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Paulo Sampaio

REPORTAGEM

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Paulo Guedes vira estátua de 2,20 m e viraliza: 'Deboche ou homenagem?'

A obra faz alusão ao personagem Mandalorian, o caçador de recompensas da franquia Star Wars  - Instagram
A obra faz alusão ao personagem Mandalorian, o caçador de recompensas da franquia Star Wars Imagem: Instagram

Colunista do UOL

02/08/2021 17h17

A princípio, tomando-se apenas a imagem postada no Twitter, houve dúvida. Seria um deboche ou uma homenagem? No texto, contudo, ficou claro que o empresário Pedro Albuquerque Filho, autor do post, é um adorador do ministro da Economia, Paulo Guedes. CEO da empresa de tecnologia Traders Club (TC), em São Paulo, Albuquerque Filho encomendou um bonecão de 2,20 m de altura, com o rosto do ministro (que mede cerca de 1,70 m), e instalou no saguão do "novo andar da empresa". A indumentária faz alusão ao personagem título da série The Mandalorian, da franquia Star Wars, lançada em 2019 pelo canal Disney+.

"[Guedes] aguentou porrada de todos os lados, é dos nossos. Guedeslorian is in the house!", postou Albuquerque Filho. E: "Estamos esperando o próprio [ministro] aqui no TC para a inauguração da estátua. Não aceitamos menos do que sua presença no escritório do TC".

Ao que tudo indica, vão esperar sentados. Paulo Guedes, que nunca primou pelo bom humor, não anda tendo motivos para rir de si. Ele, que entrou no governo de Jair Bolsonaro com poderes de superministro, assistiu há poucos dias o desmembramento da pasta da Economia e a recriação da do Trabalho e Previdência. A fim de entregar a Casa Civil para Ciro Nogueira (PP), figura emblemática do centrão, Bolsonaro realocou Onyx Lorenzoni (DEM) para o comando do ministério redivivo.

"Coisa constrangedora"

Mandalorian é um caçador de recompensas (até aí, fica clara a homenagem), que se vê às voltas com o dilema de seguir seu caminho ou salvar uma figura chamada Grogu — que, na série, é representada por uma espécie de bebê. Bolsonaro? O youtuber Felipe Neto lamentou "a coisa constrangedora". "Meu Deus do céu, a crise é estética também."

Em resposta a Neto, um entusiasta de "Guedeslorian" postou: "Orgulho dos amigos do TC (...) Cravaram um hater novo... Nelipe Feto."

A representação de Paulo Guedes — com a fisionomia tristonha, diga-se de passagem — provocou comentários empolgados e de desprezo. "Tem de levar o Guedes aí! Para tirar foto ao lado da estátua. Aí, vai bater 10 mi de impressão", disse um.

"Esperamos @fabiofaria e a @secomvc se pronunciar e levar guedes pra tirar uma foto nessi marco! (sic)", animou-se outro.

Em reportagem publicada pelo UOL, o deputado Kim Kataguri (DEM-SP) opinou: "Escolhido [Guedes] para promover as reformas liberais, deixou o ódio e o ressentimento por nunca ter participado do Plano Real e do debate econômico corroê-lo, apoiando medidas antiliberais, só para se manter no poder, sob forte influência de Palpatine (Bolsonaro)." Palpatine é o vilão inequívoco da série.

Wallace Landim, o Chorão, presidente da Abrava (Associação Brasileira de Veículos Automotores) e liderança dos caminhoneiros, concorda: "Um imperador que falou que ia salvar o mundo, mas matou todos."

O autor da obra

Falo com Charles Caan, proprietário da agência que produziu o boneco. Ele confirma as dimensões (2,20 m, 45 kg), mas parece traumatizado com o assunto: "Então, velho, eles queriam causar um burburinho, embarquei na loucura, não imaginei o rumo que ia tomar." Receoso, ele se apressa em esclarecer que não tem posicionamento político: "Velho, eu não sou de um lado nem de outro..."

O temor de se ver "politicamente" envolvido por causa da estátua foi precedido pelo de ser cobrado legalmente pela Disney, detentora dos direitos sobre Star Wars. Para evitar transtornos, Caan conta que modificou a armadura: "A mudança é discreta, no formato da ombreira e nos recortes no peitoral. As cores são ligeiramente diferentes também."

Antes de resolver se calar, Caan chegou a afirmar na imprensa que costuma cobrar entre R$ 40 mil e R$ 100 mil para produzir um boneco naquelas dimensões.

TC, a missão

O Traders Club, segundo informações colhidas no site da empresa, "tem a missão de ser uma das maiores plataformas de comunicação e educação financeira do mundo". "Nosso propósito é proporcionar aos milhares de membros que participam da plataforma, e a milhões de brasileiros, o mesmo nível de acesso à informação e inteligência de mercado dos grandes investidores institucionais."

A sede do TC funciona em um prédio alto, de vidros espelhados, na rua Leopoldo Couto de Magalhães Jr. Fica na região da avenida Faria Lima, que, por sua vez, produziu outro ser mítico no mercado financeiro paulistano, o "farialimer". Busco com alguns exemplares da espécie opiniões sobre o TC.

"Não dá para levá-los [o TC] muito a sério. Nem eles se levam. Dão palpites sobre investimentos de um jeito que faz você dar risada...", diz um. "Eles se propõem a ensinar desavisados a ganhar dinheiro no 'day trade' (comprar e vender papéis no mesmo dia). Acontece que o curtíssimo prazo é quase como um cassino. O cara vai por estatística. Aposta naquilo sem nenhum fundamento", explica outro.

"A elite do mercado não presta muita atenção neles. Os chamados 'fundamentalistas', como o Warren Buffet (megainvestidor norte-americano), vão olhar primeiro o balanço da empresa, se dá resultado, a posição dela no mercado. O Buffet investe na Coca-Cola faz 60 anos", afirma um terceiro.

"Acho louvável que eles [TC] orientem investidores que não fazem ideia do que é o mercado. Até os anos 1980, 1990, essas operações eram um negócio só alcançado por ricos. Eles fechavam compra e venda por telefone. O TC começou assumidamente tosco, mas investiu em pesquisa, passou a operar com um fundamento maior", relativiza um farialimer ponderado.

"O problema é que a empresa promove live dando dica, vende curso de como fazer investimento financeiro e, cara, não é assim que funciona. As pessoas ficam quatro anos na faculdade para aprender isso, e mais um monte estudando", reage um indignado.

O prédio onde fica o TC, em São Paulo; na recepção, "cheirinho" de Osklen - Paulo Sampaio/UOL - Paulo Sampaio/UOL
O prédio onde fica o TC, em São Paulo; na recepção, "cheirinho" de Osklen
Imagem: Paulo Sampaio/UOL

O outro lado

Procuro ouvir um "outro lado", mas a assessora de imprensa do TC informa que: "O Trade Clube está em IPO, que é a initial public offering (abertura de capital na Bolsa de Valores), e por isso eles precisam respeitar um quiet period."

Tento entender. Uma empresa que pretende respeitar o quiet period divulga no Twitter uma réplica agigantada do ministro da Economia, plantado no saguão da sede. É isso? A assessora fica meio sem palavras (no words), mas explica que é preciso seguir as normas de silêncio estabelecidas pelo mercado.

Será que se trata de estratégia de marketing? "Eles não passaram nenhuma informação", diz ela.

"Viral impressionante"

O professor de finanças da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) Alexandre Riopamonte diz que esse tipo de ação online gera efeito imediato no mercado financeiro. "A publicidade massiva antes do IPO é uma prática comum em todo o mundo. No caso do TC, que tem essa característica irreverente, faz todo sentido."

Riopamonte explica que, apesar de Guedes ter perdido poder com o tempo e insistir em um neoliberalismo deveras fantasioso, "a turma do mercado financeiro o respeita e alimenta grandes expectativas na política econômica dele".

Rafael Ferri, "contribuidor" no TC (o termo é deles), postou a foto ao lado de "Guedeslorian", agradeceu o ministro ("Obrigado, Paulo Guedes") e comemorou a repercussão junto com Pedro Albuquerque Filho: "A estátua se transformou em um viral impressionante com mais de 20 reportagens hoje e milhões de impressões!".

O contribuidor Rafael Ferri faz pose ao lado de Guedeslorian e comemora o "viral impressionante" - Instagram/Cafecomferri - Instagram/Cafecomferri
O contribuidor Rafael Ferri faz pose ao lado de Guedeslorian e comemora o "viral impressionante"
Imagem: Instagram/Cafecomferri

Visita surpresa

Resolvo ir até à sede do TC, a fim de tentar ver a réplica de Guedes de perto. Na recepção de pé direito alto do prédio, sinto um aroma que me remete às lojas da grife de roupas Osklen: "Sim, é o mesmo cheirinho que eles usam", diz a recepcionista, apontando para uma cânula na parede, que asperge o cheirinho.

Pelo interfone, ela me anuncia a um integrante da "equipe de vendas" , com quem eu havia falado ao telefone. Vou chamá-lo aqui de João. Lá em cima, a pessoa que atende leva um tempo para localizá-lo, e então acaba liberando a minha entrada mesmo sem autorização dele. Me dão um QR code, passo na catraca.

Nesse meio tempo, João me liga no celular e diz que a estátua está no décimo. Eu estou autorizado a subir até o 7º — e o elevador é "inteligente". Sem saber que pode causar confusão, João diz que vai me receber no hall e me levar até o 10º.

No 7º, enquanto o aguardo, sou abordado por um argentino enfezado que me põe dali pra fora. Tento argumentar, digo que sou um fã de esculturas e de Guedes, mas o argentino está irredutível. Saio do prédio com o cheirinho de Osklen impregnado nas narinas e a desolação de uma criança expulsa de um parque da Disney.

Por fim, mas não menos importante, tento saber o que o personagem central da história achou da homenagem. Mas ninguém na assessoria do ministério da Economia atende ao telefone.