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Michel Alcoforado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Episódio entre Maria Rita e Preta Gil mostra como empatia virou produto

Reprodução/YouTube
Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do TAB

13/03/2021 04h01

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Semanas atrás, a Amstel, empresa de cerveja patrocinadora do Big Brother Brasil, comemorou com ressalvas a saída da rapper Karol Conká. Preocupada com os rumos do programa, convocou seus embaixadores da diversidade para clamarem por empatia. O batalhão deveria lembrar a todos que passado é passado, jogo é jogo e Conká tem o direito de retomar a vida profissional.

Preta Gil puxou o barco e jogou a boia para Thelminha (ex-BBB, médica e alvo constante dos racistas) e para Pequena Lo (psicóloga e Tik Toker) para que clamassem por empatia.

Maria Rita não gostou e colocou o dedo na ferida: tem gente vendendo opinião sobre questões éticas?

Climão!

Não sei o que andam ensinando as cartilhas da esquerda festiva, mas não é de hoje que tudo está à venda. Aprendi com Antônio Prata que no capitalismo, mais cedo ou mais tarde, tudo termina em crédito ou débito. Inclusive os sentimentos.

Não há felicidade de pai e mãe que não leve em conta os gastos com fralda, enxoval, educação e o resto. Não há chegada aos céus sem que alguém banque a conta do caixão, das flores, do velório, das coroas, da cova e da lápide. Não salvam nem mesmo as juras de amor. Essas só serão guardadas na lembrança se contarem com beijos doces com gosto de chocolate e com perfume dos buquês de flores. Já faz tempo que devemos boa parte da nossa humanidade ao saldo das contas bancárias.

Pelas últimas notícias, parece que a empatia é um lançamento de mercado. A emoção pode ser definida como uma capacidade psicológica de nos colocarmos no lugar dos outros e de sentir os dilemas e os sofrimentos de uma outra pessoa como se fossem nossos. Entrou na moda porque muitos acreditam que só através do uso massivo da empatia o mundo se transformará em um lugar melhor. Tolice!

Se Maria Rita ficou pasma com a venda de sentimentos, ficará ainda mais preocupada quando descobrir que a empatia, além de ser vendida a granel por aí, virou um produto para fazer bem à alma. A empatia é como a gordura trans, como o frango turbinado, como a banha de porco, a soja transgênica e o carboidrato. Não é amor, é cilada. Pelo menos na opinião de Paul Bloom.

O pesquisador cognitivista da Universidade de Yale lançou "Contra a Empatia" em 2016 e, com o livro, trouxe um novo olhar para o debate. Seguindo os passos de Adam Smith, filósofo e economista do século 18, o psicólogo defende que a empatia é um veneno para o tecido social. Ele resume seu argumento em três pontos.

Primeiro, o autor defende que, por ser um sentimento relacional, a empatia gera um apreço maior por questões menores. Problemas individualizados tiram mais o sono dos militantes do movimento do que os problemas globais, afinal "é fácil darmos mais importância a uma menininha que caiu num poço do que às crises que afetam milhões de pessoas, como a mudança climática".

Outro ponto é que os empáticos pensam a vida dos outros a partir de suas próprias convicções. Nessa confusão, não é raro atribuírem seus próprios problemas e soluções a contextos muito distantes. O resultado é péssimo.

Por fim, como os empáticos assumem (ou presumem) sentir as dores dos outros, também se sentem no direito de apontar algozes, e partem para a retaliação. É uma confusão de escalas que só corrói nossa capacidade de julgamento. Guiados pelo sentimento traiçoeiro, ainda segundo Bloom, os empáticos carregariam uma flor numa mão e uma foice na outra.

A confusão é tanta que, nos termos de Bloom, é possível dizer que Jair Messias Bolsonaro é um poço de empatia (Ele mesmo! Quem diria?). Sobretudo se olharmos para suas trapalhadas com a pandemia. Por só ouvir a horda que lhe rodeia ou os abobalhados do cercadinho do Palácio do Planalto, o mandatário se solidariza com histórias que lhe chegam aos ouvidos, mas é incapaz de se dar conta de que estamos diante da maior crise sanitária, econômica e social dos últimos cem anos. O caso da carta, lida na live de quinta-feira (11), sobre um homem endividado que teria se suicidado, ilustra bem o ponto.

Olhando um problema global a partir da própria trajetória como atleta de paraquedismo mal sucedido, resume a pandemia a uma gripezinha, prescreve remédios sem comprovação científica e se apega a outras curandices. Sem falar no fato de que sai por aí a caçar inimigos que não passam de moinhos de vento, mirando seu ódio contra a OMS (Organização Mundial da Saúde), a China e os governadores comprometidos com a ciência.

Bloom defende que lutemos pela valorização da compaixão e de seus sinônimos, como por exemplo, misericórdia. Os sentimentos, em geral atribuídos aos religiosos, revelariam o "lado bom da empatia". Isso porque, em vez de lutarmos para nos colocar no lugar dos outros, o caminho é sempre o de reconhecer a dor dos outros. É compreender o outro na sua outridade, procurando ajudá-lo nos seus próprios termos. Este sim é o único caminho possível para construir um mundo melhor.

Quando sentimentos viram produto e embaixadores de marca podem ser comprados a preços módicos, o risco que corremos é que qualquer um compre o que quer e use do jeito que bem entender. Bolsonaro foi ao mercado e "comprou" um tipo de empatia. Nós sentimos o impacto de como ele a usa todos os dias.

Faz pouco tempo que Maria Bethânia, entidade cantante, numa live paga pelo GloboPlay, chamou todos na chincha e colocou, nos modos de Paul Bloom, as coisas no lugar.

Se é verdade que no capitalismo tudo está à venda e tudo pode ser anunciado em feira livre, aconselho ao presidente Jair Bolsonaro que escute os gritos de Bethânia. Na próxima vez, quando for ao mercado, no lugar da empatia, compre vacina, respeito, verdade e misericórdia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL