Só para assinantesAssine UOL

Juízes já ganham mais em penduricalhos e adicionais do que com o salário

Juízes e desembargadores do país receberam em 2024 mais em penduricalhos e adicionais do que com o próprio salário-base.

É a primeira vez em que isso ocorre.

O cálculo foi feito pela ONG Transparência Brasil a pedido do UOL e considera dados referentes a 21 tribunais —federais e estaduais— e um órgão do Judiciário em 17 estados e no Distrito Federal. Eles informaram anualmente seus custos desde 2020.

Os pagamentos adicionais a esse grupo representaram R$ 7 bilhões em 2024, sendo que o custo do salário-base no mesmo período foi de R$ 5,4 bilhões em valores corrigidos pela inflação.

Os penduricalhos —benefícios como auxílios, bônus e reembolsos isentos de Imposto de Renda, que podem furar o teto constitucional de R$ 46,3 mil— inflam os salários-base de uma elite do funcionalismo público do país.

Leia todas as reportagens da série Brasil dos Privilégios aqui.

"O salário-base é hoje secundário na remuneração de magistrados, que têm a maior parte do contracheque composto por adicionais. Muitos têm caráter indenizatório, sem incidência do teto constitucional", diz Cristiano Pavini, coordenador de projetos da Transparência Brasil.

O cálculo considerou tudo o que não é salário-base —entraram na conta, portanto, penduricalhos, férias e 13º salário.

Mas, de acordo com Pavini, foram os penduricalhos que mais pesaram na conta em 2024, especialmente o mais novo deles, a licença compensatória.

Continua após a publicidade

Esse bônus, concedido a juízes e promotores que acumulam funções, como substituir colegas em férias ou assumir funções que estão vagas, eleva em um terço a remuneração anual.

Imagem
Imagem: Arte/UOL

Penduricalho mais atrativo que reajuste

A criação de penduricalhos —como vale-peru, auxílio-livro, auxílio-moradia, ajuda de custo, entre outros— tornou-se mais atrativa para o alto escalão do Judiciário do que o reajuste dos próprios subsídios.

Um reflexo disso é que a última vez em que o STF enviou ao Congresso pedido de reajuste foi há três anos, quando Luiz Fux era presidente do Supremo.

Na ocasião, Fux conseguiu aprovar reajuste de 18%, parcelado em três anos (de 2023 a 2025). Seus sucessores (Rosa Weber e Luís Roberto Barroso) decidiram não enviar propostas nesse sentido.

Continua após a publicidade

Servidores do Tesouro Nacional e da Receita Federal estão em greve, em operação padrão desde o ano passado por reajuste salarial.

No Judiciário, ninguém cruzou os braços por isso. São dois os motivos:

  • Enquanto para aumento salarial é preciso de autorização do Legislativo, os penduricalhos são criados por simples atos administrativos. Basta uma canetada de um presidente de Tribunal de Justiça para o pagamento do adicional sem burocracia.
  • Penduricalhos são considerados verbas indenizatórias, sobre as quais não incidem impostos. Já o salário-base, por ser verba remuneratória, está sujeito a tributação.

A Constituição garante a vereadores, deputados federais e estaduais e senadores autonomia para aumentar os próprios salários.

Já o Judiciário tem usado os penduricalhos para elevar seus rendimentos.

Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte Imagem: Robert Leal/Divulgação
Continua após a publicidade

Salário no Brasil supera o norte-americano

Em conversas reservadas, conselheiros do CNJ reconhecem que, quando se trata de criação de benesses para o Judiciário, não há paralelo no mundo com o que ocorre no Brasil.

Nos EUA, por exemplo, os salários são propostos pelo Congresso.

A Constituição estabelece que eles não podem ser reduzidos durante a permanência no cargo para evitar que o Legislativo use isso como forma de pressão.

No início de cada ano, o contribuinte norte-americano é informado sobre o vencimento fechado dos seus juízes.

Em 2024, um juiz brasileiro ganhou, em média, 46% a mais do que um magistrado norte-americano.

Continua após a publicidade

Valores informados no site do U. S. Department of Labor (o Ministério do Trabalho dos EUA) mostram que um juiz lá recebeu US$ 243,3 mil em 2024, enquanto o brasileiro, US$ 360 mil no mesmo ano, considerando dados do CNJ.

Para comparar os valores em moedas diferentes, o economista Júlio Brunet, ex-diretor do Banrisul, aplicou —a pedido do UOL— o índice de paridade do poder real, que considera o custo de vida de cada país.

O cálculo considerou a remuneração de juízes federais no Brasil para comparação com os magistrados norte-americanos (média de R$ 72 mil brutos por mês no ano passado).

"O salário brasileiro é muito alto na comparação internacional. Somos um país de renda média, que não pode ter juiz ganhando essa fortuna. É um problema ético. Aqui não é a Suécia, estamos no Brasil. Querem ficar ricos no setor público", afirma Brunet.

No passado, juízes ganhavam um salário, mas eles alteraram a lei para receber indenização e pagar menos Imposto de Renda. Foram aumentando a participação no orçamento sem controle. E o Congresso não fez nada para conter isso.
Júlio Brunet, economista

Continua após a publicidade

O economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, especialista em contas públicas, chama a atenção para a desigualdade no mercado de trabalho brasileiro.

"Não existe coisa mais clara na Constituição do que o teto salarial, e eles [elite do Judiciário] não cumprem. Como um governo explica que não pode dar aumento real para o salário mínimo?", diz Santos.

O economista Sérgio Gobetti, especialista em contas públicas, aponta um caminho para solucionar a distorção.

"Uma boa forma de resolver isso é revogar todos os privilégios de uma só vez. Isonomia total."

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.