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Programas pós-enchente patinam, e 12 mil famílias esperam por moradia no RS

Dez meses após as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio do ano passado, cerca de 12 mil famílias que perderam suas casas na tragédia ainda esperam novas moradias. Os programas federais, responsáveis por suprir a maior parte do déficit, enfrentam dificuldades na contratação e entrega dos imóveis.

Raio X

Governo identificou 12,3 mil famílias que precisam de moradias após enchentes. Segundo a Casa Civil, 7.600 destas famílias tiveram as casas destruídas e outras 4.700 precisarão ser reassentadas por motivos variados, como a perda de condições de habitação na área em que moravam.

Mais de 700 pessoas ainda estão em abrigos. O número de desabrigados, que chegou a 80 mil durante as enchentes, caiu rapidamente nas semanas seguintes, à medida que as pessoas voltaram para as próprias casas ou foram para a de parentes. Dados do governo estadual apontam, porém, que 765 pessoas continuam em abrigos, a maioria na região de Porto Alegre.

Projetos de moradia têm avanço lento. O governo federal liberou, de junho a agosto do ano passado, mais de R$ 3 bilhões para compra ou construção de até 22 mil imóveis, mas até o momento foram assinados 890 contratos pela Caixa. O banco é responsável pela operação do Minha Casa, Minha Vida - Reconstrução, que atende as vítimas da enchente.

Iniciativas estaduais também estão longe da conclusão. Após as cheias, o governo estadual prometeu construir até 2,5 mil casas, mas entregou, por enquanto, 332 moradias temporárias, feitas para desativar os abrigos. Procurada pelo UOL, a Secretaria de Habitação do RS afirma que "trabalha na seleção de terrenos para a construção de moradias definitivas".

Nem todos os atingidos entraram na fila por moradia. Até o momento, segundo o governo federal, 5.200 famílias foram consideradas aptas a se cadastrar em uma das quatro linhas de atendimento às vítimas da enchente. Para participar, é preciso se enquadrar na faixa de renda de cada programa e entregar a documentação conforme as exigências da Caixa.

Movimentos por moradia cobram agilidade. Segundo entidades locais, consultadas pelo UOL, muitas famílias decidiram deixar os abrigos para recuperar algum grau de autonomia e privacidade, mas seguem em condições precárias. Parte delas voltou para casa apesar dos danos, enquanto outras estão hospedadas com parentes ou vivem em ocupações mantidas pelas entidades.

Maiores abrigos seguem com mais de 300 pessoas cada um. São dois CHA (Centros Humanitários de Acolhimento) abertos em julho do ano passado em Porto Alegre e Canoas, na região metropolitana. Algumas famílias que estavam nessas unidades já foram transferidas para moradias temporárias, mas ainda não têm expectativa de conseguir casas definitivas.

Como as soluções de habitação demoram, a maioria das pessoas voltou para casa "no osso do peito" [com resiliência]. Encararam o barro, emendaram janelas e portas e se mudaram de volta. Porque é muito difícil passar tantos meses em abrigo; as famílias procuram voltar para sua privacidade.
Cristiano Schumacher, dirigente do MNLM (Movimento Nacional de Luta por Moradia) no RS

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A perda de moradia se juntou a questões econômicas que atingiram os trabalhadores. São microempreendedores que não conseguiram reabrir o negócio depois da enchente, a agricultura familiar que foi afetada; então muita gente perdeu a fonte de renda da família e ainda enfrenta problemas como o preço exorbitante da cesta básica, por exemplo.
Jurema Louzada Alves, coordenadora da UNMP (União Nacional por Moradia Popular) no RS

O que explica a situação

Governo Lula reconheceu demora nos programas. Ao apresentar um balanço das ações federais de reconstrução do RS, no final de janeiro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, declarou que "o ritmo não está adequado" e que é preciso dar mais celeridade às entregas.

Há quatro linhas de atendimento para as vítimas da enchente. Uma delas, anunciada ainda durante a calamidade, é a compra assistida: famílias com renda mensal de até R$ 4.700 podem escolher um imóvel já pronto no valor de até R$ 200 mil, que será comprado pela Caixa. As outras três linhas preveem construção dos imóveis e foram pensadas para o médio e o longo prazo.

Programas esbarram em problemas burocráticos. A modalidade de compra assistida, por exemplo, foi criada para acelerar o processo, porque o governo adquire imóveis para entregá-los diretamente aos beneficiários, o que evita a demora da construção. Na prática, porém, as famílias têm dificuldades para regularizar sua documentação junto às prefeituras e à Caixa.

Autoridades pedem flexibilidade nas regras. Na reunião em que o governo federal apresentou o balanço das ações no RS, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), afirmou que a população, em especial de baixa renda, enfrenta problemas na regularização. "A vida real se impõe. Tem pessoas que vivem há 20 anos em áreas irregulares sem pagar IPTU, água ou luz", disse.

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Dos 22 mil imóveis previstos, foram assinados 5.600 contratos de compra ou construção até o final de janeiro. A assinatura, porém, não significa a entrega do imóvel: na maior linha de atendimento, que prevê a construção de 15,6 mil imóveis, 3.800 contratos já foram efetivados, mas 448 obras começaram efetivamente.

O método de compra assistida é a política que me parece, em tese, a mais rápida. Você vai lá e escolhe um apartamento atendendo aos parâmetros da Caixa Econômica Federal; a Caixa compra e entrega a chave para a pessoa. Só que tem um processo burocrático gigantesco aí no meio, analfabetismo digital de muitas pessoas que não conseguem acessar os aplicativos para assinar, aquela coisa...
Gabriel Souza (MDB), vice-governador do RS

05.fev.2025 - Obras de moradias temporárias em Cruzeiro do Sul (RS) para desabrigados das enchentes
05.fev.2025 - Obras de moradias temporárias em Cruzeiro do Sul (RS) para desabrigados das enchentes Imagem: Maurício Tonetto / Governo do RS

Próximos passos

A Caixa tenta agilizar o atendimento. Procurado pelo UOL, o banco informou que fez parceria com correspondentes bancários credenciados para auxiliar os interessados nos imóveis. Em janeiro, o Ministério das Cidades anunciou que vai pagar uma remuneração de R$ 792 aos agentes que fizerem esse trabalho.

Para os movimentos por moradia, essa medida pode destravar os processos. Para Cristiano Schumacher, do MNLM, o auxílio nas tarefas burocráticas é importante para a maioria dos beneficiários.

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O governo do RS diz ter construções em andamento. O estado autorizou, a princípio, a construção de 1.298 casas definitivas, divididas em dois lotes. Procurada pelo UOL, a secretaria de habitação do estado afirmou que já iniciou as obras em dois municípios, mas que a maioria está na fase de seleção dos terrenos, o que é feito em conjunto com as prefeituras.

Em geral, a prefeitura lançava os dados da pessoa no sistema de defesa civil, com o laudo da casa perdida, e a partir dali ela fazia todo o trabalho de busca, documento, banco, vistoria. Agora o Ministério da Cidade fez uma portaria para remunerar os agentes da Caixa que fizerem esse trabalho. Então isso talvez facilite
Cristiano Schumacher, do MNLM

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