'Não vem nada de bom': Bolsonaro se recusou a desmobilizar 8 de Janeiro
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"Estupidez sem tamanho. O presidente Bolsonaro precisa se manifestar contra isso AGORA. Pelo amor de Deus. Eu estou no ar na Jovem Pan."
O tenente-coronel Mauro Cid recebeu essa mensagem às 16h36 de 8 de janeiro de 2023, momento em que manifestantes bolsonaristas invadiam as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
O autor da mensagem era Paulo Figueiredo Filho, neto do ex-presidente da ditadura João Figueiredo que se tornou um influenciador digital bolsonarista nas redes sociais.
Na conversa, ele demonstrou preocupação com as consequências do ato para os bolsonaristas e pediu que o ex-ajudante de ordens arrancasse uma declaração do ex-presidente —que poderia ser transmitida ao vivo pela rádio— para desmobilizar os invasores.
Bolsonaro estava nos EUA na ocasião. Após tentar obter apoio dos comandantes das Forças Armadas em uma ação golpista que o mantivesse na cadeira de presidente, ele deixou o Brasil em 30 de dezembro para não passar a faixa presidencial a Lula em 1º de janeiro.
A conversa de Mauro Cid com Figueiredo revela, pela primeira vez, que Bolsonaro se recusou a fazer uma manifestação pública durante a execução dos atos de destruição.
A defesa de Bolsonaro disse ao UOL que não teve acesso aos diálogos, mas afirmou que o ex-presidente efetivamente se manifestou em rede social na noite do 8 de janeiro, criticando a invasão.
"Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", escreveu Bolsonaro.
A publicação, entretanto, foi feita somente às 21h17 em uma de suas contas de rede social —depois que os atos já haviam sido contidos pela Polícia Militar. Àquela altura, o governo federal já havia decretado intervenção na segurança pública do DF.
Procurado, Paulo Figueiredo confirmou o teor da conversa com Mauro Cid.
"O diálogo corrobora o meu posicionamento que é público: o 8 de janeiro foi uma armadilha na qual alguns caíram de forma estúpida. O presidente Bolsonaro, felizmente, ouviu o meu conselho e reviu sua posição, condenando os atos em seguida. O que é interessante e curioso para mim é: se a PF tinha acesso a estes diálogos e sabia da minha posição, por que aparentemente me indiciaram sem base alguma? E por que a PGR me denunciou? É claro que o motivo é político", disse ao UOL.
A conversa de Cid e Figueiredo faz parte de um conjunto de mensagens guardadas no telefone celular do tenente-coronel Mauro Cid que, até hoje, permaneciam inéditas.
O aparelho foi apreendido pela Polícia Federal em 3 de maio de 2023, quando o tenente-coronel foi alvo de uma operação sobre fraudes em certificados de vacinas.
O UOL teve acesso ao conteúdo do telefone celular de Cid, num total de 77 gigabytes. São mais de 20 mil arquivos e, apenas no WhatsApp, 158 mil mensagens.
Uma parte do material se tornou público após a conclusão das investigações da PF, mas o restante ainda estava sob sigilo.
'A panela de pressão estoura'
Cid respondeu a Paulo Figueiredo que havia conversado com o ex-presidente e que ele não queria se pronunciar.
Em seguida, o tenente-coronel manifestou concordância com os atos de destruição, sem deixar claro se aquela era uma opinião sua ou do ex-presidente.
"Não vai [se manifestar]... Acabei de falar com ele", afirmou Cid a Figueiredo. "Isso já deixou de ser por ele. O povo já não aguenta mais tanta arbitrariedade", completou Mauro Cid.
Bolsonaro foi tornado réu pelo STF, sob acusação de tentativa de golpe após sua derrota nas eleições.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apontou que as ações golpistas articuladas no fim de seu governo foram um estímulo aos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro.
Paulo Figueiredo também foi denunciado por Gonet, sob acusação de vinculação com os atos golpistas.
Veja os trechos inéditos do diálogo:

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