Um em cada cinco doadores na eleição de 2024 no Brasil apoiou Pablo Marçal
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Uma em cada cinco pessoas de todo o país que fizeram doações financeiras a candidatos nas eleições de 2024 teclaram o número da conta de campanha do empresário e influenciador Pablo Marçal (PRTB).
Marçal, que perdeu a disputa pela Prefeitura de São Paulo, recebeu dinheiro de 93,9 mil pessoas, segundo maior volume de doadores pessoas físicas da história das eleições brasileiras.
Análise feita pelo UOL sobre as informações dos doadores indica que Marçal recebeu apoio pulverizado em vários estados, e não apenas na capital paulista.
O número obtido pelo influenciador é inferior apenas ao das doações feitas ao então presidente Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022 (368 mil pessoas).
O fenômeno do apoio a Marçal, ocorrido principalmente via Pix, ficou claro apenas com a prestação de contas final do candidato, que ainda tramita no TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo).
Pelo menos 25,3 mil dos doadores (27%) têm empresas registradas na Receita, segundo cruzamento de base de dados feito pelo UOL.
Menos de 40% dessas empresas estão localizadas no estado de São Paulo —o restante se espalha por várias regiões do país.
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Os CPFs dos doadores também indicam apoio nacional: apenas 38% dos documentos foram originalmente registrados no estado paulista.
Há CPFs de Goiás, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal (10,5%), Minas Gerais (9%), Paraná e Santa Catarina (8,2%), entre outros estados.
Para efeito de comparação, 89% dos doadores de outras candidaturas no estado de São Paulo em 2024 têm o próprio estado como origem de registro do CPF.
Em suas redes sociais e entrevistas, Marçal se apresenta como pré-candidato à Presidência de 2026, mas seus planos podem esbarrar em seis procedimentos.
Eles tramitam na Justiça Eleitoral e podem levá-lo à inelegibilidade.
Os procedimentos se referem a três condutas consideradas abusivas pelo Ministério Público e por adversários na eleição de 2024:
- a promoção de um concurso de cortes de vídeo na internet;
- oferta de apoio político em troca de uma doação de R$ 5.000;
- divulgação de documento falso sobre um adversário -no caso, Guilherme Boulos.
A maioria (94%) das doações ao influenciador foi de R$ 1 a R$ 100.
A assessoria de Marçal informou que ele está de férias com a família nos Estados Unidos, por isso não estava disponível para comentar o cenário em entrevista por telefone ou videochamada, conforme solicitado pela reportagem.
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Cenário eleitoral de 2026
Pablo Marçal marcou 11% na mais recente pesquisa sobre a corrida presidencial, feita na última semana de janeiro pela Quaest e a corretora Genial Investimentos.
Ele aparece empatado tecnicamente com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem 13%, e Gusttavo Lima (sem partido), 12%.
Os três estão atrás apenas do presidente Lula (PT), que no levantamento aparece com 30% das intenções de voto.
Em uma eventual disputa de segundo turno contra Lula, Marçal teria 34% dos votos, e Lula 44%, de acordo com extrato da pesquisa obtido pelo UOL.
Lula e Marçal empatam na intenção de voto masculino (41% para cada).
Praticamente o mesmo ocorre em relação ao voto do público mais jovem, de 16 a 34 anos: Lula tem 41%, e Marçal, 42%.
O influencer bate Lula entre os eleitores evangélicos (47% a 31%), com ensino superior (42% a 35%) ou com renda mensal de mais de R$ 7.590 (43% a 35%).
Lula se sai melhor entre católicos (48% x 29%), pessoas com renda mensal de até R$ 3.036 (51% a 26%) e mais de 60 anos (48% x 21%).
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Teologia da prosperidade
Pablo Nobel, ex-marqueteiro de Tarcísio de Freitas e colaborador da campanha de Javier Milei, diz que ainda é cedo para cravar as peças do tabuleiro eleitoral de 2026.
Mas ele afirma que Marçal será um dos jogadores, por ter obtido nas eleições municipais "a mercadoria mais cara e difícil de conseguir em uma eleição: a atenção das pessoas".
"Ele pautou as discussões da campanha, levou isso para o campo dele."
Nobel chama a atenção para o crescimento da audiência evangélica no país, que ele estima em aproximadamente 30% do eleitorado.
"Quem conseguir galvanizar este voto evangélico e conservador terá grande importância. O pêndulo histórico está indo para a direita e dando espaço para o surgimento de um outsider da política", analisa.
Ele destaca no discurso de Marçal o que chama de "teologia da prosperidade", um sistema de crenças que dispensa a figura do Estado para enriquecimento e evolução pessoal, em oposição à ideia vendida pela política tradicional.
"Se fosse uma questão religiosa, o que ele faz é tirar a igreja da interlocução com Deus", compara Nobel.
A crença na ideia de que a decisão de se progredir é 100% individual dialoga com o pensamento evangélico, que na visão do marqueteiro é um gatilho muito forte para muita gente.
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Discussão sobre inelegibilidade
O peso do capital político construído por Marçal nas últimas eleições depende dos rumos dos processos a que ele responde na Justiça Eleitoral.
Cinco processos em que se discute a inelegibilidade do candidato por um período de oito anos estão prontos para serem julgados em primeira instância e devem ter desfecho nas próximas semanas.
As ações tramitam na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo e tratam de dois episódios que marcaram a campanha de Marçal:
- a promoção de um concurso com previsão de premiação a produtores de cortes do candidato para a internet;
- a oferta de apoio político em troca de uma doação de R$ 5 mil à sua campanha eleitoral.
Nos dois casos, Marçal é acusado de fazer captação de recursos de forma ilícita, usar indevidamente os meios de comunicação social e cometer abuso de poder econômico.
Os processos tramitam em conjunto, por tratarem dos mesmos temas, mas devem ter sentenças individualizadas.
O mesmo juiz está à frente dos casos: Antônio Maria Patiño Zorz, titular da 1ª Zona Eleitoral, responde pelo Dipo (Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária) e é responsável por analisar a legalidade de investigações conduzidas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público.
Zorz, considerado um magistrado com perfil independente, já demonstrou que considera grave a conduta do candidato.
Ele acatou liminares para suspensão das redes sociais de Marçal nas eleições e rejeitou pedidos de arquivamento dos processos, feitos pelos advogados de Marçal.
Zorz já recebeu as considerações finais nas duas ações, apresentadas pelas defesas de Marçal, pelo MP e por adversários.
Para quem o acusa, Marçal foi beneficiado nos dois processos por utilizar-se do potencial de financiamento das plataformas digitais e usuários de redes para fazer campanhas.
Para quem o defende, ele não cometeu irregularidades e pode ter havido uso indevido de seu nome por terceiros.
A futura sentença poderá ser revista em segunda instância pelos juízes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), ainda no segundo semestre deste ano, segundo advogados que acompanham a causa.
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Documento falso
O terceiro episódio que pode virar pedra no caminho de Marçal rumo a 2026 é a divulgação de um laudo falso contra Guilherme Boulos (PSOL) na antevéspera do primeiro turno da eleição à Prefeitura de São Paulo.
O caso é objeto de um sexto procedimento contra o empresário.
A Polícia Federal (PF) apresentou relatório final de sua investigação sobre o caso, e agora cabe ao MP-SP decidir se apresenta denúncia contra Marçal ou se pede investigações complementares.
Caso o MP ofereça denúncia e ela seja aceita pelo juiz, ele passa a ser réu em um processo criminal. Se for condenado em duas instâncias, pode ficar inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
Se for denunciado pelo crime de divulgar documento falso, ele não poderá ser punido por essa lei, pois esse é considerado um crime de menor gravidade.
No entanto, se sofrer duas condenações pelo crime de uso de documento falso, Marçal ficaria sujeito às restrições da Ficha Limpa.
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*Colaborou Cecília do Lago
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