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Repórter prova prato que Roberto Dias pediu, em chope com o PM Dominghetti
Na quinta-feira (8), sem nenhuma pretensão de concorrer com a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid, a reportagem de TAB se lançou em uma investigação gastronômica para avaliar o prato que o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias pediu no restaurante Vasto, em Brasília, na noite de 25 de fevereiro, uma quinta-feira. É a data em que ele diz ter encontrado pela primeira vez o cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti.
De acordo com o que relatou na CPI, Ferreira Dias estava tomando um "chope casual" com o amigo José Ricardo Santana, ex-servidor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), quando chegou ao local o coronel Marcelo Blanco, que havia sido seu assessor no Ministério da Saúde. Blanco estava com Dominghetti, que teria se apresentado como representante da empresa Davati Medical Supply e oferecido, alguns chopinhos depois, 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca.
Na versão do cabo, o ex-diretor de logística condicionou a compra da vacina ao pagamento de uma propina de US$ 1 por dose. Exonerado, Dias nega tudo.
Convencido de que a história do "chope casual" era mentira, o presidente da comissão parlamentar de inquérito, senador Omar Aziz (PSD-AM), mandou prender Dias por perjúrio (violação do juramento de dizer a verdade). "Não aceito que a CPI vire chacota. Não vamos ouvir historinha de servidor que pediu propina. E quem vier achando que pode brincar, terá o mesmo destino."
No dia seguinte ao da prisão, por coincidência (mesmo) uma quinta-feira, TAB esteve no Vasto. O restaurante fica no Brasília Shopping, localizado na região central da cidade.
Um pedaço de NY
Definido pelos sócios como uma "steak house americana", o lugar foi inaugurado em fevereiro de 2020, pouco antes do início da quarentena imposta pela pandemia de covid-19. Passou seis meses fechado. No Instagram, as fotos dos ambientes aparecem acompanhadas de frases como "Nova Iorque encontrou um lugar em Brasília" e "Um pedaço de NY em nossa capital".
Por causa da localização central, o Brasília Shopping, segundo sua assessoria, é frequentado por funcionários públicos federais, turistas hospedados no Setor Hoteleiro Norte, empresários e moradores das asas Norte e Sul. Comparado ao JK e ao Iguatemi, de São Paulo, não é um empreendimento de alto luxo. Há ali lojas de marcas nacionais caras, como Osklen, Richards e Track&Field, mas não de estrangeiras caríssimas, como Chanel ou Prada. Uma colega residente na cidade informa que o shopping das importadas, na capital, é o Iguatemi, que fica no Lago Norte.
Um cara honesto
Como eu estava hospedado a cerca de 100 metros do restaurante, resolvi dar uma passada ali para pegar informações preliminares, antes de seguir para o Senado — naquele dia, depunha na CPI a ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações) Francieli Fantinato.
Era cedo, por volta de 10h30, e ainda não havia comensais às mesas. Os funcionários circulavam pela casa "à paisana", sem uniforme.
Abordei um deles, que depois se identificou como Raimundo e disse que era "chefe de fila", encarregado de receber o cliente e encaminhá-lo à mesa.
Perguntei se ele já trabalhava no Vasto quando Roberto Ferreira Dias esteve ali, em fevereiro. Para ajudá-lo a associar o nome à pessoa, acrescentei que se tratava do "ex-servidor do Ministério da Saúde que foi preso ontem".
Não precisava. Aparentemente íntimo de Ferreira Dias, Raimundo respondeu o que eu não havia perguntado: "O Roberto é um cara muito honesto. Nunca faria o que estão dizendo. Nunca vi ele pedindo ou recebendo propina aqui. Bandido nessa CPI é o Renan Calheiros e o Omar Aziz."
E o que ele comeu?
"Ele come sempre o mexilhão à provençal. Que é uma entradinha (mostra com a mão o tamanho), nada demais. Um dos pratos mais em conta do cardápio."
De repente, a "entradinha" virou o salvo-conduto de Roberto Ferreira Dias. De fato: o que são R$ 49 para quem é acusado de se beneficiar em um negócio de US$ 1,4 bilhão?
Digo a Raimundo que o cabo Dominghetti afirmou na CPI que Ferreira Dias pagou o jantar com dinheiro. Muito seguro, o chefe de fila diz que isso nunca aconteceu. Repentinamente, ele se torna arisco. Diz que já falou demais e se afasta em direção à cozinha.
Roberto Ferreira quem?
Entro em contato com um dos donos do restaurante, Hegel Barreira, que me diz estar no Coco Bambu, o precursor da rede que inclui o Vasto. São 50 restaurantes espalhados pelo Brasil, e aproximadamente 100 sócios ("cada filial aberta agrega dois ou mais novos empreendedores"). Barreira está na filial que funciona no shopping, a poucos metros de onde eu me encontro. Ele e outro sócio, Eilson Studart, ambos cearenses, me recebem.
Desde o início da conversa, os dois negam tudo. Nunca souberam que Roberto Ferreira Dias frequentava o restaurante, sequer que esteve ali algum dia. Raimundo, que reaparece com o nome de Daniel ("Meu nome é Daniel Raimundo") é desqualificado. "Ele não é chefe de fila, é aprendiz de garçom...", afirmam os sócios.
Barreira e Studart não sabem dizer o que Ferreira Dias comeu ("faz cinco meses, como lembrar?"), e dizem que não é possível recuperar as imagens das câmeras de segurança do restaurante, já que foram sobrescritas por outras mais recentes. "A gente usa o sistema da Intelbras."
A assessoria da Intelbras explica que "as imagens são registradas no disco rígido instalado no DVR (sigla em inglês para gravador de vídeo digital) ou NVR (gravador em rede)". "De acordo com a configuração padrão, que vem de fábrica, quando o espaço de armazenamento está totalmente preenchido, as gravações mais antigas são sobrepostas pelas mais novas."
Pelo que a assessoria de imprensa informa, é possível armazenar na nuvem, mas isso demanda um investimento maior. Eles não sabem dizer o sistema que o restaurante utiliza.
De sushi à costeleta
Com 350 m², o Vasto tem 100 lugares e, por dia, recebe 250 pessoas. Instalado no centro do restaurante, um bar retangular de cerca de 7 metros, com acabamento de silestone, é equipado com bancos altos e redondos. Ao redor, há dois tipos de mesas: as do salão, móveis, e as instaladas próximas das paredes, em nichos separados pelos encostos altos dos bancos, à moda norte-americana.
O cardápio é bastante variado. De acordo com Studart, "o foco é carne". Mas há desde niguiri de salmão (R$ 37, com cinco peças) até risoto de pato (R$ 147) , passando por bacalhau a lagareiro (R$ 149) e costeleta à milanesa (R$ 79). O prato mais caro é o corte de carne prime rib: R$ 219.
O mexilhão vem em uma panela de ferro, acompanhado de torradas com manteiga, orégano e alecrim. Embora o molho provençal clássico, segundo uma pesquisa informal, seja à base de tomate, alecrim, manjericão, alho, limão e azeite, identifico algum ingrediente que dá ao molho uma consistência mais encorpada. O garçom informa, sem segurança, que é uma mistura de queijo com creme de leite.
Empenhado em dificultar a apuração, Hegel diz que não informa receitas.
A suposta mistura de creme de leite com queijo torna o sabor um pouco enjoativo. Com o paladar plenamente recuperado depois de enfrentar um "quadro leve" de covid-19, segundo o médico, eu não diria que o prato é saboroso. Nem que não é. Diferentemente de Ferreira Dias, não seria minha opção no cardápio.
Uma curiosidade
No dia em que Roberto Ferreira Dias foi preso, eu e cerca de 30 colegas jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas passamos mais de cinco horas na porta da delegacia da polícia legislativa, aguardando que o liberassem. Durante esse tempo, ninguém que aparecia na área escapava do nosso escrutínio.
A dada altura, o escolhido foi um motoboy que chegava com comida. Perguntei para quem era. Ele respondeu, sem muita firmeza, "Jamille".
Bingo. Maria Jamille José, advogada de Ferreira Dias, pediu comida no Fran's Café. Pergunto se é salgadinho ou sanduíche. Quem acertou a conta? Qual a forma de pagamento? Assustado, o entregador liga a moto e desaparece em segundos.
Fran's Café. Roberto Ferreira Dias poderia ter sido generoso com sua advogada. Nem que fosse para pedir a entradinha barata do Vasto.
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