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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

EUA 'desmentem' relação entre óvnis e ETs. E essa não é uma boa notícia

Colunista do UOL

15/02/2023 04h00

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Há quem tenha respirado aliviado ao ouvir Karine Jean-Pierre, porta-voz da Casa Branca, dizer, em uma entrevista coletiva, que não há "nenhuma indicação de alienígenas ou atividade extraterrestre envolvidas com as recentes quedas de objetos voadores (ainda) não identificados nos Estados Unidos". Não deveria.

O anúncio, que suspendeu o burburinho que começava a tomar corpo nas redes, veio em tom de sarcasmo. A secretária disse que ama "E.T. O Extraterrestre", filme clássico de Steven Spielberg, mas que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa.

A pressa em desanuviar os boatos é explicável.

Desde que mundo é mundo, a humanidade aguarda, entre aflita e assombrada, uma invasão alienígena já descrita em livros, filmes e séries de ficção científica.

Prova disso é o pânico coletivo que se instalou nos EUA, na noite de 30 de outubro de 1938, quando a rede de rádio CBS noticiou, em edição extraordinária, a chegada de marcianos à cidade de Grover's Mill, em Nova Jersey.

O anúncio, na verdade, era um episódio de uma radionovela inspirada em "A Guerra dos Mundos", do escritor H.G. Wells. A dramatização de Orson Welles, levada ao ar em formato jornalístico, às vésperas do Dia das Bruxas, foi acompanhada por seis milhões de ouvintes.

Parte da audiência achou que a história era real e entrou em polvorosa, fugindo em massa e congestionando linhas telefônicas e rodovias para escapar do Armagedon.

Dessa vez, quase 85 anos depois, os Estados Unidos não deixaram a ficção correr solta e trataram de enterrar as teses alarmistas em nota oficial — embora, provavelmente, não tenham convencido aquela ala da audiência prensada entre o ceticismo e a conspiração, disposta a divulgar por aí que alguém está escondendo a verdade de você.

Que ninguém estranhe quando aquele tio enfurnado no WhatsApp espalhar no grupo da família um texto adaptado dizendo que, se soubéssemos o que aconteceu nos céus de Montana (EUA), ficaríamos enojados.

(Na minha cidade, ao menos, o que não faltam são lendas urbanas envolvendo a ação sigilosa de militares que teriam voltado em estado de choque de uma missão envolvendo a autópsia do E.T de Varginha — no Tiro de Guerra, a lenda é que ninguém podia citar a cidade mineira perto de um sargento que supostamente testemunhou o episódio, sem risco de tomar esporro.)

Do imbróglio mais recente envolvendo óvnis e o Pentágono, o que se sabe até agora é que os fanáticos de verde e amarelo, que dias atrás se reuniram em Porto Alegre para pedir intervenção militar com os celulares nas cabeças, não conseguiram atrair para este lado do universo as atenções dos seres estranhos.

Esta é a boa notícia.

A má é que o perigo é ainda maior.

Até o momento, segundo a Casa Branca, autoridades chinesas não ofereceram justificativas convincentes sobre o que faziam os balões "made in China" observados sobre o território norte-americano e no céu de outros 40 países — do Oriente Médio ao Afeganistão, passando por vizinhos da América Latina.

Fosse um tour pelo interior paulista, o objeto voador que os chineses dizem ser só um balão meteorológico não veria, de cima, nada de mais, a não ser plantação de cana-de-açúcar e pé de figo — no caso do meu quintal.

Acontece que ao menos um equipamento sobrevoou uma base militar em Billings, em Montana, onde mísseis balísticos intercontinentais são guardados para eventos nada fictícios. Não parece ser coincidência.

O roteiro sobre extraterrestres, desses que vêm à Terra pedir para a humanidade buscar conhecimento, já ganhou contornos de ficção documental sobre guerra e espionagem.

Em apenas dez dias, o Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte informou ter detectado (e abatido) quatro óvnis. Um deles sobrevoava a fronteira do Canadá. Outro foi derrubado no Oceano Ártico, perto do Alasca.

Em Michigan, um objeto em formato octogonal entrou na rota da aviação civil, voando a menos de 20 mil pés (ou seis quilômetros de altura) e, por isso, também foi abatido.

Na guerra (até aqui apenas) retórica, a China diz também ter identificado dez balões dos EUA sobrevoando seu território. "A primeira coisa que os americanos deveriam fazer é olhar para si mesmos e alterar seus modos, não manchar [a reputação chinesa] e incitar o confronto", disse o porta-voz da chancelaria chinesa, Wang Wenbin.

É um tom bastante acima dos seis mil pés da linguagem diplomática, num momento em que a tensão entre as duas potências militares só escala. Os ruídos são provocados em terra firme, mais precisamente em Taiwan e no Sudeste Asiático, onde os EUA têm ampliado sua presença militar.

Entram na conta também os pontos conflituosos na relação dos dois países com a Rússia, em guerra contra a Ucrânia há quase um ano. Lá, como agora, a escalada militar foi o epílogo de uma longa troca de acusações públicas entre as autoridades de Kiev e Moscou.

Guimarães Rosa, se estivesse vivo para acompanhar a refrega, diria que viver à sombra de uma Guerra Fria 2.0 ainda é muito perigoso. E cravaria: o alienígena, assim como o diabo, não existe. Existe é homem humano. E essa não é uma boa notícia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL