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No Path, o futuro da tecnologia é decidido (literalmente) na palma da mão

Oficina futurista  trouxe a aplicação de inteligência artificial, mobilidade urbana e desenvolvimento sustentáveis - Iwi Onodera/UOL
Oficina futurista trouxe a aplicação de inteligência artificial, mobilidade urbana e desenvolvimento sustentáveis Imagem: Iwi Onodera/UOL

Matheus Pichonelli

Colaboração para o TAB, em São Paulo

01/06/2019 22h17

Uma cidade virtual onde é possível visualizar antecipadamente os impactos das decisões políticas. Um sistema de crédito social para os cidadãos, que podem receber punições ou benefícios conforme o seu comportamento. Um batalhão de robôs policiais. Um sistema de encarceramento virtual para crimes virtuais. Um detector de deep fake news. Uma ferramenta automática de fact-checking.

O futuro da tecnologia (e das cidades) estava literalmente nas mãos dos participantes da oficina "Tecnologias futuristas na prática", uma das atrações de sábado, 1º de junho, do Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que acontece neste fim de semana, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o evento é apresentado pelo TAB.

Em diferentes níveis de evolução, os projetos eram resumidos em pequenos cards distribuídos pela equipe da Envisioning, empresa que fornece inteligência para a iniciativa privada e agências governamentais desde 2011.

A ideia era captar, em tempo real, como os participantes avaliam os impactos de tecnologias no dia a dia das cidades a partir da aplicação de inteligência artificial e conceitos de mobilidade urbana e desenvolvimento sustentáveis. A avaliação dos presentes sobre as implicações étnicas de cada projeto, uns já em uso, outros ainda em fase de elaboração, resultou em um radar que pode ser visto no site http://viz.envisioning.io/path/.

Sim, tudo isso é muito Black Mirror, diria o leitor.

Quem conduziu o exercício foi Michell Zappa, futurista da tecnologia, designer de informação e fundador da Envisioning - além de nerd, geek e fã de Star Trek, como ele mesmo se descreve.

"Quem aqui sente que o mundo está acelerado demais?", perguntou Zappa aos presentes - 100% dos cerca de 30 participantes da oficina levantaram as mãos.

Michell Zappa durante oficina no Festival Path - Iwi Onodera/UOL - Iwi Onodera/UOL
Michell Zappa durante oficina no Festival Path
Imagem: Iwi Onodera/UOL

Zappa descreveu o choque cultural que sentiu quando, anos atrás, conheceu o Japão. "Esse choque acontece quando você sai de um lugar conhecido e entra em um desconhecido."

No mundo atual, estamos sentindo isso o tempo todo, sem sair de casa, sem trocar de cultura. A impressão é que o futuro acontece cada vez mais rápido, certo?

Essa sensação, porém, já era descrita em estudos de décadas atrás, quando o estado da arte eram a calculadora de mão e o videogame. O sentimento de choque de cultural, afirma o especialista, não é novo.

Segundo ele, as tecnologias seguem rumos na incerteza. Um exemplo é a aviação, que inexistia há um século e hoje reúne pessoas de diferentes lugares na mesma sala numa manhã.

Com uma imagem ao fundo, ele mostrava o símbolo de um aplicativo de delivery e lembrava que, séculos atrás, a humanidade precisava caçar a própria comida.

Para ele, a tecnologia, por si só, não faz nada. A maneira como ela é aplicada, sim. Não se trata de abordar o que vai acontecer, mas os impactos dela no futuro.

Mas o que é tecnologia? É tudo o que criamos. Tudo o que não é natural, segundo Zappa: do conceito de dinheiro, que armaneza valor numa cédula, à domesticação do cachorro.

Um vídeo apresentado aos participantes ajuda a entender o fenômeno. A peça mostra blocos de diferentes tamanhos dispostos intactos um ao lado do outro. Um homem toca o primeiro - e menor - bloco. Em efeito cascata, os blocos vão desmoronando até a outra ponta.

Quando o bloco maior cai, o protagonista toma um susto. Moral da história: "a gente não vê as mudanças pequenas, até que a transformação nos tomou".

Nesse sentido, a ideia de urbanismo hoje é resultado da invenção do automóvel e dos elevadores.

Citando a Lei de Amara, segundo a qual a humanidade tende a superestimar os efeitos de uma invenção em curto prazo, e a subestimar os efeitos em longo prazo, Zappa lembrou que muito se falava dos smartphones quando foram lançados, mas eles ainda dependiam do surgimento de uma série de outras tecnologias. "De repente, todo mundo tem. E ninguém consegue se livrar deles", afirma.

Sobre a onipresença da tecnologia no mundo contemporâneo, ele lembra que muito da realidade atual nasceu, ou se inspirou, na ficção científica. "Toda tecnologia começa com uma ideia. Pode ser de um escritor, pode ser de uma engenheira."

Um exemplo apresentado por ele é a faxineira-robô Rose, de "Os Jetsons" - que na vida real se desdobrou em robôs de fato e também em máquinas de lavar.

A regra é que a imaginação instrui a inovação.

E como isso pode ser aplicado na cidadania?

Em duplas, os participantes da oficina poderiam relacionar os cards e propor soluções a desafios do mundo contemporâneo. No caso da design de interiores Ana Paula Lima, de Belo Horizonte, e do gerente de produtos Matheus Cedro, de Salvador, a junção das ideias de robôs policiais, de reconhecimento biométrico e de ética global (cada uma descrita em um card) ajudariam a combater a violência urbana: com o reconhecimento de suspeitos, os policiais autômatos poderiam identificar potenciais criminosos, mas teriam uma trava para não atirar com medo de serem alvejados antes.

"Isso tiraria o componente subjetivo da letalidade policial, já que as decisões seriam tomadas pelo acesso a dados objetivos, e não na base da emoção", define Cedro.

É ou não é muito Black Mirror?