Path: "Se ciência é balbúrdia, nós vamos fazer mais ainda", diz professor
Após debater a necessidade de divulgar e popularizar ciência para a sociedade, quatro cientistas responderam a uma questão que não sai de suas cabeças e nem do noticiário: como seguir fazendo ciência em um país com cada vez menos verbas para educação e pesquisa? "Se ciência é balbúrdia, nós vamos fazer mais balbúrdia ainda. Não sei como, mas precisamos fazer pesquisa nem que o mundo acabe", dizia Guilherme Longo, professor do Departamento de Oceanografia da UFRN durante o Festival Path.
Colega de Longo, Sabine Righetti, professora doutora da Unicamp na área de comunica de ciência, foi enfática ao dizer que não se deve aceitar o cenário que se desenha. "Não tem como pensar em um país que produza ciência e aceite perder o financiamento público. Não existe essa possibilidade e eu não penso em outra coisa. Simplesmente não podemos pensar em nos dar ao luxo de aceitar perder o mínimo que temos. Se o Brasil não produz ciência, ele importa - e isso é muito mais caro", afirmou a pesquisadora.
Righetti também foi a criadora da hashtag #oquevinauniversidadepública, que viralizou após o ministro da educação, Abraham Weintraub, ter alegado que havia "bagunça e eventos ridículos" nas universidades. "Nunca vi gente pelada, nunca vi balbúrdia, vi pessoas se matando de estudar e trabalhar", comenta.
Junto deles, ainda estavam Kawoana Vianna (cientista e empreendedora social, criadora do Cientista Beta, projeto que fomenta a vocação científica de jovens brasileiros) e Carlos Hotta (professor de Biologia Molecular na USP e cofundador da rede de blogs científicos ScienceBlogs Brasil). Eles conversaram neste domingo (2) na mesa "Novas formas de pensar e divulgar as ciências", do Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país, que aconteceu neste final de semana na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o evento é apresentado pelo TAB.
O cientista do mundo real
Parte dos problemas de financiamento da ciência no Brasil e no mundo está relacionada à falta de conhecimento do trabalho científico - obstáculo que, cada vez mais, é combatido pelo campo da comunicação científica.
"Antigamente, o cientista publicava seus estudos e sua comunicação chegava apenas a outros cientistas. Agora, isso está mudando e o pesquisador ganha uma nova etapa: comunicar-se com quem não é cientista. Isso é importante, afinal a sociedade paga o financiamento da ciência, se beneficia de entender os processos, do reconhecimento e do impacto dela", diz Righetti.
Hotta complementa dizendo que os cientistas são cidadãos comuns e não funcionam em uma lógica à parte. "Existe uma imagem falsa de que ficamos em uma torre de marfim. Nós somos parte da sociedade e é preciso mostrar para o público que não há nada de estranho na ciência. Universidades como a USP têm uma quantidade enorme de projetos de inovação com empresas e que a maioria das pessoas nem sabe que existe porque ninguém fala". Ele emenda: "Quem aqui sabe que para cada real investido em ciências agronômicas, retornam outros 20 para sociedade? Ciência precisa ser vista como investimento, não gasto".
No contraponto, Longo lembra que é necessário também mudar a mentalidade dos cientistas. "Muitos me acham maluco por ficar publicando sobre experimentos no Instagram, falando que isso não conta pontos para minha carreira acadêmica. Mas eu faço porque acho importante para a sociedade", afirma.
Vianna embarcou na vida científica ainda no Ensino Médio, quando desenvolveu um tecido impregnado com nanopartículas de propriedade antimicrobianas e que atuavam como isolantes térmicos - útil para a produção de curativos ou até meias para diabéticos. Seu projeto a levou a conquistar o Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia e ir estudar em Israel. Coma experiência, ela criou o Cientista Beta, que fomenta a produção de ciência por jovens estudantes e professores.
Ela destaca a importância de feiras de ciências, que acabam sendo os primeiros contatos de jovens estudantes com o tema. "Tentamos desmistificar esse negócio de fazer vulcão com bicarbonato. Isso não é parte da nossa realidade, precisamos trazer os estudantes para os problemas brasileiros para pesquisar temas como produzir menos lixo, evitar o alagamento de cidades, etc", diz.
Outro mito que os pesquisadores tentam derrubar com a divulgação científica é o de que a ciência sempre tem que ter resultados imediatos. "A ciência básica é essencial. Você gasta anos estudando fluxo migratório, por exemplo, e questionam qual a importância de algo assim. Até que acontece uma gripe aviária", comenta Longo.
Hotta lembra também que toda ciência é importante - incluindo as humanas e sociais:
Não podemos deixar nenhuma ciência para trás.
Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Ministro da Educação "estudava descentralizar investimentos em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)" - o que motivou, por exemplo, 17 mil pesquisadores do mundo todo assinarem manifesto em defeso das ciências sociais no Brasil. "As ciências sociais estão sendo especialmente atacadas pelo governo. É a ciência que mais cresceu nos últimos anos", diz. "O governo diz que não tem impacto, mas o impacto das ciências sociais é muito diferente da astronomia, por exemplo. Um estudo em sociais é citado por cem anos, mas ele demora para conseguir o lastro", defende.
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