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Procuradoria do município de SP cria 'auxílio-iPhone' de R$ 22 mil

A PGM (Procuradoria-Geral do Município) de São Paulo, órgão vinculado à prefeitura, criou em fevereiro um auxílio de R$ 22 mil para cada procurador comprar eletrônicos, como computadores, smartphones e tablets. O valor é disponibilizado a cada três anos.

De acordo com as regras, os procuradores escolhem os itens que desejam comprar e enviam pedido de reembolso, com nota fiscal, à PGM.

Os campeões de solicitação, entre os pedidos que estão públicos, são o iPhone, por até R$ 10,2 mil, e o MacBook, por até R$ 16,5 mil.

Os produtos não são incorporados ao patrimônio público, ou seja, passam a pertencer aos procuradores de forma privada.

O custo total do auxílio pode passar de R$ 8 milhões, já que São Paulo tem 397 procuradores na ativa.

É a categoria com a maior remuneração do funcionalismo municipal: R$ 46 mil, em média, fora auxílios. Mais que o prefeito, que recebe R$ 38 mil. Procuradores também podem exercer advocacia privada.

O benefício é pago com dinheiro de um fundo gerido pela PGM, órgão municipal, mas que tem autonomia administrativa e orçamentária.

Este fundo é abastecido por honorários advocatícios pagos por quem perde ações judiciais contra a prefeitura e por um percentual das dívidas quitadas com o município.

Em nota, a PGM disse entender que estes recursos não são públicos, e que pertencem, de forma privada, aos procuradores.

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Como o UOL mostrou em março, não há consenso jurídico de que esse recurso seja privado, pois os procuradores já são remunerados pelo poder público para exercerem suas atividades.

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Imagem: Arte/UOL

Quem são os beneficiários

Os procuradores do município são advogados públicos, responsáveis pela defesa e assessoramento jurídico da administração municipal.

O novo auxílio para a categoria foi criado no âmbito do Programa de Despesas para Aperfeiçoamento Tecnológico da PGM. Consta de ordem interna não divulgada publicamente, com autorização de reembolso de 41 tipos de eletrônicos, até o teto de R$ 22 mil.

A única contrapartida é que o procurador permaneça no cargo por dois anos.

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Não é necessário justificar a necessidade do equipamento.

A prefeitura já oferece aos procuradores computadores para uso no ambiente de trabalho - equipamentos que pertencem ao município.

O UOL perguntou ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) se ele concorda com o pagamento do auxílio, mas não teve resposta.

A PGM diz que os eletrônicos são importantes para o bom desempenho do trabalho dos procuradores.

"Além de o poder público não oferecer itens tecnológicos essenciais à rotina dos advogados públicos, como software, microfone, fones de ouvido, smartphones etc., outros podem não ter a qualidade adequada, como os computadores", afirma o órgão, em nota.

Secretário da Fazenda comprou iPhone e MacBookAir

O UOL identificou mais de trinta pedidos de reembolso feitos entre março e maio.

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Outras dezenas de pedidos de reembolso estão com acesso restrito, sob justificativa de conterem dados pessoais dos procuradores.

Um dos pedidos de reembolso foi feito pelo secretário da Fazenda, Luis Arellano, que é procurador de carreira.

O secretário comprou um notebook MacBook Air, um iPhone 15 e um adaptador, no valor total de R$ 22,3 mil, e pediu o reembolso. No final de abril, teve o pedido deferido no valor do teto de R$ 22 mil.

Arellano não quis se manifestar sobre o tema.

Como procurador, tem remuneração de R$ 46,3 mil, que é o valor máximo que um servidor público pode receber, equivalente ao salário de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) — o chamado teto do funcionalismo.

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Imagem: Arte/UOL
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Monitor gamer, teclado gamer, mouse gamer

O procurador Lucas Reis Lyra pediu reembolso de R$ 20,4 mil, referentes a um "monitor gamer" de 27 polegadas, um "mouse gamer" e um "teclado mecânico gamer", além de um smartphone e um notebook. O reembolso está sob análise.

O procurador Luiz Eduardo de Almeida Neves Carvalho solicitou reembolso do mesmo "monitor gamer", além de um MacBook e um Kindle, no total de R$ 20,3 mil. O pedido já foi aprovado por órgão da PGM.

De acordo com o fabricante do "monitor gamer", o produto proporciona "uma experiência gamer sem interrupções nem complicações, mesmo durante os momentos épicos nos games".

Já a fabricante do "mouse gamer" comprado por Lyra diz que o produto "une o melhor de design e performance para gamers".

Segundo a PGM, "a qualificação de um equipamento eletrônico como 'gamer' não significa que é destinado somente à utilização em jogos de computador".

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Tanto Lyra quanto Carvalho têm 27 anos e foram nomeados procuradores há menos de um ano. Ambos tiveram remuneração de R$ 43,8 mil em fevereiro, mais um adicional de R$ 22,5 mil não especificado.

A reportagem perguntou aos procuradores sobre a razão para compra de itens na modalidade gamer, mas eles disseram que a pergunta deveria ser encaminhada à PGM, no caso de Lyra, e à prefeitura, no caso de Carvalho.

A respeito de Lyra, a PGM disse que o procurador escolheu o monitor gamer "pelo fato da tela ser maior, ter melhor resolução, melhor visualização e conforto ocular, segundo o próprio fabricante". A prefeitura não respondeu por Carvalho.

Procuradoria defende que dinheiro não é público

A PGM diz que os R$ 22 mil em eletrônicos para cada procurador são custeados "sem o desembolso de dinheiro público", mas com o uso de uma "verba de caráter privado".

"O dinheiro utilizado vem do valor pago a título de verba honorária pelos devedores do Município que são acionados judicialmente pela procuradoria do Município para saldar tais dívidas com a Prefeitura e somente é creditado se e quando a atuação da Procuradoria for vitoriosa", afirmou a PGM, em nota enviada ao UOL.

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O argumento da PGM se baseia em uma mudança no Código Civil de 2015, que autorizou que advogados públicos também recebessem honorários.

Leis federais e estaduais aprovadas em seguidas entenderam que parte do valor pago em dívidas ao poder público também seria considerada honorários, o que fez explodir a arrecadação.

Em 2019, no entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu que a soma da remuneração dos advogados públicos com os honorários não poderia ultrapassar o teto do funcionalismo.

O tribunal não previu a hipótese de auxílios serem pagos fora do teto, como é o caso do auxílio-eletrônicos dos procuradores de São Paulo.

Em nível federal, a legalidade de auxílios fora do teto criados pela AGU (Advocacia-Geral da União) — especificamente, auxílio saúde e auxílio alimentação — está sob análise do TCU (Tribunal de Contas da União).

Outro ponto de questionamento se refere à natureza da verba que paga os auxílios. Os advogados públicos defendem que se trata de recursos privados, deles próprios. Outros operadores do Direito argumentam o contrário.

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Em 2018, Raquel Dodge, então procuradora-geral da República ingressou com 28 ações, uma no nível federal e outras 27 estaduais, contestando o pagamento de honorários para advogados públicos e defendendo que a verba é pública.

Em decisão de 2024, o ministro Herman Benjamin, hoje presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), escreveu que os recursos deveriam ser usados em nome do interesse público, "não deveriam ser vertidos para o patrimônio individual dos membros, muitos sem impedimento para o exercício da advocacia privada".

O correto seria classificar [as verbas] atualmente como renúncia tácita de receita, e não como receita privada (...) Em nenhum momento [a lei] reconheceu ou conferiu natureza privada a tais verbas, tendo, pelo contrário, dispensado a estes recursos tratamento reservado aos assuntos de interesse tipicamente públicos.
Raquel Dodge, então procuradora-geral da República, em 2018

A possibilidade de advogados públicos perceberem verbas honorárias sucumbenciais não afasta a incidência do teto remuneratório.
Alexandre de Moraes, ministro do STF, em 2020

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