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Verde x amarelo: racha da direita em Goiânia anuncia o que esperar de 2026

A direita rachou em Goiânia em 2024. A cidade, que teria reeleito Jair Bolsonaro (PL) com 64% dos votos em 2022, virou palco de uma disputa entre o ex-presidente e o governador Ronaldo Caiado (União), que anunciou o que deve acontecer nas eleições presidenciais de 2026.

Sandro Mabel (União) e Fred Rodrigues (PL) disputaram a prefeitura e o mesmo eleitorado.

Eles falaram de pautas parecidas e dividiram até as mesmas cores — o já tradicional verde-amarelo, adotado pela direita —, em um raro embate eleitoral em que peças de campanha confundiam os olhos.

Ambos foram alçados para mostrar a força de seus padrinhos.

Empresário, herdeiro da empresa alimentícia que leva seu sobrenome — o que trouxe o apelido maldoso de "rosquinha" entre bolsonaristas —, Mabel foi escolhido por Caiado após três pesquisas qualitativas.

Sem candidato natural, o governador estava preocupado com a escolha desde o fim de 2023. Caiado entendia que ganhar na sua capital era pré-requisito básico para tentar alçar voo para fora de Goiás.

A escolha de Fred seguiu um caminho um pouco mais tortuoso.

Depois que o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) desistiu da disputa, membros do partido no estado viam como natural o nome do Major Vitor Hugo (PL), candidato ao governo escolhido por Bolsonaro para enfrentar Caiado em 2022 e considerado "bolsonarista raiz".

Mas Gayer sugeriu Fred ao ex-presidente. Dada a alta popularidade do deputado, Bolsonaro só teria feito uma pergunta ao aliado: "Ele vai ganhar?".

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Com a confirmação, ele brecou Vitor Hugo, segundo correligionários. Magoado, o ex-deputado lançou-se à Câmara Municipal e se tornou o vereador mais bem votado de 2024. O major não fez campanha para Fred.

Sandro Mabel (União) e Fred Rodrigues (PL)
Sandro Mabel (União) e Fred Rodrigues (PL) Imagem: Divulgação/Alego/Sandro Mabe/Estadão Conteúdo

Verde x amarelo

A cisão da direita goianiense já se anunciou quando o PL lançou candidatura própria. Segundo Mabel, o União Brasil ofereceu o vice ao partido, para tentar reunir no mesmo palanque Caiado e Bolsonaro.

"Eu disse pra ele [Bolsonaro]: 'assim, você vai ganhar a eleição'", conta o prefeito eleito, em entrevista ao UOL. "Mas não quiseram."

A insistência da legenda em lançar um nome próprio irritou Caiado e passou recado claro aos conservadores da cidade e de fora dela: Bolsonaro não quer dividir protagonismo.

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O clima pouco ameno atingiu o ápice no segundo turno, quando a deputada Adriana Accorsi (PT-GO), alvo principal de ambos, chegou ao terceiro lugar.

A eleição virou um compilado de brigas para mostrar quem é "direita de verdade" ou mais religioso.

As referências a Deus foram frequentes nas duas campanhas. No último debate da Rede Globo, na última sexta (25), os dois protagonizaram uma curiosa disputa para ver quem era mais cristão.

Ao repetir diversas vezes que "o diabo é o pai da mentira", Mabel foi questionado por Fred se ele estaria "virando pastor".

O candidato do União não gostou da provocação: "Vou na igreja desde que tenho um ano de idade". "Quem me conhece sabe que eu, sim, sou de família cristã", respondeu o peelista em seu encerramento.

Nos discursos, também disputavam para ver quem seria uma direita "mais raiz", com diferenças sutis de público.

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Fred, irônico e mais jovem, voltava suas falas à direita bolsonarista adepta do engajamento digital, que tem sido entusiasta de novos nomes como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) ou o do ex-coach Pablo Marçal (PRTB), que quase foi ao segundo turno em São Paulo.

Suas falas eram curtas e rápidas, debochadas, feitas no formato ideal para os cortes virais nas redes sociais.

Propagandas de Sandro Mabel (União) e Fred Rodrigues (PL) nas ruas de Goiânia
Propagandas de Sandro Mabel (União) e Fred Rodrigues (PL) nas ruas de Goiânia Imagem: Lucas Teixeira/UOL

Mabel olhava o público conservador clássico.

Como Caiado, suas falas eram voltadas à comunidade do agro, forte do estado, e a empresários. Suas mensagens sobre gestão e pautas voltadas a saúde e segurança pública, recheada de críticas à esquerda, buscavam conversar diretamente com o pai de família ou a dona de casa.

Embates como esse se disseminaram entre a direita "mais tradicional" e o bolsonarismo nesta eleição. Não por coincidência, Marçal ameaçou tirar o prefeito Ricardo Nunes (MDB) do segundo turno em São Paulo.

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Em Curitiba, a ascensão inesperada de Cristina Graeml (PMB), com apoio de Bolsonaro, preocupou o então vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), candidato do popular governador Ratinho Jr. (PSD).

Em Belo Horizonte, o deputado estadual bolsonarista Bruno Engler (PL) despachou o ex-apresentador Mauro Tramonte (Republicanos), que liderava as pesquisas com forte discurso conservador, já no primeiro turno.

Desde que tomou as eleições de 2018 de assalto e conseguiu eleger apoiadores por todo o país, Bolsonaro tinha conseguido unir a direita sob seu guarda-chuva. Não mais.

Nos três casos e em Goiânia, os candidatos apoiados pelo ex-presidente foram derrotados.

Eleição nacionalizada

Embora o resultado destas eleições não tenha ligação direta com as gerais, em 2026, Ronaldo Caiado sabia que tinha de mostrar poder em seu estado.

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Em 2024, funcionou: o União Brasil elegeu 95 prefeitos, mais do que um terço dos 246 municípios goianos.

A capital foi o ponto focal.

Membros do partido que acompanham o governador desde os tempos de PFL dizem que nunca o viram tão empenhado em uma eleição que não fosse sua. Caiado dedicou grande parte do mês de outubro à disputa do segundo turno.

No sábado (26), véspera da eleição, passou o dia com Mabel. Ocupava o lugar central da caminhonete numa carreata pelo manhã e, ao microfone, xingou a comitiva adversária, ao cruzar com o grupo de Fred.

Por onde ia, entre feiras e eventos públicos, era ele a estrela e era para ele os pedidos de selfies, não para o candidato agora eleito.

Bolsonaro percebeu isso. Não à toa, avisado pelo grupo do PL, o ex-presidente escolheu Goiânia para visitar no segundo turno. Foi votar com Fred, com Gayer e com os candidatos do partido nas outras duas maiores cidades do estado: Aparecida de Goiânia e Anápolis.

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Segundo correligionários, só a disputa com Caiado explica a escolha.

Fred Rodrigues (PL) teve apoio de Bolsonaro em Goiânia e associou o concorrente Sandro Mabel (União), que venceu a eleição, ao PT
Fred Rodrigues (PL) teve apoio de Bolsonaro em Goiânia e associou o concorrente Sandro Mabel (União), que venceu a eleição, ao PT Imagem: Reprodução

O PL estava confiante em Goiânia, em especial pela ascensão de Fred na reta final do primeiro turno, de onde saiu com o maior número de votos.

Bem-humorado, Bolsonaro não escondia a vontade de derrotar o governador. "Ele [Caiado] sabe que perder em Goiânia é mortal para ele", disse o ex-presidente na manhã do domingo (27), enquanto aguardava Fred votar, do lado de fora da escola.

Bolsonaro acompanhou a apuração com Fred na casa do senador Wilder Morais (PL-GO) e já tinha festa preparada em um restaurante de alto padrão na capital, mas teve de cancelar. Quando a apuração se aproximava do fim, deixou a mansão sem falar com ninguém e voltou a Brasília.

Nesta segunda-feira (29), Caiado respondeu à provocações, contando vitória.

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"[Foi a] segunda derrota [de Bolsonaro em Goiás]. Na primeira, ele lançou um candidato contra mim para governador, eu bati no primeiro turno. Agora, eu bati neles no segundo turno", disse Caiado ao UOL News, sem querer esconder sua relevância na eleição de Mabel.

Caiado não é o único

Partidos de centro-direita já testam nomes fora do meio bolsonarista em um possível embate com Lula, que deverá tentar reeleição daqui a dois anos. Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) tenta se viabilizar e não descarta mudar de partido.

No Paraná, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, já falou que Ratinho Jr. seria um excelente presidenciável. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem procurado fazer alianças longe da chamada extrema direita também de olho no Planalto.

31.jul.2019 - O então presidente Jair Bolsonaro ao lado do governador de Goiás, Ronaldo Caiado
31.jul.2019 - O então presidente Jair Bolsonaro ao lado do governador de Goiás, Ronaldo Caiado Imagem: Pedro Ladeira/Folhapres

Bolsonaro, por sua vez, tem ignorado a inelegibilidade e também se diz candidato, passando recado aos pretendentes. Deixou isso claro na frente de Tarcísio em um evento com Nunes e repetiu isso em Goiânia, anuindo a Caiado.

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Em sua terra, o governador goiano levou a melhor em 2024. O jogo está aberto para 2026, mas seu grupo já busca alianças para tentar viabilizá-lo.

"Bolsonaro vai desaparecer", disse Mabel ao UOL.

"Vai vir um Tarcísio, vai vir um Caiado, vai vir uma turma que vai fazer um centro-direita, que vai pegar um pouco desses radicais, porque vai desaparecer a turma deles. Não vai ter mais jeito."

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