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A tecnologia levou a comida para o laboratório

Palestra "Foodtech" no Festival Path, (da esq. para dir), Thiago Burgers, Giuliano Bittencourt, André Antivilo e Andrea Janér - Marcelo Justo/UOL
Palestra "Foodtech" no Festival Path, (da esq. para dir), Thiago Burgers, Giuliano Bittencourt, André Antivilo e Andrea Janér Imagem: Marcelo Justo/UOL

Giacomo Vicenzo

Colaboração para o TAB, em São Paulo

02/06/2019 17h26

Hortaliças produzidas sem sol, apenas à base de luz artificial, carne de insetos e comida que passou da cozinha para o laboratório. Parece o tema de uma série futurista, mas pode estar no seu prato agora, enquanto você faz uma pausa para degustar este texto.

Esses e outros temas que debatem o futuro do consumo e da produção de comida nortearam a mesa "Foodtech: A resignificação da alimentação" no Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que acontece neste fim de semana, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o evento é apresentado pelo TAB.

O domingo chuvoso não foi problema para a sala cheia de olhos atentos à experiência compartilhada pelos empreendedores do ramo da alimentação que estão inovando e experimentando em seus segmentos.

No palco estavam Thiago Burgers, criador da Pic-me, que tem como foco criar snacks saudáveis, Giuliano Bittencourt, fundador da Begreen, uma fazenda urbana que produz mais de 60 mil hortaliças mensalmente, e André Antivilo, proprietário de restaurante e entusiasta das tecnologias para a alimentação, que atua na criação e desenvolvimento de projetos para a área - como exemplo um laboratório que cultiva verduras com luzes de LED.

Andrea Janér, consultora de inovação e tendências, mediou o debate com provocações reflexivas. Ela abriu questionando como será possível continuar alimentando bilhões de pessoas no planeta sem exaurir por completo os recursos da Terra.

Thiago Burgers na palestra "Foodtech", do Festival Path - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Thiago Burgers na palestra "Foodtech", do Festival Path
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Para Thiago Burgers, a solução para esse problema pode estar na cadeia de produção, quando se fala no ramo alimentício. De acordo com o empreendedor, as proteínas de base vegetal são uma revolução sem volta e trazem benefício para o planeta porque precisam de menos recursos na produção, quando comparadas com as de origem animal.

Mas a sustentabilidade também é responsabilidade de quem consome, frisa Burgers. "A América do Norte é onde se desperdiça mais alimentos no mundo, sendo 60% na casa do consumidor e 40% no processo de produção e chegada até ele", explicou o empreendedor. Sobre a América Latina, ele apontou que o problema é maior na cadeia de produção e distribuição. Ele afirmou que 70% do desperdício são desse processo e os outros 30% são lixo na casa do consumidor.

Sobre sustentabilidade Giuliano Bittencourt alerta que não estamos desperdiçando só alimentos, enquanto pessoas têm fome no País, mas também tempo e energia. "O maior consumidor de agrotóxico é o Brasil, ingerimos de cinco a seis litros por ano", diz o empreendedor do ramo de hortaliças. E a tendência é continuar: estudo indica que, em seis messes de governo Bolsonaro, a liberação de agrotóxicos cresceu 42%.

André Antivilo, por sua vez, tenta conscientizar as pessoas sobre uma forma de vida mais saudável em seu restaurante de comida vegetariana. Ele acredita que uma das soluções para o desperdício, que muitas vezes está na produção de larga escala, é regionalizar esse processo com pequenos comerciantes e produtores de alimentos.

Já a fala de Giuliano Bittencourt fez o estômago da plateia revirar. "Quem aqui já comeu alface vegana? Muitas não são, por serem adubadas com uma espécie de farinha de ossos bovino triturados", explica.

Giuliano e André enfrentam um dilema para expandir a produção de hortaliças: o retorno de capital investido. Ambos têm projetos de criação de folhosos em espaço fechado e se disseram interessados pelas chamadas hortas verticais, que ocupam menos espaço físico para produzir em quantidade igual ou maior que as horizontais, tradicionais no Brasil, porém custando mais.

André Antivilo no Festival Path, durante a palestra "Foodtech" - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
André Antivilo no Festival Path, durante a palestra "Foodtech"
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Sobre o assunto, Andrea Janér informou que as hortas horizontais se popularizaram no Japão com investimento de capital governamental. Ela seguiu aquecendo o debate e questionou se viveremos um futuro em que comeremos por prazer ou apenas pensando nas necessidades nutricionais.

Na opinião de Thiago, os algoritmos e o mercado de dados são ferramentas que criarão opções de alimentação cada vez mais personalizadas de acordo com as necessidades individuais de cada cliente. Ele não acredita na possibilidade de um dia vivermos com uma dieta parecida com a dos astronautas. "Vamos viver de pílulas ou de alimentos de verdade?", perguntou. Minha crença é em um futuro cada vez mais natural".

Promessas de sustentabilidade soam otimistas, mas esbarram em dados

No mesmo dia, ao longo da tarde, executivos se reuniram para discutir "Como o blockchain pode tornar a agricultura mais limpa e sustentável". Em síntese, o sistema é um banco de dados descentralizado e distribuído que promete trazer mais segurança para alguns sistemas (entenda melhor). Para alguns executivos que participavam da mesa, essa tecnologia, aliada com a Internet das Coisas, é capaz de garantir que todos tenham acesso a alimentos, que serão mais baratos e sustentáveis.

Para Eric Luque, CTO da Ecotrace, uma startup que conecta produtores pecuários a frigoríficos por blockchain, a rede permite o produtor saber o que e para quem ele está vendendo, enquanto o frigorífico sabe quem é o produtor na outra ponta da cadeia. Para ele, "a pecuária não é a grande vilã do meio ambiente" porque "estão acontecendo uma série de inovações nesse campo". Apesar da visão otimista, a pecuária é apontada como responsável por 65% do desmatamento na Amazônia.

Fernando Martins, ex-presidente da Intel Brasil e executivo de várias empresas de tecnologia e agronegócio, acredita que "nunca houve tanta abundância na agricultura" e defende que o Brasil está no "estado da arte" na implantação de Internet das Coisas no campo. Ele cita como exemplo os usos em colheita de cana, que chegaram a cortar em até 32% o custo, aumentando a margem de lucro na exportação de combustível e açúcar.

Para Martins, "a sustentabilidade não acontece porque é bonito abraçar árvore. O mercado acaba abraçando porque é mais barato do que desmatar" comenta. Apesar da aposta na conectividade da Internet das Coisas e a transparência do blockchain, o Brasil continua a liderar rankings de desmatamento. Reatório da Global Forest Watch, por exemplo, aponta que em 2018 o país desmatou 12 milhões de hectares -- o equivalente a 30 campos de futebol por minuto ou um território equivalente ao da Bélgica.