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Douglas Souza: em Taubaté, onde vive, estrela do vôlei não é celebridade
"Douglas quem?", perguntam os entrevistados, na praça mais popular de Taubaté, a Dom Epaminondas, onde fica a catedral de São Francisco das Chagas. A maioria absoluta das cerca de 40 pessoas abordadas por TAB no sábado (24) não tinha ideia de quem era o ponteiro do vôlei brasileiro que joga nas Olimpíadas de Tóquio. Naquele dia, Douglas Souza havia atingido a marca de 2 milhões de seguidores no Instagram. Desde a terça-feira (20), ele ganhou mais de meio milhão de novos agregados.
O fenômeno se deu a partir das animadas performances que o atleta do EMS Taubaté Funvic postou em seu perfil no aplicativo Instagram. Entre os vídeos que mais viralizaram está o que ele samba em cima da cama de papel da vila Olímpica, para testá-la; o que ele desfila na quadra, como se estivesse em uma passarela; e a dublagem da cantora Pabblo Vittar em "Zap Zum".
Diante do "acontecimento Douglas Souza", a reportagem se lançou em uma pesquisa informal para saber como a população da cidade reagiu aos vídeos. "Ai, amigo, desculpe, eu não tenho tempo para assistir a Olimpíada...", responde Melissa dos Santos, 34, no camelódromo que está a cerca de 50 metros da praça. Mas ela fica curiosa: "Quem é ele?"
Mostro a Melissa os vídeos de Douglas no Instagram.
"Ai, gente, que divertido, adorei! Vou seguir!" Assim como Melissa, a maior parte das pessoas interpeladas disseram não assistir a Olimpíada nem saber quem é Douglas Souza. A justificativa mais frequente era a da diferença de fuso horário do Japão.
Nascido em Santa Barbara d'Oeste, cidade de 200 mil habitantes a 138 km de São Paulo, Douglas tem 25 anos e vive em Taubaté por conta do vínculo com o time. Em 2018, ele se assumiu publicamente gay — uma exceção à regra no mundo do esporte. Há dez dias, declarou ao jornal "Lance" que gostaria de ser lembrado como o primeiro homossexual no vôlei que conseguiu jogar em alto nível. "Quero ser um espelho de pessoas fora do padrão."
Na sexta-feira (23), a seleção brasileira derrotou a da Tunísia por 3 sets a 0, na arena Ariake. Hoje, em uma disputa difícil, venceu a Argentina por 3 a 2.
As poucas exceções
O professor de inglês Vicente Gomes, 27, que finalizava um pastel na calçada da lanchonete Brotinho, na rua Silva Barros, riu muito à menção do nome de Douglas. "O cara é sensacional! Do nada, o ganhou 1 milhão de seguidores", disse, às gargalhadas. "Acho ótimo que tenha alguém como ele, feliz da vida sambando em cima da cama! A gente tem mais é que dar força! Tô seguindo! " Gomes lamenta, contudo, não acompanhar as Olimpíadas: "Não tenho TV aberta."
Marcos Francisco Batista, 59, que administra um lava a jato em um estacionamento na região, foi o único que soube falar das Olimpíadas: "Assisto sempre que posso. Ele (Douglas) tem um bom saque e muita energia. [Sobre os vídeos]: O cara não para quieto, é o jeito dele. Hoje, com tanta gente reclamando do bulliyng, ninguém mais fala nada. Muita coisa está acontecendo por aí [ele se refere à identidade de gênero e orientação sexual]. Eu não tenho nada contra. Contanto que jogue bem e traga uma medalha, pode ficar à vontade."
Vôlei x Douglas
Em outra parte da cidade, na endinheirada Avenida Itália, Douglas é mais seguido que a Olimpíada. Em um grupo de cinco pessoas com idades entre 25 e 30 anos, que trabalha em dois dos muitos bares e cafés que se sucedem na avenida, ninguém assiste aos jogos. "Não", eles respondem frustrados. "Sinto não poder ajudar", diz um.
Não sabem nada do vôlei? "Nada..."
Não souberam das performances do Douglas no Instagram?
Animados: "Ah, isso sim! O desfile dele na quadra, imitando a Gisele Bündchen é o melhor, muito bom!", diz a cozinheira Clara Rossingoli, 25.
Rapidamente, o tema evolui para a política: "Dos mais de 300 mil habitantes de Taubaté, nem um décimo deve saber quem é Douglas", calcula o ator e barman João Menecucci, 25. "A Prefeitura não incentiva o esporte nem investe na causa LGBT. Tudo o que acontece aqui, nessa área, é fruto da iniciativa privada. Resumindo, baladas."
Na terça-feira, 13 de julho, a Prefeitura da cidade anunciou o rompimento da parceria com a Funvic (Fundação Universitária Vida Cristã). Em nota oficial, informou que "foram constatados problemas de ordem administrativa e, principalmente, financeira de temporadas passadas, bem como apontamentos de irregularidades do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo nos últimos anos". O poder público era responsável por 30% dos investimentos.
A Funvic manifestou-se surpresa com a "decisão unilateral e imotivada da Prefeitura, de encerrar a parceria com o voleibol". Disse em nota que "o próprio prefeito [João Saud, do MDB] expôs publicamente a continuidade do projeto, o que foi confirmado há cinco dias pelo secretário de esportes em entrevista pública."
Gay representativo
"A Loreny [candidata que disputou a Prefeitura pelo Cidadania] até que apoiava as políticas LGBT...", diz o chefe de bar Ivanhoé de Abreu, 26.
"É... nem era isso tudo", diz o caixa Christian Marques, 30, que também é gay — e para quem Taubaté ainda vive a política do "coronelismo". Ele cita Saud como candidato do eleitorado conservador e machista. "O Douglas me representa", diz Marques, em relação ao espírito libertário do jogador. O caixa contrapõe a atitude do ponteiro à do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que em entrevista ao jornalista Pedro Bial declarou ser gay.
"Ele [Leite] é um homossexual heteronormativo [que reproduz o padrão heterossexual de comportamento], apoiou Bolsonaro para presidente. Como um homossexual apoia um candidato homofóbico? Não me representa."
Sem entrar em conflito com Marques, o garçom heterossexual Matheus Rudson, 22, afirma que evita falar da própria vida nas redes sociais. "Quanto menos me exponho, melhor. Não vejo necessidade. Prefiro me preservar."
Que nem o nordestino
A dois bares dali, sentado com um amigo em uma mesa instalada em um cercadinho na rua, o empresário Washington Lopes, 35, diz que não soube do fenômeno Douglas. Afirma que não tem nada contra homossexuais ["tenho amigos gays, abraço, beijo no rosto"] mas faz uma ressalva:
"Ele não joga na equipe feminina, né? Porque aí, eu sou contra. Não concordo com o caso da Tiffany [do Bauru]. Não acho que é uma competição de igual para igual."
Informado de que Douglas é um homossexual cis, não trans, Washington Lopes relaxa: "Então, pra mim não interfere em nada. Se fosse um heterossexual fazendo palhaçada daria na mesma. Só acho que ele não precisa usar o título de gay para conseguir seguidor."
Mais afetuoso do que agressivo, mas definitivamente sem se preocupar com correção política, ele compara: "É que nem o nordestino. Ô raça engraçada! Mas o cara não precisa anunciar que é nordestino para fazer os outros rirem, entende?"
Tipo: basta abrir a boca e falar.
Douglas, ao que parece, não vai ficar só nisso.
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