

Eles são suspeitos de exploração de jogo de azar e de lavagem de dinheiro.

Procurados pelo UOL, os advogados que defendem Darwin pai e Darwin Filho disseram que, por enquanto, não vão se pronunciar sobre o caso.

Policias apreenderam R$ 180 mil na sede da Caminho da Sorte, no Recife, em 2022
Policias apreenderam R$ 180 mil na sede da Caminho da Sorte, no Recife, em 2022 Imagem: Reprodução

Conflito no Judiciário

Em Pernambuco, colegas da magistrada comparam a atuação dela com a do ex-juiz Sérgio Moro, levantando questionamentos sobre imparcialidade e métodos usados.

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As discordâncias vieram a público após Calado mandar prender preventivamente, no início de setembro, os investigados - entre eles a advogada e influencer Deolane Bezerra.

No dia 20, dois dias depois de a Polícia Civil finalizar o seu relatório, o MP-PE (Ministério Público de Pernambuco) publicou uma nota em que avaliava "necessárias algumas diligências complementares".

Os promotores queriam mais detalhes sobre os investigados e recomendaram que as prisões preventivas fossem substituídas por medidas cautelares.

No dia 23, atendendo a um pedido de habeas corpus feito pela defesa de Darwin Henrique da Silva Filho, o desembargador Eduardo Guilliod Maranhão mandou soltar 17 pessoas.

Ele afirmou não haver elementos para o oferecimento da denúncia nem para a prisão preventiva.

"A prisão dos acusados deve ser imediatamente relaxada sob pena de configuração de constrangimento ilegal."

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Naquele mesmo dia, no entanto, poucas horas antes da decisão do desembargador, a juíza Andrea Calado mandou prender Gusttavo Lima - incluído pela polícia no inquérito, que está sob responsabilidade do delegado Paulo Gondim.

Na ordem, Calado fez críticas ao MP, alegando que no dia 3 de setembro os promotores foram favoráveis à prisão preventiva dos investigados, mas mudaram de opinião após a inclusão do cantor.

Na tarde do dia 24, Maranhão contrariou novamente a colega e atendeu a um novo pedido de habeas corpus, desta vez a favor de Gusttavo Lima, revogando o mandado de prisão.

Ele alegou que, embora as investigações apontem indícios de irregularidades, ainda não há provas suficientes para justificar a prisão preventiva.

Lava Jato dos famosos?

Juristas ouvidos pelo UOL veem "exagero" na decisão de Andrea Calado.

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Para o advogado Alexandre Pacheco Martins, especialista em direito penal econômico e direito processual penal, a juíza tenta "substituir" o MP.

"Essa conduta lembra um pouco o que vimos na Lava Jato, quando alguém em um cargo de poder, que deveria ser imparcial, adota uma postura muito mais ligada a uma das partes", afirma Martins.

"O fato de alguém ter viajado com ele [Gusttavo Lima], em um avião dele, por si só não o transforma em criminoso", acrescenta, sobre a ordem contra o cantor.

O advogado Dinovan Dumas, também especialista em direito penal econômico, reforça que houve equívoco no caso Gusttavo Lima.
Para ele, a decisão se baseia de forma exagerada no "poder econômico" do cantor, o que pode "ferir a presunção de inocência".

Embora reconheça o impacto social dos jogos de azar, ele afirma que "não deve ser usado para justificar uma prisão preventiva", já que essa medida precisa se apoiar em fatos reais, não em avaliações morais.

A relação entre famosos e bets

Gusttavo Lima e Deolane Bezerra são dois dos vários famosos envolvidos com a expansão das bets no país, seja com publicidade ou com negócios com os donos das casas de apostas.

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Com Gusttavo Lima, a ligação começou em 7 de junho de 2022. O casal dono da Vai de Bet, José André da Rocha Neto e Aislla Sabrina Rocha, procurou Lima após um show em Campina Grande (PB), para falar sobre uma parceria em publicidade.

O contrato foi fechado dias depois, de acordo com o relato do cantor à polícia em 11 de setembro - ele depôs por meio de uma carta precatória.

Três meses depois, com um cachê milionário, Lima anunciou o lançamento da Vai de Bet como "embaixador" da plataforma.

Entre fotos com o casal Rocha nos respectivos perfis, o cantor anunciou neste ano shows nos EUA patrocinados pela bet e estampou a empresa como patrocinadora master do time de futebol que comprou no Paraná.

Em 25 de julho, segundo a polícia, ele comprou 25% da casa de apostas.

A aproximação com os donos do site e a arrecadação estratosférica das bets no Brasil podem ter motivado a sociedade.

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Um estudo divulgado pelo Itaú estima que as bets tenham recebido R$ 68,2 bilhões em apostas e taxas de serviço entre junho de 2023 e junho 2024.

No mesmo período, os apostadores receberam R$ 44,3 bilhões de volta. Uma perda bruta de R$ 23,9 bilhões para os brasileiros.

Diversos outros indícios levaram a Polícia Civil a concluir que há participação de Gusttavo Lima no crime de lavagem de dinheiro.

A juíza Andrea Calado citou um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) na decisão sobre o cantor.

Nele, mostra que a empresa GSA Empreendimentos, de Lima, recebeu R$ 5,95 milhões de duas empresas investigadas na Operação Integration: Zelu Brasil e Pix 365.

Além disso, a GSA transferiu R$ 1,35 milhão para contas pessoais de Gusttavo Lima por meio de TEDs.

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Os sócios das empresas Zelu Brasil, Rayssa Rocha e Thiago Rocha, e Pix 365, José André e a esposa Aislla, foram indiciados no mesmo inquérito.

Lima nega as acusações contra ele. Diz que não é sócio da Vai de Bet e que o contrato firmado é para que ele recebesse 25% do valor da casa de aposta se fosse vendida.

A defesa dele, composta por seis advogados, alega que a "inocência do artista será devidamente demonstrada".

"O cantor Gusttavo Lima jamais seria conivente com qualquer fato contrário ao ordenamento de nosso país e não há qualquer envolvimento dele ou de suas empresas com o objeto da operação deflagrada pela polícia pernambucana", afirmaram seus advogados em nota.

Deolane Bezerra na saída da Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, no Recife
Deolane Bezerra na saída da Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, no Recife Imagem: Genival Paparazzi/AGNews

Cheiro de cadeia

Também protagonista da Integration, a advogada e influenciadora Deolane Bezerra faz R$ 1,5 milhão mensal com publicidades de vários setores, principalmente de jogos de azar, sorteios e bets.

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A informação foi dada pela própria Deolane à polícia.

Ela é garota-propaganda da Esportes da Sorte pelo menos desde julho de 2022. Pouco antes de ser presa, foi elogiada pelo dono da bet como sendo uma das influenciadoras "mais parceiras" da empresa.

Em fevereiro deste ano, ela comprou um Lamborghini de R$ 3,85 milhões do CEO da bet, Darwin Henrique da Silva Filho.

O contrato com a Esportes da Sorte durou até maio de 2024, segundo relato dela à polícia. Dois meses depois, Deolane criou sua própria empresa de apostas, a ZeroUmBet.

A influenciadora nega todas as acusações feitas pela polícia. Diz ter se limitado a fazer publicidade para a Esportes da Sorte, sem qualquer envolvimento administrativo e tampouco em ações irregulares. Os oito advogados que defendem ela e a mãe disseram, em nota, ter convicção de que "suas inocências serão plenamente comprovadas".

Pelas regras da medida cautelar que permitiu sua soltura, Deolane não pode fazer propaganda para sites de jogos enquanto durar a investigação.

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Ela já havia sido alvo de uma ação da Polícia Civil de São Paulo em 2022. A suspeita era de relação com a Betzord, empresa que diz ensinar clientes a fazer apostas esportivas.

Toda a rede em volta dela, incluindo sua irmã Danielle e seus filhos, se beneficia para lucrar com jogos de azar e sorteios.

A única publicidade que Deolane tem feito nos últimos dias é de sua marca de cosméticos, a Deo Beauty. Um dos produtos é o perfume Fortune.

"Vocês não têm noção, para quem estava na cadeia, o quanto esse perfume é bom. Eu só cheirava a cadeia", disse em vídeo.

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