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PM do Paraná testa câmeras enquanto letalidade continua entre as maiores

Desde abril de 2024, a Polícia Militar do Paraná tem testado 300 câmeras corporais em agentes, sem previsão de adotá-las definitivamente.

Os equipamentos são importantes para diminuir os casos de letalidade policial no estado, dizem especialistas.

O contrato de aluguel dos aparelhos está em vigor desde novembro de 2023. O governo paga R$ 84 mil por mês a uma empresa goiana.

Policiais militares de oito cidades do estado, incluindo Curitiba, usam câmeras.

Questionada sobre resultados, a Secretaria de Segurança Pública afirmou ao UOL que aguarda o "término deste período de testes" para avaliar a compra.

Um projeto de lei apresentado em fevereiro de 2024 pelo deputado estadual Renato Freitas (PT) quer tornar as câmeras obrigatórias no estado. O texto tramita na Assembleia Legislativa.

Na última quinta-feira, o governador Ratinho Junior (PSD) anunciou a implantação de um projeto piloto com 50 câmeras corporais na PM, com recurso de tradução simultânea.

O governo diz que, além de monitorar o trabalho dos agentes, o equipamento ajudará no atendimento de turistas. A data de entrega das câmeras, no entanto, não foi divulgada.

A PM paranaense foi a sexta mais letal do país em 2023, em números absolutos, segundo levantamento mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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A corporação está no grupo das seis mais violentas desde 2015.

O pico ocorreu em 2022, com 479 mortes, deixando o Paraná atrás apenas da Bahia (1.467), Rio (1.330), Pará (623) e Goiás (539).

Em 2023, o número caiu para 341 registros. O Fórum ainda não disponibilizou dados do ano passado.

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Na taxa de letalidade policial por 100 mil habitantes, o Paraná é também um dos dez estados com os maiores índices desde 2015. Naquele ano, ocupava a sexta posição, com 2,2 mortes por 100 mil habitantes.

Desde 2020, a taxa se mantém em torno de três mortes por 100 mil habitantes.

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Especialistas em segurança pública classificam que ocorre uso excessivo da força quando há mais de 15 civis mortos para cada policial morto.

No Paraná, essa proporção subiu de 28,8 em 2019 para 48,71 em 2023.

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Acompanhamento

Em fevereiro, o MP-PR (Ministério Público do Paraná) divulgou um levantamento de confrontos policiais ocorridos no estado em 2024.

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O relatório diz que houve 433 confrontos, resultando em 413 mortes em ações da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Guarda Municipal.

O estudo, porém, não detalha quantas dessas mortes foram causadas por cada corporação. Informa apenas que a PM esteve envolvida em 424 confrontos (97,7%) —incluindo casos de lesão corporal.

Segundo o promotor Ricardo Lois, do Gaesp (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública), esses dados servem para atuar preventivamente junto aos órgãos de segurança pública, discutindo estratégias para a redução da letalidade.

"Os temas ligados à segurança pública têm uma complexidade enorme. Você não pode querer chegar na mesa de discussão e falar: 'isso aqui vocês vão ter que fazer agora'", afirma.

O grupo também analisa o perfil das vítimas e as dinâmicas dos casos. Por exemplo, se a pessoa morta estava armada e qual foi a ocorrência inicial que levou à abordagem.

O relatório indica que, dos 433 confrontos registrados, em 315 (72,7%) as vítimas estavam armadas.

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Lois destaca um dado inédito: o motivo da abordagem policial.

Em 182 casos, os policiais estavam em perseguição; em 112, atendiam a ocorrências de violência doméstica; e em 71, cumpriam mandados judiciais.

O Gaesp, diz o promotor, também pretende analisar a relação entre a saúde mental dos policiais e os desfechos das operações.

O promotor do MP-PR Ricardo Lois
O promotor do MP-PR Ricardo Lois Imagem: Thiago Domingues/UOL

Série histórica

Segundo Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, investigações de letalidade policial costumam ser frágeis.

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"Estudos indicam que a maioria dos casos é arquivada sem investigação aprofundada", diz.

Isso ocorre, conta, por fatores que vão desde a falta de estrutura até a ausência de vontade política para levar apurações adiante.

Autor de um estudo sobre repressão estatal, desenvolvido na Universidade Federal do Paraná, o sociólogo Vyctor Grotti afirma haver um "arredondamento" nas investigações, que favorece o agente de segurança.

Grotti analisou 33 casos ocorridos entre 2017 e 2018 no estado e identificou diferentes formas desse "arredondamento".

Entre elas, associação da vítima a crimes anteriores, uso de expressões como "ameaça iminente" para justificar a ação policial, omissão de detalhes da dinâmica do evento e priorização da versão de legítima defesa.

O depoimento de um policial tem presunção de veracidade, ou seja, é considerado uma prova relevante.

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Documentos oficiais analisados por Grotti destacam ainda a atuação policial com negrito e repetição de argumentos, reforçando a versão dos agentes e garantindo o arquivamento dos casos.

Em 2022, a Defensoria Pública do Paraná publicou uma nota técnica propondo medidas para aprimorar o controle da atividade policial, incluindo o uso obrigatório de câmeras em uniformes e viaturas, além de garantir maior transparência e acesso à Justiça para familiares das vítimas.

A nota foi embasada em um estudo da própria defensoria sobre 302 mortes registradas pela Polícia Militar do Paraná.

A análise revelou que 53% das pessoas mortas por intervenção de policiais militares em 2021 não tinham condenação criminal, e 38% nunca haviam tido qualquer contato com o sistema de justiça.

Outro ponto do documento critica o fato de o oficial responsável por coordenar os Inquéritos Policiais Militares pertencer à mesma unidade do policial investigado, algo que não é proibido.

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A defensoria aponta ainda que Ministério Público e Polícia Civil só têm acesso às provas e informações após a conclusão do inquérito militar, o que dificultaria investigações mais rigorosas.

Procurada pelo UOL desde o final de 2024, a Defensoria Pública do Paraná não quis dar entrevista. Afirmou que "prefere, no momento, aguardar a conclusão da próxima nota para tratar do tema publicamente".

Em nota, a assessoria de imprensa disse que o Núcleo de Política Criminal e da Execução Penal (Nupep) da instituição realiza "pesquisas e análises periódicas sobre casos de pessoas mortas por intervenção policial" e atua juridicamente nesses casos.

A defensoria afirmou manter diálogo institucional para que a polícia siga a lei e os direitos humanos, buscando mais controle e segurança jurídica na atividade policial.

Entre as medidas defendidas, cita o uso de câmeras em uniformes e viaturas, além de ações para assegurar que "familiares das pessoas mortas nessas circunstâncias tenham maior acesso à Justiça".

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