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Prefeitura deu desconto a 62 mil moradias sociais em áreas nobres de SP

A Prefeitura de São Paulo concedeu incentivos fiscais e urbanísticos para a construção de 62,5 mil apartamentos destinados a famílias de baixa renda em áreas supervalorizadas de bairros como Pinheiros, Perdizes e Moema.

O número representa 20% do total de unidades investigadas pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo) por suspeita de fraude.

Desde 2019, o município liberou a construção de 6.695 unidades apenas no Itaim Bibi, zona oeste da cidade. Outras 2.741 foram autorizadas na Vila Mariana, por exemplo.

São prédios localizados em vias valorizadas, como as ruas Quatá, Clodomiro Amazonas, Alvorada, Loefgren e avenidas Moema, Pavão e Maracatins.

Nesta quarta-feira (29), a Promotoria de Habitação e Urbanismo denunciou a gestão Ricardo Nunes (MDB) à Justiça por omissão na fiscalização dos subsídios ofertados ao mercado imobiliário para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação Mercado Popular (HMP).

O órgão também pediu a suspensão imediata da política adotada.

Ambos os modelos são considerados moradia social, devendo atender, portanto, compradores cuja renda familiar não ultrapasse o limite de três salários mínimos (HIS 1), de seis salários mínimos (HIS 2) ou de dez salários mínimos (HMP).

Mas, em regra, as unidades colocadas à venda pelo mercado imobiliário como HIS e HMP têm metragem entre 24 e 30m2 e valores que normalmente ultrapassam R$ 20 mil o metro quadrado, como mostrou o UOL em 2024.

Em novembro, uma das reportagens informou que a Econ Construtora tinha colocado à venda um apartamento enquadrado como HIS 2 por quase R$ 1,5 milhão na Vila Olímpia, zona sul da cidade. Também é comum encontrar studios de 25 m² por R$ 500 mil.

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Para o MP, exemplos como esse são resultado da postura, deliberada ou não, do município de não controlar sua própria política habitacional, deixando de garantir que seu público-alvo seja atendido e de punir os infratores (construtoras e terceiros adquirentes) que burlaram a legislação urbanística aplicável.

Em nota, a PGM (Procuradoria Geral do Município) informou que a prefeitura ainda não foi notificada sobre a ação.

Prédio com apartamentos destinados a famílias de baixa renda, na Vila Olímpia
Prédio com apartamentos destinados a famílias de baixa renda, na Vila Olímpia Imagem: Adriana Ferraz/UOL

O interesse das construtoras

A construção de moradia social pela iniciativa privada é incentivada pelo município com benefícios fiscais e urbanísticos desde 2014, quando foi aprovado o atual Plano Diretor de São Paulo.

A meta é reduzir o déficit habitacional e levar moradores para regiões com mais oferta de empregos e de mobilidade, como nas proximidades das estações de metrô. Mas, sem controle, a política se resumiu apenas à concessão de subsídios ao mercado.

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"Esse quadro, além de estar servindo para atender precipuamente aos interesses econômicos de construtoras —que se beneficiam dos incentivos legais e potencializam suas margens de lucros—, vem gerando a produção de unidades habitacionais cujo valor de venda e metragem, como visto, não são compatíveis com os destinatários daquela política pública", sustenta a ação civil.

Ao longo de 58 páginas, os promotores Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, Camila Mansour Magalhães da Silveira, Roberto Luís de Oliveira Pimentel e Moacir Tonani Junior relatam que desde a instauração do inquérito, em outubro de 2022, têm tentado, sem sucesso, obter qualquer tipo de comprovação por parte da gestão Nunes relativa à fiscalização das isenções fiscais concedidas.

Eles citam uma reunião realizada em setembro de 2024 na qual o então secretário municipal de Habitação, Milton Vieira, declarou não ter estrutura material e humana para desempenhar tal tarefa.

"Essa suposta falta de estrutura administrativa evidencia que aquela política pública, diante da impossibilidade material de acompanhamento de sua implementação, foi mal desenhada e não deve continuar sendo implementada até que o poder público adote novos mecanismos de controle e aferição de resultados, visando corrigir seu rumo ou então descontinuá-la."

Prédio com apartamentos de moradia social na Vila Olímpia, zona oeste de São Paulo
Prédio com apartamentos de moradia social na Vila Olímpia, zona oeste de São Paulo Imagem: André Porto/UOL

Prefeitura diz ignorar valores de subsídios

Os promotores também ressaltam que autoridades municipais chamadas para depor afirmaram não saber o montante de desconto concedido às construtoras nos últimos dez anos.

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No texto, eles citam que "a falta dessas informações impede ao gestor controlar a eficiência e o custo da própria política".

O UOL consultou a prefeitura a respeito em outubro do ano passado, e a administração confirmou que não tinha um levantamento a respeito.

Já o prefeito Ricardo Nunes afirmou em entrevista de dezembro que a política agora sub judice é boa e que qualquer irregularidade compete ao MP investigar. Sobre a suspeita de as construtoras estarem aumentando seus lucros a partir de recursos públicos, Nunes disse "tudo bem".

Deixa as empresas lucrarem. A política é importante para incentivar a habitação popular e reduzir o déficit habitacional. Agora, se tem empresas burlando a lei, é o Ministério Público que tem de investigar. A culpa não é da prefeitura. Ricardo Nunes prefeito de São Paulo

Em dois anos de investigação, a prefeitura não aplicou qualquer multa às construtoras que comercializam HIS e HMP a clientes fora das faixas limites de renda. Ao menos até a apresentação do MP à Justiça. Nesta quinta (30), a gestão Nunes multou duas construtoras em mais de R$ 31 milhões e agora promete mais.

Em nota, a prefeitura de São Paulo explicou que as construtoras M.A.R. e Mf7 não cumpriram as regras para a construção de moradias populares, por isso foram multadas.

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"As sanções foram aplicadas a empresas que se beneficiaram de isenção de impostos para construir unidades habitacionais a população de baixa renda, mas desvirtuaram o processo, comercializando moradias a pessoas que não se encaixavam na modelagem de HIS (Habitação de Interesse Social) ou HMP (Habitação de Mercado Popular)", destacou.

A prefeitura também reiterou que chegou a fazer alteração na lei para que os cartórios só fizessem o registro do imóvel quando comprovada a renda do comprador, mas a legislação foi derrubada na Justiça, atendendo a pedido feito pelas próprias construtoras. "Vale ressaltar que a administração municipal já enviou notificações que abrangem mais de 24 mil unidades habitacionais. A fiscalização continuará, com a aplicação de sanções e continuidade das apurações sobre possíveis desvios."

Se a ação civil apresentada pelo MP for aceita e julgada procedente pela Justiça, a gestão Nunes ficará sujeita a multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.

Além de exigir fiscalização e suspensão da política, a prefeitura também terá de informar de forma transparente todos os empreendimentos construídos mediante incentivo fiscal, assim como os compradores das unidades HIS e HMP.

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