'Ainda Estou Aqui': a campanha em busca de um 'milagre' do Brasil no Oscar
Em um quarto de hotel em Los Angeles, Fernanda Torres, 59, se vê em "campanha política" por indicações do filme "Ainda Estou Aqui" ao Oscar.
É uma busca exaustiva e de custo milionário pelo voto dos 10 mil membros da Academia de Hollywood, que escolhem os vencedores do Oscar, espalhados pelo mundo.
"Vou passar 25 dias aqui. Temos que fazer trabalho corpo a corpo: eu, Selton [Mello, ator] e Walter [Salles, diretor]. Pegamos avião direto, virei quase aeromoça", ela brinca.
A campanha que "desperta o orgulho nacional" no país que nunca ganhou o Oscar começou em 7 de setembro de 2024.
Foi quando o filme sobre Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, morto em 1971 pela ditadura militar, ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza, na Itália.
Fernanda e Selton choraram enquanto "Ainda Estou Aqui" foi aplaudido por quase dez minutos em Veneza.
"O choro foi pela sensação de ter valido a pena: as noites mal dormidas, preocupações, esforço físico. A Nanda emagreceu muito e eu engordei 20kg. Veneza foi uma experiência mágica", diz Selton Mello, 51.
A vitrine de Veneza realizou outra mágica: convenceu a Sony Pictures, distribuidora internacional do filme, a investir na campanha rumo ao Oscar.
É um esforço obrigatório para quem busca estatuetas. Fernanda Torres pode ser a segunda brasileira indicada a melhor atriz na história do Oscar. A primeira foi Fernanda Montenegro, mãe dela, por "Central do Brasil" (também indicado a melhor filme internacional — na época, filme estrangeiro), há 25 anos.
"Eu me lembro de quando minha mãe fez a campanha de "Central do Brasil": ela praticamente desapareceu, foi como se tivesse sido abduzida", conta Fernanda.
Como é uma campanha ao Oscar?
A equipe não revela o custo da campanha de "Ainda Estou Aqui". Segundo a agência Bloomberg, uma campanha para o Oscar custa atualmente de US$ 3 milhões (R$ 18 milhões) a US$ 25 milhões (R$ 144 milhões).
A conta pode ser mais cara: a Netflix gastou US$ 30 milhões (US$ 180 milhões) na campanha de "Roma", dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón para o Oscar de 2019, segundo o jornal The New York Times.
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Quero receberO longa venceu três estatuetas, incluindo a de melhor filme estrangeiro.
O dinheiro é gasto em viagens, exibições privadas, jantares, palestras e material de divulgação. O objetivo é fazer com que o maior número possível dos 10 mil votantes da Academia de Hollywood veja o filme.
Um dos estrategistas de "Ainda Estou Aqui" é o produtor Rodrigo Teixeira, 51.
"Você tem que aparecer, conversar com as pessoas, explicar o que o filme representa para o Brasil", ele explica.
Nos últimos anos, o Oscar fez um esforço para se diversificar e ampliou o número de votantes estrangeiros — eram 9% em 2012 e, em 2023, esse número passou para 20%.
Isso é bom e ruim para a campanha, explica Teixeira. Por um lado, o perfil mais diverso aumenta a abertura para indicações internacionais. Mas o preço aumenta.
"Temos que ir a mais países atrás dos membros. Além dos EUA, vamos à França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, México e países nórdicos e da América do Sul", ele lista.
A indicação a melhor filme internacional é a mais provável, diz Teixeira, mas a competição pelo prêmio final será forte, em especial com o drama musical francês "Emilia Pérez", ele aponta.
Teixeira vê outras indicações menos prováveis, mas "alcançáveis": melhor roteiro, ator coadjuvante para Selton Mello, diretor para Walter Salles e até melhor filme.
O maior esforço é pela indicação de Fernanda Torres a melhor atriz.
"Ela é um talento extraordinário, do nível de Cate Blanchett na Austrália, Kate Winslet na Inglaterra e Meryl Streep nos EUA. Mas fala português. Se atuasse em inglês teria dois ou três Oscar nas costas", diz Teixeira.
"A gente explica aos membros da Academia que a Fernanda ganhou aos 20 anos a Palma de Ouro em Cannes [por "Eu Sei que Vou te Amar", em 1986]."
Uma 'caipira' em Cannes
"Fui a Cannes pela primeira vez com 'Marvada Carne', um ano antes do prêmio. Tomei um choque. Não conseguia me comunicar em nenhuma língua, tinha um francês de primário e inglês de cursinho", diz a atriz.
"Desde então, comecei um trabalho pesado de não me sentir caipira no mundo, de não ter medo dele", Fernanda descreve.
As quatro décadas de carreira, passando por cinema, teatro, TV e literatura, também serviram de preparação para a atual campanha.
"Se eu estivesse vivendo [essa campanha ao Oscar] com 20 anos, estaria deslumbrada. Como diz o [dramaturgo irlandês] Bernard Shaw, deslumbramento é algo patológico, deprimente, exaustivo", ela diz.
"Mas o fato de estar vivendo isso aos 59 cria uma maturidade boa. Você fica menos escravo desse tipo de patologia", diz.
Por que um possível Oscar toca no nervo brasileiro?
"O Brasil é uma ilha continental, isolado pela língua, uma potência de 200 milhões de habitantes. Conhecemos a cultura francesa, americana, russa, alemã... mas eles não conhecem a nossa.", descreve a atriz.
O Brasil tem complexo de vira-lata, uma frustração pela falta de comunicação. E, ao mesmo tempo, tem uma pena do mundo por não saber o que sabemos. Até entre latinos somos o 'primo esquisito'. Quando alguém consegue atravessar a barreira e levar algo genuinamente nosso lá fora, desperta o orgulho nacional: 'Olha nossa riqueza, o que a gente é.' Fernanda Torres
Fernanda tenta baixar as expectativas e diz que, para um filme em português, só ser indicado já é um "milagre".
O Brasil só foi indicado quatro vezes a melhor filme internacional. Só três filmes da América do Sul venceram esta categoria — dois da Argentina e um do Chile.
Ela segue cansada, mas animada: "E em janeiro disseram que vai ser ainda mais puxado", diz.
De 'Central do Brasil' a 'Ainda Estou Aqui'
Se tudo der certo, Fernanda vai ao Oscar ao lado de Walter Salles, diretor de "Central do Brasil" e da mãe, que também é coadjuvante em "Ainda Estou Aqui".
O diretor vê uma situação mais difícil para o cinema brasileiro após 25 anos. Tapetes vermelhos pelo mundo são caminhos de sobrevivência.
"Na época de 'Central do Brasil', o cinema independente pulsava com força, e os circuitos de distribuição eram bem mais amplos", descreve.
"Hoje, o número de salas se restringiu bastante mundo afora e os canais de streaming se tornaram dominantes."
"Os festivais, mais do que nunca, são as velas que podem impulsionar um filme. Se o vento for favorável, é possível que mesmo com um mercado mais estrangulado, ele consiga chegar longe", explica Salles.
A distância alcançada por "Ainda Estou Aqui" será testada primeiro em 17 de dezembro, quando sai uma lista de 15 filmes internacionais pré-indicados ao Oscar.
A indicação final sai em 17 de janeiro. Se passar dessas fases, até o dia 2 de março, quando acontece a premiação, a equipe brasileira seguirá em campanha.
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