PM deixou câmera no carro antes de matar jogador de futebol em favela do RJ
O policial militar Douglas de Oliveira Soares, que matou com um tiro de fuzil nas costas o estudante e jogador de futebol amador Alex Souza Araújo dos Santos, 19, deixou a câmera corporal no porta-luvas do carro.
O caso ocorreu em 4 de março de 2023 na rua Nossa Senhora da Penha, na favela Kelson's, na Penha, zona norte do Rio.
Desde 2022, o uso do dispositivo em fardas de agentes é obrigatório no estado.
A família de Alex não recebeu resposta do estado ou de órgãos competentes sobre as investigações da ação dos policiais, lotados no 16º batalhão, em Olaria, também na zona norte.
Alex Santos era descrito como atacante habilidoso e atuava em ligas amadoras. Ele jogava pelo Galáticos Futebol Clube na época em que foi morto.
Com o sonho de se tornar atleta profissional, ele estava prestes a se formar no ensino médio, matriculado no colégio Heitor Lira.
O UOL teve acesso ao inquérito registrado na Polícia Civil, que investigou "homicídio em decorrência de oposição à intervenção policial".
Os documentos mostram que, diferentemente de Soares, que estava na linha de frente, outros dois PMs da mesma ocorrência utilizaram câmeras corporais.
A investigação conta com um relatório de análise técnica da Hikvision do Brasil, a marca de câmeras corporais utilizada pela PM do Rio.
A empresa afirmou que fez uma investigação interna com a colaboração entre os laboratórios do Brasil e de sua matriz, na China.
Importante ressaltar que não temos qualquer registro prévio informando esse tipo de ocorrência em qualquer outra unidade, de forma que descartamos completamente a possibilidade de uma falha de sistema.
Hikvision do Brasil
O que diz a investigação
A assessoria de imprensa da Polícia Militar afirmou que um inquérito foi instaurado pela Corregedoria e, após conclusão, remetido à Auditoria da Justiça Militar em abril de 2024.
O órgão não informou qual a conclusão do inquérito nem a situação atual dos PMs envolvidos na ocorrência.
A Polícia Civil afirmou, em nota, que o inquérito que corre na DHC (Delegacia de Homicídios da Capital) está em fase final.
Os policiais militares envolvidos afirmaram em depoimento que se depararam com três homens armados que atiraram contra eles quando decidiram desembarcar da viatura.
Afirmaram que, após realizar uma abordagem em um suspeito, viram Alex correndo em um beco com uma arma na mão e mochila nas costas.
Os PMs dizem que Alex passou a atirar enquanto corria, quando os policiais foram em direção a ele, sendo parado apenas quando baleado.
A perícia feita a pedido da Polícia Civil, porém, identificou que a arma apresentada como sendo a de Alex era de brinquedo e não tinha propulsão para disparos.
A reportagem pediu para a assessoria de imprensa da PM uma entrevista com o cabo Douglas Soares, mas o pedido não foi atendido.
"Até quando?", questiona pai
O técnico de fibra Robson Araújo dos Santos, 43, pai de Alex, diz que o estado não apresentou nenhuma resposta sobre o que ocorreu.
"O estado matou meu filho com um tiro pelas costas, a menos de dez metros de distância, sem reação, sem nada na mão, e está por isso mesmo", afirma.
O estado que deveria defender, ultimamente mata mais do que defende. O estado é assassino. No dia do enterro dele, falei: 'mais quantos jovens precisam morrer'? De lá para cá, morreram vários. Várias famílias sem uma resposta. Robson Araújo dos Santos
O pai avalia que houve "má intenção" por parte do policial por esconder a câmera corporal na viatura.
"Acabaram com a vida de um jovem à flor da idade, que tinha tudo pela frente para desfrutar. A família sente muito a ausência dele. Deixou um buraco na família."
Até quando os nossos jovens vão perder a vida desse jeito? Tudo está nas mãos de Deus. Robson Araújo dos Santos
Procurado pela reportagem desde o dia 30 de janeiro, MP (Ministério Público) não se manifestou a respeito do acompanhamento das investigações do caso.
Linha do tempo
É possível traçar uma linha do tempo do que ocorreu na data e local onde Douglas foi morto, com base no relatório da Hikvision e da investigação da Polícia Civil, por meio da DHC (Delegacia de Homicídios da Capital).
Dia 4 de março de 2023
- 8h23: Câmera corporal é retirada do batalhão, mas não acoplada à farda do cabo Douglas Soares;
- 8h25: Câmera é colocada no bolsão lateral da viatura, impedindo a gravação da imagem, mas captando o áudio;
- 8h39: Câmera é colocada em um ambiente totalmente escuro, "tipo console de veículo", segundo a Hikvision;
- 9h45: Douglas Soares informa que está em patrulhamento, que recebeu a informação de um ponto de venda de drogas. Na sequência, planeja, com os demais policiais, uma operação no local com horário de início previsto para as 15h30;
- 11:04: Horário de último registro de gravação da câmera;
- 15h27: Douglas Soares aparece em imagem gravada por outra câmera corporal sem o equipamento no peito;
- 15h42: Ocorre o disparo feito pelo policial;
- 15h44: Douglas Soares aparece no local da morte com uma câmera acoplada à farda, mas não existem imagens gravadas por esse equipamento nesse momento;
- 15h49: Ocorre uma tentativa de desligar a câmera corporal;
- 16h12: Alex chega ao hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha, levado por um familiar após a população não deixar os PMs envolvidos fazerem o socorro;
- 18h07: O GPS da câmera registra o equipamento na Delegacia de Homicídios;
- 18h16: Ocorre a segunda tentativa de desligar a câmera corporal, seguida da tentativa de acessar o vídeo feito pela câmera;
- 19h09: Apresentação do caso na Delegacia de Homicídios;
- 19h22: Nova tentativa de acesso ao vídeo feito pela câmera;
- 22h24: Dados do GPS da câmera apontam ela próxima ao batalhão;
- 22h40: Nova tentativa de desligar a câmera corporal.
Dia 5 de março de 2023
- 0h32: Mais uma tentativa de acesso ao vídeo feito pela câmera;
- 1h08: GPS da câmera mostra que o equipamento foi levado a outra base da PM;
- 2h45: A bateria acaba e câmera desliga;
- 12h18: A câmera é recolocada no dispositivo do batalhão.
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