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Michel Alcoforado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A crise no fast fashion prova que nada é para sempre. Nem a Forever 21

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do TAB

19/06/2022 04h01

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Na última semana, os dirigentes da loja de moda no Brasil tiveram de aceitar as determinações do escritório central. A partir deste domingo (19), segundo informações publicadas no Estadão e replicadas na imprensa, as 15 lojas da Forever 21 espalhadas pelo Brasil deverão fechar as portas. Esse é o primeiro passo para acabar com a operação da empresa no país.

O evento podia ser mais um resultado das trapalhadas de executivos ambiciosos ou das tormentas rotineiras do capitalismo, mas não. É simbólico. Ele revela a nova cara da economia brasileira, as ambições e desejos dos consumidores em contínua transformação e as mudanças no modelo de negócio das grandes varejistas de moda.

A Forever 21 chegou ao país em março de 2014. Apesar de as coisas já estarem desandando por aqui, havia ainda algum otimismo entre nós e a promessa de que um futuro melhor se concretizaria de algum jeito (ai, que saudade!). Embalados pelo aumento do poder de compra, uma moeda valorizada e acesso ao crédito, os brasileiros invadiram as lojinhas das metrópoles norte-americanas com fome de consumo.

Os corredores do shoppings e dos outlets da Flórida, de Nova York e da Califórnia viviam abarrotados de gente a misturar português com inglês carregando sacolas gigantes, malas lotadas e muita vontade de comprar. Os alertas dos economistas sobre os sintomas de falência da economia brasileira não eram ouvidos porque estávamos dispostos a lidar com outras dúvidas. Tudo se resumia a "Senhor, crédito ou débito? Vai pagar em real ou dólar?".

A ganância era tanta que, naquele ano, os gastos dos turistas no exterior atingiram um novo recorde. Foram 25.6 bilhões de dólares enviados para a gringa.

Para poupar o esforço dos clientes de viajarem e terem de lidar com o desespero de fazer todas as compras caberem em duas malas de 32 kg (ai, que saudade!), marcas internacionais aterrissaram nas capitais do país. A Forever 21 foi uma delas.

A empresa nasceu no subúrbio de Los Angeles em 1984. Um casal jovem de imigrantes coreanos, até então empregados de um posto de gasolina, se deram conta de que a clientela mais ligada à moda tinha carros melhores, reclamava menos dos preços e tinha mais grana para gastar. Foi assim que decidiram pegar as parcas economias, abrir uma lojinha de roupas (naquela altura se chamava Fashion 21) na Figueroa Street para oferecer produtos produzidos na Coreia do Sul, com fôlego para durar apenas uma estação, mas conectado às últimas tendências da moda e com ótimos preços.

Logo o nome mudou para Forever 21. Se o número 21 trazia consigo a ideia de inovação e de conexão com o futuro, o forever (sempre, em inglês) dava a sensação de que aquele era um modelo de negócio com estabilidade suficiente e fôlego para a eternidade.

No primeiro aniversário, a lojinha de Dong-Won Chang e Jin Sook saltou de um faturamento de 35 mil dólares para US$ 700 mil. Um crescimento de 2.000% em apenas um ano. E, nesse ritmo, 30 anos depois, chegaram a 800 lojas espalhadas pelo mundo. O negócio rendeu uma fortuna mais de 4.5 bilhões de dólares ao casal e o fez um dos mais ricos do planeta.

No entanto, no capitalismo, por vezes o remédio, quando mal aplicado, vira veneno. O fechamento das lojas não é só culpa da agonia econômica nacional ou do chamado "custo Brasil" — sempre lembrado pelos especialistas como resposta para todas as moléstias. Em 2019, a Forever 2021 declarou falência nos Estados Unidos e no Canadá. O caldo entornou no exterior antes de chamuscar por aqui. Os problemas são outros.

A mesma modernidade que potencializou a construção de um império e deu ao casal de coreanos a oportunidade de fazer fortuna está atingindo, fortemente, toda a indústria fast fashion no mundo.

Os executivos esqueceram que, na modernidade, tudo que é sólido se desmancha no ar. Modelos de negócio parrudos, lucrativos e eficientes, se não estiverem diretamente conectados ao espírito do tempo, às tensões culturais, à satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores, dissolvem-se e desaparecem como se nunca tivessem existido.

A indústria de moda vive esse momento. O apego aos relatórios de tendência de bureaus internacionais não foi capaz de instruí-los sobre as transformações na relação dos consumidores com o vestir, nem sobre a aceleração da nossa relação com o tempo.

O fast fashion se consolidou nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia nos anos de 1990. Os gigantes do setor se aproveitaram das potencialidades abertas pela globalização para resolver um dilema antigo: como massificar o consumo, dado que cada cultura tem um jeito de vestir diferente? A internacionalização dos costumes imposta pela globalização permitia uma pasteurização da indumentária e, por consequência, a massificação na oferta de produtos. Além disso, a aldeia global pulverizou a cadeia produtiva pelos quatro cantos do planeta em busca de menores custos.

Com isso, inventou-se um setor focado em oferecer roupa barata e de qualidade duvidosa, conectada às últimas tendências dos desfiles de moda de Paris, Milão ou Nova York para um público jovem e antenado. O modelo de produção era rápido, incessante e massivo de maneira que, em pouco tempo, as lojas ofereciam peças inspiradas nas criações recentes de estilistas desejados. O modelo atendia aos sonhos dos consumidores, cabia em seus bolsos e era lucrativo. Era bom para todo mundo.

No entanto, os consumidores que se formaram dentro desse modelo envelheceram, e os jovens de hoje não encontram o que precisam nessas lojas com a rapidez de que precisam.

Os millennials — nascidos entre 1980 e 1995 —, agora mais velhos e com mais dinheiro no bolso, começam a valorizar atributos de qualidade como tecido, modelagem e costura que a indústria não é capaz de entregar com baixo preço. Com isso, eles migram para marcas menores, com mais qualidade, propósito e maior preocupação com práticas sustentáveis e de apoio à sociedade. Eles não vão mais a essas lojas com a frisson de antes.

Já a geração Z — os nascidos entre 1995 e 2010 — têm outra visão sobre o papel da moda. Ao contrário das outras gerações que se vestiam para se inserir em grupos maiores, eles escolhem o look para marcar, com uma força ainda maior, a própria individualidade na multidão. O problema é que eles mudam as máscaras sociais com frequência e com uma rapidez enorme. Com isso, para os Zs, toda compra é uma compra descartável. Por causa disso, precisa ser barata e chegar aos armários antes que eles mudem de ideia sobre quem são. O tempo é outro.

Desse modo, o fast fashion pautado pela massificação tem dificuldade de atender a jovens preocupados com unicidade e com um intervalo ínfimo entre "eu quero", "eu compro" e o "eu uso". Nesse jogo, não basta mais ser fast. É preciso ser ultra fast.

Nessa toada, a chinesa Shein, queridinha dos Zs, vai bem. Com vendas online em mais de 150 países, a empresa coloca todas as semanas, pelo menos, 3 mil modelos novos nos aplicativos de venda.

O modelo de produção é focado nos desejos dos consumidores. Os algoritmos "leem" as tendências de buscas dos clientes e a navegação no app. As informações servem para endossar a produção de pequenos lotes de roupa com cerca de 100 peças. As que venderem mais ganham o status de itens de sucesso e são produzidas em larga escala. O modelo de negócio reduz o ciclo de produção para apenas uma semana, do design até o empacotamento. Enquanto, nas gigantes de fast fashion, no mínimo, precisa-se de 3 a 4 semanas.

Com isso, as ultrafast fashion, como Shein e Shopee, conseguem atender melhor aos consumidores e vão ocupando o lugar que antes era de Zara, H&M, Forever 21, entre outras.

No entanto, é preciso lembrar que a lógica ultrafast acirra ainda mais os dilemas impostos pela indústria da moda. O consumismo, o senso de descartabilidade dos produtos, a produção desmedida de resíduos nos lembra que, se tudo continuar do mesmo jeito, nem as empresas, nem o planeta durarão para sempre.

Tudo indica que o Grande Fim está mais perto, para todos.