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Volta de privilégio extinto há duas décadas faz juízes ganharem R$ 1 milhão

O TJ-RO (Tribunal de Justiça de Rondônia) fez dez pagamentos superiores a R$ 1 milhão a dez juízes em fevereiro de 2024.

Os contracheques com valores elevados são resultado da volta do quinquênio, que havia sido extinto pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2006.

Também chamado no jargão de ATS (adicional por tempo de serviço), o quinquênio é um pagamento adicional de 5% sobre o salário feito a cada cinco anos.

Um juiz com cinco anos de trabalho passa a receber 5% a mais no contracheque; um que tenha dez anos recebe 10%, e assim sucessivamente, até o limite de 35%.

Se considerarmos os depósitos acima de R$ 500 mil na conta, 117 magistrados de Rondônia foram agraciados.

A gratificação é desvinculada do desempenho, na contramão de práticas recomendadas por especialistas.

O que os juízes de Rondônia receberam em 2024 é o valor acumulado desse benefício entre 2006 e 2022.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) havia extinguido o adicional em 2006, após uma reforma no sistema de pagamentos do Judiciário.

A reforma incorporou o quinquênio ao subsídio, parte principal do salário do juiz. Assim, não havia por que pagá-lo duas vezes.

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O subsídio mensal dos magistrados constitui-se exclusivamente de parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, de qualquer origem.
Nelson Jobim, então ministro do CNJ, em texto da Resolução 13, de 2006 do CNJ

A resolução foi clara sobre a extinção de vários penduricalhos recebidos por juízes até hoje, citando explicitamente o "adicional por tempo de serviço" como um dos benefícios extintos.

Leia todas as reportagens da série Brasil dos Privilégios aqui.

O retorno do penduricalho

Associações de magistrados tentam recuperar o adicional desde a extinção. Aos poucos, estão conseguindo.

Em 2021, o TJ-RJ aprovou em decisão sigilosa o pagamento dos retroativos, animando outras associações de magistrados.

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Em novembro de 2022, o CJF (Conselho da Justiça Federal) também decidiu retomar o pagamento do quinquênio para os juízes federais.

Em ação movida pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais), a desembargadora Mônica Sifuentes argumentou que o adicional era um "direito adquirido" dos juízes federais que ingressaram na magistratura antes de 2006 e que não poderia ter sido extinto.

A maioria dos colegas concordou com esse entendimento.

Julgo procedente o pedido da requerente para determinar o restabelecimento dos ATS percebidos pelos seus associados em maio de 2006.
Mônica Sifuentes, desembargadora, na decisão que restabeleceu o quinquênio

Com a decisão, juízes federais que começaram na carreira antes de 2006 (entre eles a própria Mônica, juíza federal desde 1993) podem voltar a receber adicionais que deixaram de ser depositados por 16 anos, corrigidos pela inflação.

O CNJ referendou a decisão do CJF, e outros tribunais, como o TJ-RO, passaram a reinstituir o quinquênio, citando o posicionamento do conselho.

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Questionado pelo UOL, o CNJ diz que segue entendimento do STF. Afirma apenas que orienta os tribunais a "seguir" a legislação vigente.

Leia aqui a íntegra da nota enviada à reportagem.

O TCU (Tribunal de Contas da União) chegou a barrar o pagamento do quinquênio para os juízes federais em abril de 2023, mas a interrupção durou pouco.

A decisão do TCU foi derrubada em dezembro, por decisão do ministro do STF Dias Toffoli.

Na prática, Toffoli, em ato isolado, deu sinal verde para que os órgãos do Poder Judiciário reinstituam um benefício que foi extinto há quase duas décadas por determinação constitucional já referendada pela jurisprudência da Suprema Corte. Num efeito cascata, outros tribunais já estão reintroduzindo o quinquênio e autorizando o pagamento retroativo.
Bruno Carazza, no livro 'O País dos Privilégios'

4.12.2024 - Ministro Dias Toffoli, durante sessão no STF
4.12.2024 - Ministro Dias Toffoli, durante sessão no STF Imagem: Ton Molina /Fotoarena/Folhapress
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O tamanho da conta

STJ (Superior Tribunal de Justiça) e TST (Tribunal Superior do Trabalho) estão entre os órgãos que restabeleceram o quinquênio recentemente, no fim de 2024.

Levantamento do UOL mostra que nove tribunais usaram os termos "quinquênio", "ATS" ou "adicional por tempo de serviço" nas folhas de pagamento entregues ao CNJ em 2023.

Esse número subiu para 35 tribunais em 2024.

Há pouca transparência sobre o benefício nessas folhas salariais, o que dificulta o cálculo de seu impacto total.

O UOL descobriu em maio de 2023 que haviam sido pagos R$ 677 milhões em atrasados, só no TJ-RJ. Os valores, porém, não haviam sido identificados nos dados entregues ao CNJ.

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Os dados do TJ-RO também não estão com discriminação clara nos contracheques entregues ao conselho. A reportagem encontrou o detalhamento no site do tribunal.

A corte de Rondônia respondeu ao UOL que os pagamentos incluem "adicional de tempo de serviço retroativo (ATS), reconhecido judicialmente em razão de ação ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros em 2007, e que não foi pago no tempo devido no passado".

Leia aqui a íntegra da resposta do tribunal.

Na época da decisão que reinstituiu o pagamento aos juízes federais, o TCU calculou em R$ 870 milhões a despesa só para os magistrados da Justiça Federal.

O impacto nos cofres públicos considerando todos os tribunais que começam a pagar o quinquênio, portanto, deve ser bilionário.

A PEC dos quinquênios

O impacto da volta do pagamento do quinquênio aos juízes antigos é grande e pode ficar ainda maior.

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Tramita no Senado uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) estendendo o adicional por tempo de serviço a todos os juízes, promotores e procuradores, independentemente de terem iniciado as carreiras antes de 2006.

A PEC teve seu texto alterado ao ser aprovada em 2024 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Além de juízes e integrantes do Ministério Público, também passou a conceder o quinquênio a advogados públicos da Advocacia Pública da União, Estados e Distrito Federal, membros da Defensoria Pública, delegados da Polícia Federal e ministros e conselheiros de Tribunais de Contas.

Se a proposta passar como está, o impacto seria de R$ 42 bilhões, segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado.

Ou seja, no momento em que o Ministério da Fazenda começa a cortar benefícios sociais para ajustar as contas no governo, os congressistas criariam uma nova despesa bilionária.

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