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Maltrate as pessoas, não os animais: já existe o sadomasoquismo vegano

Folhapress
Imagem: Folhapress

Daniel Lisboa

Colaboração para o TAB

16/08/2019 04h02

Violência só para os humanos. Este bem que poderia ser o slogan de um grupo que é a união de dois nichos: os sadomasoquistas veganos.

O verbo "maltratar" do título acima poderia vir assim, entre aspas. Afinal, falamos de pessoas que sentem prazer na dor. O problema é que os artigos e acessórios usados para causá-la - palmatórias, chicotes, máscaras, kits restritores - são feitos usualmente de couro animal. Como desfrutar numa boa desse fetiche com a consciência pesada?

Pessoas como "Bella", fetichista de Caçador (SC), se fizeram esta pergunta. Aos 22 anos, ela garante que nunca comeu carne na vida. Seria estranho, então, ignorar a questão animal na hora de praticar o BDSM, sigla para "Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo".

Bondage é a prática de amarrar ou ser amarrado pelo parceiro ou parceira. O resto da sigla é autoexplicativo.

"Eu só descobri que existiam artigos veganos quando vi, no Instagram, um catálogo de acessórios voltados a este público", conta Bella (seu apelido no universo BDSM, ela prefere não revelar o nome). "Mas continuava difícil achar esses produtos, então decidi abrir uma loja."

Palmatória feita com couro sintético para atender o consumidor sadomasoquista vegano - Divulgação - Divulgação
Palmatória feita com couro sintético para atender o consumidor sadomasoquista vegano
Imagem: Divulgação

Bella imaginou que outras pessoas encontravam o mesmo problema que ela, e estava certa. Buscou por fornecedores aptos a confeccionar o que ela queria, mas em couro sintético e borracha, entre outros materiais, e passou a vender os produtos pela internet.

No catálogo da loja virtual, chamada Libertine, os fetichistas encontram produtos como floggers (espécie de minichicotes) feitos de borracha de pneu, aço plastificado e couro sintético; talas de borracha; cane (espécie de vara) e prensinhas para mamilos feitas de bambu, além de chicotes em tubo de alumínio e fibra de vidro.

A Libertine é nova, entrou no ar em novembro do ano passado. Bella diz que é comum clientes deixarem claro que procuram por um produto que não tenha origem animal. "Foi o caso de um cliente que encomendou doze peças diferentes", conta.

Bella, porém, admite que a escolha por acessórios veganos tem seus inconvenientes. O couro sintético não é tão resistente quanto o animal e (detalhe nada desprezível neste meio) por vezes não proporciona o mesmo nível de dor. "Tem sim uma diferença para o praticante, mas nada que não seja superável", diz.

Sobre uma possível contradição em substituir produtos de origem animal por outros que trazem malefícios ao meio ambiente, como o plástico e a borracha, Bella acredita que não há saída: nem sempre dá para contar com o produto perfeito e, no caso dela, a proteção aos animais vem em primeiro lugar.

Vegano sob encomenda

Silvia Ribas, conhecida como Larita Santa's, é outra que resolveu atender esta demanda. A Santa's, sua loja virtual, oferece uma grande variedade de acessórios fetichistas "alternativos": bracelete, cinta, floggers, máscaras e palmatórias feitas de couro sintético, madeira de reuso e napa vinil. Como ela confecciona as peças de acordo com os pedidos dos clientes, muitas vezes são eles que dizem qual material desejam que ela use.

Embora acredite se tratar de uma tendência entre o público mais jovem, Larita diz que a demanda vegana ainda é baixa. "Talvez umas duas vezes ao mês aconteça de um cliente me encomendar um produto feito de material alternativo e dizer claramente que o motivo é ele ser vegano", explica.

No Extravagance, sex shop paulistano que trabalha com alguns produtos de Larita, a procura por artigos veganos aumentou depois que o local anunciou na internet que trabalhava com esse tipo de produto. "Aí eles (veganos) começaram a vir. Procuram não só por acessórios fetichistas, mas cosméticos veganos também. Geralmente são pessoas mais jovens", explica Bruna Gomes, gerente e relações públicas.

Apesar de referir aos compradores como veganos, Bruna deixa claro que é difícil saber se as pessoas compram tais produtos simplesmente por serem mais baratos que os de couro legítimo, ou se há alguma questão ideológica envolvida. "Quando alguém pede algo de couro sintético, eu não costumo perguntar se ela é vegana. Em três anos na loja, que eu me lembre só umas quatro pessoas perguntaram especificamente se o produto era vegano."

Sessão de sadomasoquismo - Mariah Kay/UOL - Mariah Kay/UOL
Sessão de BDSM em bar especializado no centro de São Paulo
Imagem: Mariah Kay/UOL

Os chicotes e chibatas de couro sintético, que custam entre 40 e 70 reais na Extravagance, são os produtos veganos mais vendido no sex shop. Bruna calcula que a loja adquira em torno de 50 deles todo mês para revenda.

"Eu trabalho com couro legítimo devido à sua qualidade. Acessórios veganos, só faço sob encomenda e deixo claro que a qualidade do material não é a mesma", conta Mauro Pinheiro. Ele é dono da Lord Steel, loja de artigos fetichistas que funciona junto com a boate fetichista Dominatrix, em São Paulo.

"Tocamos no assunto quase diariamente aqui na loja, é rotineiro entrar alguém perguntando se trabalhamos com materiais veganos. Mas fazer mesmo, acho que fiz uns oito acessórios veganos até hoje", diz Pinheiro. "Às vezes acontece de o próprio cliente trazer seu material, como um que era vegano e me trouxe uma borracha para eu confeccionar o produto."

Vela excitante

A Santo Cosméticos tem uma linha de produtos sensoriais 100% vegana. É a única empresa do tipo no Brasil certificada pela Vegan Society e também está atenta aos fãs do sadomasoquismo: lançou dois produtos "para o público que gosta de sabores e funções picantes e muito mais fortes", o "OGM Sado 30g" e o "Flamme D'amour 30g".

De acordo com a empresa, o primeiro tem "uma capacidade ainda maior de levar as mulheres às alturas" e foi desenvolvido para a parte interna da vagina, ponto G e clitóris.

Já a "Flamme" é uma vela excitante "que aquece em contato com a mucosa das regiões íntimas" tanto dos homens quanto das mulheres. A vela deve ser derretida até formar um óleo "que pode ser seguramente derramado a uma distância de cinco centímetros ou aplicado com o próprio dedo".

Não há dados sobre quantos daqueles que compram os cosméticas eróticos da Santo o fazem especificamente por serem veganos, mas a empresa vai bem: já cresceu 20% este ano, em comparação com os dois últimos anos.

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