Marca Senna segue negócio bilionário até na geração Z, que nem o viu correr
A empresária Bianca Senna, sobrinha de Ayrton Senna, tem entre os projetos recentes um universo no game Minecraft, outro na plataforma Roblox, um canal no TikTok e um álbum de remix com Alok e outros DJs.
São ações para um público que nem era nascido quando o piloto morreu, há 30 anos. Bianca é diretora da Senna Brands, que cuida da marca que, segundo a própria empresa, já rendeu US$ 1,2 bilhão (R$ 7 bilhões) desde 1994.
25% do público do evento realizado em Interlagos para homenagear Ayrton Senna em 1º de maio de 2024 tinha 30 anos ou menos.
Segundo Bianca, profissionais que trabalharam com a marca Senna e especialistas em marketing esportivo, a força do nome do piloto entre a geração Z tem dois motivos:
- Controle rígido de imagem iniciado pelo próprio Senna em vida, com contratos pioneiros que já seguiam a lógica dos de um astro pop --estratégia mantida pela família;
- Renovação da própria imagem da Fórmula 1. Ela se adapta às redes sociais e streamings e ganha simpatia de fãs que antes viam o esporte como ultrapassado --ou "cringe", na linguagem deles.
Senna no controle do game
Se Bianca está de olho em Minecraft e Roblox, o jogo dos novinhos em 1990 era outro. Mas foi ali que a maneira de jogar dos Senna se definiu.
Em 1990, Ayrton chamou sua assessora de imprensa, Betise Assumpção, para ver um jogo de videogame de corrida: "Olha isso: é o meu capacete, minha imagem, e não ganho nada! Como pode?".
Betise lembra que Ayrton estava "revoltado". O jogo era "Super Monaco GP", lançado em 1989 pela empresa japonesa Sega.
Como foi comum em sua vida, Ayrton teimou e conseguiu o que queria. Fechou com a Sega e a distribuidora brasileira Tectoy um acordo para o lançamento do "Ayrton Senna's Super Monaco GP II", em 1992.
Segundo a biografia "Ayrton Senna - O Herói Revelado", do jornalista Ernesto Rodrigues, o jogo autorizado rendeu US$ 30 milhões à Sega, dos quais US$ 8 milhões foram de licenciamento para Senna.
Betise lembra outro exemplo deste esforço de marketing de Ayrton. Para a temporada de 1993, ele estava com bastante poder ao negociar com a equipe McLaren, que tentava evitar sua ida para a equipe Williams.
O piloto aproveitou para exigir a posse dos seus direitos de imagem no carro. "Cada vez que ele negociava, queria algo a mais. Isso foi inédito na época. Mesmo o carro sendo da McLaren, a imagem era dele."
Newsletter
MÍDIA E MARKETING
Grandes cases de marketing, entrevistas e notícias sobre mídia e comunicação. Toda sexta.
Quero receberControle entregue à família
"Na Fórmula 1 não existia esse direito estruturado. Ele foi pioneiro. É claro que não imaginava que morreria no ano seguinte, mas isso se reflete até hoje no controle que a família pode ter", diz a ex-assessora.
"Ele entendia que sua imagem tinha um valor imenso. Por isso brigava para garantir que fosse usada de forma justa e lucrativa."
O "valor imenso" durou mais do que algumas empresas. Marco Aurelio Klein, ex-diretor de marketing do Banco Nacional, dá risada quando vê um jovem usando o boné do seu antigo empregador. O banco faliu em 1995.
Em 1984, o Nacional apostou no jovem piloto para renovar e popularizar sua marca. "O Senna trazia imagem de tecnologia e ousadia, que a gente não tinha na época e conseguiu bem rápido", diz Klein.
"Depois da morte dele apareceram várias ofertas, empresários oferecendo pilotos. Mas a única certeza da gente era de que não fazia sentido patrocinar mais ninguém. Não havia como substituí-lo", completa.
O Banco Nacional faliu um ano após a morte de Senna, por problemas que passaram longe do marketing e envolveram fraude financeira.
O boné do banco, eternizado na cabeça de Ayrton, é vendido hoje na loja oficial do tricampeão por R$ 149,90.
Renovação via Netflix
O caminho para trabalhar Senna na cultura pop está mais aberto desde 2017, quando a Fórmula 1 passou a se adaptar melhor às mídias digitais, avalia Rene Salviano, especialista em marketing esportivo.
Há sete anos, a Fórmula 1 saiu da mão do empresário inglês Bernie Ecclestone, que mirava muito a TV e os fãs mais velhos, e foi comprada pela empresa norte-americana de entretenimento Liberty Media, mais antenada às novas mídias.
O maior impacto veio em 2019, com a série "F1: Dirigir para Viver", na Netflix.
"Foi um divisor de águas, um golaço. Eles viram que dava para contar histórias que vão além do momento da corrida", diz Rene.
O sucesso da série que narra os bastidores e histórias de cada temporada foi um dos impulsos para a Netflix investir em "Senna", produção mais cara da empresa no Brasil.
É a primeira produção ficcional sobre Senna autorizada pela família.
Além do streaming, Rene aponta uma renovação geral na imagem da categoria, que espanta o ranço de "tiozão" e a aproxima dos valores da geração Z.
Uma das mudanças, em 2018, foi o fim das "grid girls", modelos com roupas curtas que apareciam entre os carros nas largadas e outras situações acompanhando os pilotos.
Em novembro de 2022, foi criada a F1 Academy, categoria feminina para jovens pilotos, mesmo sem mulheres na categoria principal.
Stefano Domenicali, diretor-executivo da Fórmula 1, afirmou na ocasião que cerca de 40% dos fãs da categoria eram mulheres, aumento de 8% em relação a 2017.
Senna, Beyoncé e Taylor Swift
Betise vê outro fator na onda favorável à renovação da marca Senna: a forma com que ele trabalhava —e a família seguiu— tem mais a ver com a lógica das redes sociais do que com a imprensa tradicional.
Estrelas como Taylor Swift e Beyoncé hoje conseguem fazer algo com que Senna sonhava: controlar a própria narrativa.
"Hoje a pessoa pode realmente fazer sua própria divulgação e trabalhar sua imagem por contra própria, sem interferências. Ela publica do jeito que quiser, falando o que bem entender", diz a assessora.
Tudo era muito diferente nos anos 1980 e 1990. "Não havia a facilidade de hoje. Qualquer declaração precisava de organização", ela diz.
Quando Senna chegou à Fórmula 1, passou a ligar insistentemente para jornalistas para reclamar de fotos e outros detalhes das matérias, como narra a biografia de Ernesto Rodrigues.
O livro também mostra que Senna ficou contrariado por ser eleito "revelação" do ano em 1986 em publicações europeias —o brasileiro já havia sido escolhido na mesma categoria no ano anterior.
Wagner Gonzales, então assessor de Senna, afirma que não quis argumentar com o chefe que não se ganha o prêmio de revelação duas vezes.
Betise, que penava em ajustar a cobertura da imprensa ao que o Ayrton esperava, vê hoje um caminho mais fácil para a família guiar o legado em grandes projetos para novos públicos.
Mas a ex-assessora alerta: "Esse tipo de controle sobre a história também dificulta a criação de projetos mais aprofundados ou que explorem pontos de vista diferentes".
A geração Z, que não viveu na época, pode não notar que produtos póstumos excluíram polêmicas como a rivalidade com Nelson Piquet ou o namoro com Adriane Galisteu.
Mas, para a assessora, o trabalho pode perpetuar uma figura menos cativante do que a do Ayrton real: "A família acaba sempre tirando da história muita coisa que pode ser interessante. Uma pena", ela lamenta.
* Colaborou Weslley Neto
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.