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RJ: Baixada teve 69 execuções políticas em 10 anos e mantém tensão em 2024

Entre janeiro de 2015 e junho de 2024, houve 69 assassinatos de políticos e de pessoas ligadas a candidatos e pré-candidatos na Baixada Fluminense.

A maioria das execuções acontecem no período entre o anúncio das pré-candidaturas e a data do pleito.

Com 8 homicídios, 2024 pode se tornar o segundo mais letal da série (veja gráfico abaixo).

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Imagem: Arte/UOL

Os dados foram divulgados em 1º de outubro pelo Observatório de Favelas, em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Política e Violência da UFF (Universidade Federal Fluminense) e o Laboratório de Análise da Violência da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

As quatro cidades com mais execuções políticas são Nova Iguaçu (14), Duque de Caxias (11), Seropédica (8) e Magé (7).

O estudo aponta que elas têm "histórico notório de presença de elites políticas que disputam o poder à bala".

A Baixada tem um contexto no qual o homicídio é um setor primário de poder. O poder político é resultante de um tripé: o poder econômico e o poder de matar, que vão resultar no político.
Leandro Marinho, pesquisador do Observatório de Favelas

Entre janeiro de 2022 e junho de 2024, a pesquisa identificou 12 execuções políticas e outras 12 tentativas de assassinato na Baixada Fluminense.

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No mesmo período, houve 10 homicídios de cunho político e outras 10 tentativas do mesmo crime na capital. Em 90% dos casos, os delitos foram cometidos na zona oeste (60%) ou na zona norte (30%), em áreas dominadas por milicianos.

"As milícias possuem um amplo destaque em quais territórios os casos ocorreram: onde o poder de matar define quem tem ou não tem acesso à política e quem vai exercer política", afirma Marinho.

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A Baixada em 2024

Com auxílio do Instituto Fogo Cruzado, de policiais civis e de advogados ligados à defesa dos Direitos Humanos, a reportagem identificou que, em junho e em setembro deste ano, oito políticos ou pessoas ligadas a políticos foram mortos na Baixada Fluminense:

  • 11 de junho: Everton Damião Sá Passos Nascimento Junior e Kauã Marinho Nascimento, filhos da vereadora Shirley Marinho (PDT), de Seropédica;
  • 15 de junho: Juliana Lira de Souza Silva, pré-candidata a vereadora em Nova Iguaçu, e seu filho, Alexander de Souza Gomes;
  • 20 de junho: Livercino Marcelino dos Santos, pré-candidato a vereador em Guapimirim;
  • 22 de junho: Michel Laeber Estevão, assessor na prefeitura de Duque de Caxias;
  • 13 de setembro: Jean Paulo Figueiredo Araújo, coordenador da campanha do vereador Rogério da RR (PSD) em Japeri;
  • 24 de setembro: João Fernandes Teixeira Filho (Avante), candidato a vereador em Nova Iguaçu.
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Além dos assassinatos, Antônio Martins Caldera, assessor na prefeitura de Seropédica, foi baleado de raspão na cabeça durante uma troca de tiros que supostamente ocorreu entre milicianos rivais. Ele não corre risco de morrer.

Além dos mortos e feridos, houve dois atentados na região:

  • Em 20 de setembro, Gerson Cunha de Almeida Reis Filho (União), candidato a vereador em Nova Iguaçu, teve o vidro do carro que dirigia atingido por três tiros. Ele não se feriu, pois a blindagem do veículo resistiu aos disparos;
  • Também em 20 de setembro, Reginaldo Adelino Fortes (PP), candidato a vereador em Duque de Caxias, teve a fachada de sua empresa na cidade baleada.

Há na Baixada um rearranjo da presença dos grupos criminosos, com disputas de facções e milícias. A gente não pode cravar uma correlação, mas a dinâmica dos grupos armados interfere nos processos de violência política na região.
André Rodrigues, cientista político e pesquisador da UFF

'Socorro!'

Na madrugada de 1º de outubro, o candidato do PSOL à Prefeitura de Belford Roxo, Vinícius Crânio, fez uma transmissão ao vivo nas redes sociais com o objetivo de denunciar intimidações.

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Ele mostrava a fachada de sua casa, que foi atacada com tintas branca e vermelha. Depois, flagrou carros com placas tampadas rondando a região. Por fim, mostrou homens encapuzados descendo dos carros e caminhando até ele.

Homem flagrado se dirigindo a candidato do PSOL para agredi-lo em Belford Roxo
Homem flagrado se dirigindo a candidato do PSOL para agredi-lo em Belford Roxo Imagem: Reprodução

"Vai me bater? Eu sou cria", tentou dizer aos encapuzados. "Socorro!", gritou enquanto era agredido. No fim, recebeu a ordem para entrar no carro e entregar o celular.

Apenas o aparelho foi levado. O caso foi registrado na 54ª Delegacia de Polícia. O candidato fez exame de corpo de delito e a Polícia Civil afirmou que investigará a agressão.

Segundo o pesquisador Leandro Marinho, no período eleitoral, grupos que confrontam ou estabelecem algum "risco" à política local passam a ser alvos de ameaças e coações.

O relatório aponta ainda que grupos armados na Baixada Fluminense têm o poder de decidir quem pode ou não fazer campanha política nas áreas que controlam. E, ao abrir espaço para certos candidatos, assediam a população a votar nesses políticos.

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A violência política estabelece currais eleitorais, vetos às forças políticas populares e outras formas de impedir a expressão política dos moradores.

"Sempre que tem abalos nas alianças ou nos acordos entre políticos locais e emergentes, que estão querendo se consolidar, também tem o processo de intensificação da violência política no contexto eleitoral. Isso é histórico", diz André Rodrigues, da Universidade Federal Fluminense.

A crise de Belford Roxo

A pesquisa apontou que em Belford Roxo predominaram agressões físicas, "principalmente em decorrência de conflitos deflagrados em 2023 pelo racha entre o prefeito e um deputado estadual, que era seu vice".

O prefeito é Waguinho (Republicanos), que formou chapa com Márcio Canella (União) na eleição de 2016. Eles permaneceram aliados até o segundo turno das eleições de 2022, quando Waguinho decidiu apoiar Lula (PT) e Canella ficou ao lado de Bolsonaro (PL) e do governador Cláudio Castro (PL).

Márcio Canella (União) aparece com arma da cintura em ato de campanha em Belford Roxo
Márcio Canella (União) aparece com arma da cintura em ato de campanha em Belford Roxo Imagem: Reprodução
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Como Waguinho não pode mais se candidatar à reeleição, apoia seu sobrinho, Matheus Carneiro, como seu sucessor. As pesquisas eleitorais apontam empate técnico entre Matheus do Waguinho e Márcio Canella.

A violência política na cidade cresce com a tensão entre os grupos antagônicos. Em 27 de setembro de 2023, oposição e situação se enfrentaram violentamente na Câmara de Vereadores, com trocas de socos e tapas.

O caso terminou com um disparo de arma de fogo e acionamento do esquadrão antibombas — um parlamentar acionou a Polícia Civil afirmando ter visto um opositor instalar um explosivo no seu carro, no estacionamento da Câmara. Na verdade, era um GPS.

Um mês depois do ocorrido, o empresário Clayton Damasceno, ligado a Waguinho e pré-candidato a vereador para o pleito desse ano, foi morto a tiros na cidade de Queimados.

Após o crime, Waguinho pediu proteção policial ao governo federal por temer ataques em 2024.

Estética pública armada

Segundo a pesquisa, as forças policiais costumam disputar mais as eleições na Baixada Fluminense.

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"Grande parte desses policiais têm ligações com grupos armados, como milícias e grupos de extermínio. O policial tenta se colocar como um combatente do crime, mas enquanto estava na polícia, também agia na ilegalidade", afirma André Rodrigues, da UFF.

São comuns casos de pré-candidatos que participavam de grupos armados e/ou tinham suspeita de ligação com grupos milicianos.
André Rodrigues, da UFF

Para o pesquisador, com o avanço da extrema direita nas eleições, a performance dos políticos tornou-se mais violenta.

"Se antes havia políticos locais que ameaçavam e matavam, de forma aberta ou velada, tendo relação com poder armado, agora há um conjunto de políticos que ostenta mais abertamente uma estética pública armada", diz.

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