Famílias relatam ameaça da PM antes e depois da morte de parentes no Paraná
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Familiares de pessoas mortas em operações da Polícia Militar do Paraná denunciam intimidação e ameaças, antes e depois dos episódios.
Pedro Araújo, 59, afirma que seu filho foi perseguido por policiais durante meses até ser morto em uma abordagem, em dezembro de 2021.
A polícia diz que Danilo Araújo, 29, participou de um assalto em Ibiporã, a 20 km de Londrina, onde morava. Uma viatura identificou um carro com as mesmas características do usado no crime e tentou abordá-lo.
Conforme boletim de ocorrência, os suspeitos não obedeceram à ordem de parada e fugiram, até baterem o veículo em um muro. Eles tentaram escapar.
A PM diz que um deles apontou uma arma para os agentes, que reagiram com um disparo. Danilo levou cinco tiros. O outro correu para um terreno próximo, mas foi encontrado.
O filho de Pedro já havia sido preso por roubo e estava em regime aberto, com tornozeleira eletrônica.
Segundo o pai, assim que o rapaz saiu da prisão, viaturas passaram a rondar a casa deles, parando na frente e apontando os faróis para dentro.
"Fiz uma pizzaria e ele estava trabalhando comigo e com o irmão. Queriam impedir que ele voltasse a se reintegrar à sociedade", diz o pai.
Pedro denunciou a intimidação à subcorregedoria da PM, em janeiro, março e abril de 2021. Ele instalou câmeras na frente da casa para registrar as abordagens.
"Falei para os meninos que se a polícia abordassem eles, fossem para frente de casa, para ficar filmado", conta.
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná não comentou o caso.
Pedro chegou a ouvir os disparos que mataram seu filho. Ao chegar ao local, a poucos metros de onde morava, também levou dois tiros de borracha, para se afastar.
Segundo ele, um dos agentes envolvidos é morador do mesmo bairro e havia ameaçado seu filho antes.
"Não se davam bem desde a adolescência. Na quadra, jogando bola, discutiam, xingavam o outro. Desde então ele vinha jurando de matar o moleque."
Pedro acusa fraude no inquérito.
Segundo a perícia, foram encontradas apenas uma submetralhadora artesanal e seis cápsulas compatíveis com a arma.
Ele afirma, no entanto, que o delegado incluiu no relatório um revólver e cápsulas incompatíveis.
"Não quero aqui acobertar o erro que o meu filho cometeu", diz Pedro.
"Mas também eu não vou aceitar que a polícia continue usando a farda e o privilégio da fé pública para assassinar nossos filhos e destruir nossas famílias."
A Secretaria de Segurança Pública do Paraná não respondeu os questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.

Parâmetros, controle e isenção
O sociólogo Daniel Hirata classifica como "dramática e cruel" a busca de familiares por respostas judiciais sobre a morte de vítimas da letalidade policial.
Ele coordena o Projeto Mirante, na Universidade Federal Fluminense (UFF), que utiliza ciências forenses para buscar justiça para vítimas de abusos do Estado.
Hirata diz haver uma espécie de revitimização dessas famílias, que acabam correndo atrás "da elucidação dos crimes e da celeridade dos processos" —algo que não deveria ser sua responsabilidade.
Para o sociólogo, embora o Ministério da Justiça tenha criado parâmetros para o uso da força policial, ainda faltam protocolos claros que garantam segurança jurídica para policiais e cidadãos.
Além disso, ele reforça a importância de mecanismos de controle, tanto internos quanto externos, com parâmetros bem definidos e autonomia.
"Em casos de mortes envolvendo policiais, no Brasil, as denúncias ou arquivamentos geralmente se baseiam em testemunhos, especialmente dos próprios policiais, enquanto as evidências periciais são relegadas", destaca.
"Isso deveria ser o contrário, com as provas periciais sendo prioritárias."

'Ligaram a sirene para ninguém ouvir'
Assim como Pedro, Jussara* também registrou denúncia contra policiais na corregedoria da PM antes de o filho Marcos* ser morto.
O rapaz foi agredido por agentes em um parque de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, no início do ano passado, relata.
"Chegou em casa todo machucado, os pés cortados, a boca cortada", lembra ela.
O alvo da polícia, diz a mãe, era o outro filho, que já havia sido preso.
Após a agressão, Jussara levou o rapaz a uma delegacia e fez um boletim de ocorrência. Ele passou por exame de corpo de delito.
Dias depois, conta a mulher, PMs invadiram a casa dela e quebraram câmeras de segurança. A família não estava no local.
Dois meses depois, os PMs voltaram. Ao ver a viatura, Marcos correu para a casa de um vizinho. Os policiais o alcançaram. Entraram no quintal e o espancaram.
Segundo a polícia, houve troca de tiros. A mãe contesta.
O espaço não tem marcas de tiro que sugiram um confronto. Testemunhas contaram que ele foi arrastado até a garagem e morto.
"Ligaram a sirene do carro para ninguém ouvir os gritos dele", afirma ela.
Desde a morte de Marcos, Jussara e vizinhos passaram a receber ameaças.

Saiu da cidade com medo
Claudimir Ferreira do Nascimento, 64, precisou se mudar após a morte do filho, William Lucas de Souza, 25.
Segundo o pai, William estava num bar em Ponta Grossa (PR), quando gravou uma ação da Rone (Rondas Ostensivas de Natureza Especial), na qual policiais agrediram pessoas.
"Meu filho foi revistado, não encontraram nada com ele e o liberaram. Mas disseram que ele filmou a abordagem", afirma.
No boletim de ocorrência, os PMs contam que ouviram tiros contra eles quando saíram do bar. Os disparos, relatam, vieram de terrenos do entorno.
Os policiais revidaram. William levou sete tiros e foi encontrado parcialmente suspenso em um muro com as mãos enganchadas em pregos.
Claudimir diz haver inconsistências no boletim de ocorrência.
Segundo ele, o documento afirmava que William estava sobre um muro com pontas de ferro afiadas, o que impossibilitaria sua movimentação, ainda mais durante um suposto tiroteio.
Além disso, o boletim diz que foram encontrados uma arma e um carregador de modelos diferentes, que não funcionam juntos.
Após a contestação, conta o pai, ele passou a ser seguido.
Numa das vezes, diz ter sido observado por pessoas em um carro e uma moto, no bairro.
Com medo, saiu da cidade.
"Amigos me ajudaram, cedendo uma casa para eu morar com um aluguel reduzido. A rua era toda monitorada por câmeras. Foi quando consegui um pouco de sossego."
Outro lado
O UOL procurou a Secretaria de Segurança Pública do Paraná, solicitando entrevista, mas a pasta respondeu com uma nota oficial.
O governo disse que o estado registrou em 2024 os menores índices de homicídios e roubos da sua história —queda que atribui a um trabalho integrado e investimentos em segurança pública.
Segundo dados oficiais, foram 144.811 casos em 2024, contra 165.112 no ano anterior. Os roubos caíram de 23.640 em 2023 para 18.115 em 2024.
O governo afirmou que as polícias seguem protocolos rigorosos de treinamento para o uso gradual da força, mas que confrontos armados são um risco constante.
Nesses casos, garante, o uso de armas de fogo ocorre apenas como último recurso.
Ainda conforme a nota, as forças de segurança possuem corregedorias e atuam em parceria com o Ministério Público para acompanhar todos os registros policiais.
*Nomes trocados para preservar a identidade das pessoas.
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