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Em 12 anos, direita sai da toca e, com o centro, varre esquerda de capitais

Levantamento feito pelo UOL aponta que a perda de espaço da esquerda nas eleições municipais das capitais brasileiras é progressiva e gradual desde 2012.

O resultado é que, neste ano, partidos de esquerda e centro-esquerda foram praticamente varridos das prefeituras de capitais.

O chamado campo progressista elegeu apenas três prefeitos: João Campos (PSB) em Recife; David Almeida (Avante) em Manaus, e Evandro Leitão (PT) em Fortaleza.

O fênomeno é acompanhado por ascensão tanto de partidos de direita quanto os do chamado centrão:

  • Em 2012, o campo progressista (esquerda + centro-esquerda) elegeu 14 prefeitos; o número caiu para oito em 2016, seis em 2020 e três em 2024;
  • No mesmo período, o campo conservador (direita + centro-direita) cresceu: eram nove prefeitos em 2012; 12 em 2016 e em 2020; em 2024, elegeu 13 nomes.
  • Os partidos de centro também aumentaram gradualmente a sua influência: eram três prefeitos em 2012, seis em 2016, oito em 2020 e agora 10 em 2024.
  • A esquerda, que chegou a ter cinco prefeitos em 2012, agora tem apenas um.
  • A direita, por sua vez, avança: eram dois prefeitos em 2012, três em 2016 e em 2020. Agora são oito.
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Imagem: Arte/UOL

Para a análise, a reportagem utilizou a última edição do GPS partidário da Folha de S.Paulo como critério para o alinhamento dos partidos.
Siglas que deixaram de existir nesse período foram avaliadas de acordo com o posicionamento das novas às quais se juntaram ou nas quais se transformaram.

Especialistas apontam várias causas e fenômenos por trás desse cenário:

  • a ascensão de uma direita que sempre existiu no país, mas que ganhou protagonismo no debate político nos últimos anos;
  • a dificuldade da esquerda tanto em renovar seus quadros como em competir com um campo conservador que domina a comunicação digital;
  • a ascensão de um centrão turbinado por emendas parlamentares e poder no Legislativo.
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Imagem: Arte/UOL

Uma direita que já existia, mas ficava escondida

O campo conservador ganhou força de forma gradual nas capitais brasileiras ao longo dos últimos 12 anos, saindo de nove prefeitos em 2012 para 13 em 2024.

Nessa equação, entretanto, a centro-direita manteve-se constante: foram sete prefeitos em 2012, nove nas duas eleições seguintes, e oito em 2024.

Quem puxa o crescimento é a direita, que nos 12 anos foi de dois a oito prefeitos.

"Os anos Bolsonaro tiraram uma direita que estava na grande maioria das vezes escondida e a colocaram no espaço público, especialmente a extrema direita. Isso abalou de certa forma a esquerda, que perdeu espaço. Isso fica notório no resultado dessas eleições", explica o cientista político e professor Rodrigo Prando.

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As eleições de 2012 são marcadas ainda pela presença do PSDB como principal adversário do PT e da esquerda — os tucanos disputaram aquele segundo turno em nove capitais. Em 2024, não entraram em nenhuma.

"Eu até costumava brincar que um percentual votava no PSDB porque não tinha Jair Bolsonaro, eram bolsonaristas antes dele. Quando o Bolsonaro tornou-se uma figura viável eleitoralmente, essas pessoas abandonaram o PSDB, porque na verdade nunca houve uma identificação ideológica com a social-democracia, mas apenas porque o PSDB representava o antipetismo", afirma Prando.

Para o pesquisador, entretanto, a ascensão da direita não é suficiente para explicar a perda de espaço da esquerda nas capitais brasileiras.

"Não é só o extremismo bolsonarista que ganha; é o centrão, são os partidos de centro, conservadores de certa maneira, mas não necessariamente o extremismo", completa.

Centrão cresce no Executivo turbinado por verba do Legislativo

Partidos de centro segundo o GPS da Folha, MDB e PSD tiveram um aumento massivo de força e influência nas eleições municipais das capitais em 2024, elegendo dez prefeitos.

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Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo foi um dos eleitos do MDB
Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo foi um dos eleitos do MDB Imagem: Pedro Piegas / PMPA

O número aumentou constantemente desde 2012: saltou de três prefeitos para seis em 2016 e de oito em 2020 para os atuais dez.

Siglas alinhadas na centro-direita, mas tradicionalmente associadas ao chamado centrão, como o PP, também tiveram destaque, elegendo nomes em Belém e Campo Grande.

"O orçamento secreto tem esse nome porque é complexo averiguar quem foi o beneficiário direto das emendas. A distribuição orçamentária beneficia alguns candidatos, ligando eles a obras e aos deputados que trouxeram essas emendas para as cidades", explica o consultor e estrategista político Giuliano Salvarani.

Embora esteja alinhado à direita no GPS político, o PL de Jair Bolsonaro também se beneficiou das emendas parlamentares, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem. O partido elegeu prefeitos em quatro capitais.

"Essa ascensão do PL deve-se mais a uma articulação política do presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, do que propriamente ao Bolsonaro. O PL tem uma característica de ser muito mais um partido ligado ao centrão, ao pragmatismo, do que ao extremismo bolsonarista", completa Salvarani.

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Esquerda corre atrás na comunicação

Se a entrada de uma direita mais agressiva no jogo político e um centrão turbinado explicam a ascensão desses setores nas capitais brasileiras, há reflexões também dentro da própria esquerda para a perda de espaço.

Para os especialistas, elas passam pela dificuldade de comunicação no meio digital, campo dominado pelos adversários.

"A esquerda deixou de mobilizar a sua base onde ela está mais presente, nas redes sociais. Tem tomado um grande baile em relação à direita e à extrema direita", afirma Giuliano Salvarani.

"Em São Paulo, você tem uma transferência quase integral de votos de Pablo Marçal para Ricardo Nunes. A falta de um aparato tecnológico robusto para competir pela atenção e pela configuração política na sociedade faz com que a esquerda seja quase dizimada do cenário político", completa.

Além disso, ele aponta que a direita tem tido mais facilidade em renovar seus quadros e apresentar novos nomes com narrativas consolidadas nos meios digitais.

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André Fernandes (PL), ao lado de Jair Bolsonaro em ato registrado nas redes sociais
André Fernandes (PL), ao lado de Jair Bolsonaro em ato registrado nas redes sociais Imagem: Reprodução

"Quadros novos como Marçal, o próprio caso de Fortaleza? Apesar de ter sido derrotado, o André Fernandes (PL) fez um grande papel. Se você pegar o mapa eleitoral da esquerda, praticamente ninguém foi eleito pelo digital. Se o PT e a esquerda não renovarem sua comunicação digital, a reeleição de Lula estará em risco", afirmou.

Para Salvarani, a saída é a formação de novos marqueteiros e profissionais de comunicação que rompam com os métodos tradicionais baseados em televisão, jornais e revistas.

"A comunicação da esquerda se pauta de maneira ultrapassada, o jornalzinho de bairro, a rádio comunitária, a plataforma da TV. Não que não sejam importantes, mas a política se pauta hoje na internet. Quem apostou e profissionalizou isso e se deu bem nessa eleição."

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