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Ela fotografa, sem metáforas, a vida azul e rosa das crianças

A pequena Seoyoung em seu quarto rosa em Seul (Coréia do Sul), em 2016 - JeongMee Yoon/Divulgação
A pequena Seoyoung em seu quarto rosa em Seul (Coréia do Sul), em 2016 Imagem: JeongMee Yoon/Divulgação

Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

22/01/2019 04h00

Como fotógrafa, a sul-coreana JeongMee Yoon sempre manteve um olhar especial para as cores como elementos intrínsecos da vida humana. Já como mãe, achou curioso que sua filha de cinco anos havia criado seu próprio universo com apenas uma cor. Por pelo menos três anos, SeoWoo brincava, estudava e se vestia apenas com a cor-de-rosa.

Esse microcosmo monocromático dentro da própria casa foi o ponto de partida da série "The Pink and Blue Project", projeto em que Yoon fotografa crianças e jovens em seus quartos, cercados por seus objetos.

O projeto começou em 2005, nos Estados Unidos, quando Yoon passou uma temporada em Nova York. Desde então, ela percorre os quartos dos pequenos americanos e sul-coreanos. Apesar das diferenças culturais de cada país, o mesmo cenário se revelou para suas lentes: meninos imersos em seus objetos e roupas azuis, meninas orbitando em um universo particular cor-de-rosa.

As imagens causam uma mistura de sentimentos -- ao mesmo tempo em que carregam um alto teor de fofura que faz delas um conteúdo viral, produzem certo desconforto por retratar a primeira infância restrita em possibilidades e cores.

E isso não afeta apenas o gosto da criança. "Esses tipos de diretrizes divididas para os dois gêneros afetam profundamente a identificação do grupo de gênero e o aprendizado social das crianças", conta Yoon por e-mail ao TAB. "Meninas treinam subconscientemente e inconscientemente para usar a cor rosa para parecerem femininas", completa.

Em mais de uma década de pesquisa, Yoon visitou várias vezes os mesmos personagens e percebeu que o padrão é matizado conforme as crianças chegam à adolescência. As meninas migram do rosa ao púrpura, e às vezes para um azul mais claro, enquanto os meninos vão para tons mais escuros. "No entanto, a associação original com o código de cores geralmente permanece", afirma a fotógrafa.

Nos últimos anos, essa "regra" tem sido amplamente discutida na sociedade em torno da pauta sobre igualdade de gênero e, mais recentemente, no caso do Brasil, tomou destaque no âmbito político.

Titular da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves defendeu o uso do rosa para meninas e o azul para meninos para anunciar uma "nova era".

Mais tarde, a ministra relativizou e disse que se tratava de uma metáfora -- bastante batida, é verdade, mas que não faria o menor sentido se dita no começo do século 20.

Naquela época, o rosa era associado à ideia de poder e vigor, sendo a cor recomendada aos meninos, enquanto as meninas deviam vestir azul, "delicado e amável".

JeongMee pesquisou sobre o tema e afirma que a mudança só aconteceu após a Segundo Guerra Mundial. "Como a sociedade moderna entrou no politicamente correto do século 20, o conceito de igualdade de gênero emergiu e, como resultado, reverteu a perspectiva sobre as cores associadas a cada gênero, bem como as conexões superficiais que lhes são inerentes."

TAB: Qual é a tese por trás do seu trabalho em "The Pink and Blue Project"?

JeongMee Yoon: Explorar as tendências nas preferências culturais e as diferenças nos gostos das crianças (e seus pais) de diversas culturas, grupos étnicos, e como se dá a socialização e identidade de gênero. Quis levantar outras questões, como a relação entre o gênero e o consumismo, a urbanização, a globalização do consumismo e o novo capitalismo.

Você disse que o projeto foi iniciado por sua filha quando ela tinha cinco anos de idade. Como foi isso?

Ela (SeoWoo, terceira criança na imagem abaixo) amava tanto a cor rosa que queria usar apenas roupas cor-de-rosa e brincar apenas com brinquedos e objetos cor-de-rosa. Isso durou dos cinco aos oito anos de idade.

Descobri que o caso da minha filha não era incomum. Nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e em outros lugares, a maioria das meninas adora roupas, acessórios e brinquedos cor-de-rosa. Este fenômeno é difundido entre crianças de vários grupos étnicos, independentemente de suas origens culturais.

É uma tendência monocromática?

Sim. A maioria das meninas de quatro ou oito anos de idade ama muito o rosa. Talvez seja a influência do desenvolvimento da internet e de propagandas comerciais voltadas para as meninas e seus pais, como as mercadorias universalmente populares de personagens como Barbie e Hello Kitty, que se transformaram em uma tendência moderna.

Isso muda com o passar do tempo?

À medida que as meninas envelhecem, seu gosto pela cor rosa muda. Até cerca da 2ª série, elas são muito obcecadas com a cor rosa, mas em torno da 3 ª ou 4ª série, eles não ficam mais tão obcecadas assim. Normalmente, seus gostos mudam para o roxo. Mais tarde, há outra mudança. No entanto, a associação original com o código de cores geralmente permanece.

Hoje minha filha tem 19 anos. Quando ela estava na 1ª e na 2ª série, ela já dizia que rosa era cor de criança.

O rosa já foi uma cor associada à masculinidade. Quando e por que isso mudou?

O rosa, considerado um vermelho claro, já foi associado a poder. Em 1914, o "Sunday Sentinel", um jornal americano, aconselhou as mães a "usar rosa para o menino e azul para a menina, se você seguia as convenções."

A mudança do rosa para meninas e o azul para meninos aconteceu na América e em outros lugares somente após a Segunda Guerra Mundial. Como a sociedade moderna entrou no politicamente correto do século 20, o conceito de igualdade de gênero emergiu e, como resultado, reverteu a perspectiva sobre as cores associadas a cada gênero, bem como as conexões superficiais que lhes são inerentes. Hoje, com os efeitos da publicidade nas preferências dos consumidores, esses costumes coloridos são um padrão mundial.

Você acha que é uma expressão culturalmente manipulada sobre feminilidade e masculinidade?

Sim. Esses tipos de diretrizes para os dois gêneros afetam profundamente a identificação do grupo de gênero e o aprendizado social das crianças. Meninas treinam subconscientemente e inconscientemente para usar a cor rosa para parecerem femininas.

Qual é o maior problema quando o universo de uma criança é baseado apenas em azul ou rosa?

As diferenças entre os objetos das meninas e os objetos dos meninos afetam seus padrões de pensamento e comportamento. Muitos brinquedos e livros para meninas são cor-de-rosa, roxos ou vermelhos, e estão relacionados a maquiagem, vestimenta, cozinha e assuntos domésticos. No entanto, a maioria dos brinquedos e livros para meninos são feitos de diferentes tons de azul e estão relacionados a robôs, indústria, ciência, dinossauros, etc.

Este é um fenômeno tão intenso quanto a mania Barbie. Os fabricantes de brinquedos produzem pôneis antropomórficos que possuem as características de meninas jovens. Eles têm presilhas nos cabelos, pentes e acessórios, e as meninas adornam e compõem seus pôneis.

Não existem raízes genéticas para justificar tais preferências, então por que você acha que rosa e azul são usados metaforicamente neste contexto educacional?

Hoje em dia, não se sabe se isso é inato ou afetado pela propaganda ou pelo próprio ambiente. Quando nós damos um presente para bebê recém-nascido, nós perguntamos se é menino ou meninas, e nos preparamos para escolher a cor conforme o gênero. Isso já é nosso costume. Quando dei à luz um bebê, eles amarraram em mim e nela um bracelete de fita rosa.

Hoje em dia se fala mais sobre questões de gênero. Estamos mudando essa cultura?

Bem, não tenho certeza, mas parece que isso está mudando um pouco. As pessoas estão repensando sobre isso, e alguns pais passaram a não querer que suas filhas usassem apenas rosa quando jovens.