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As rosas não falam? Ciência garante que plantas reagem e emitem vibrações

Monica Pomarico Moraes captura sons de planta usando app Plants Play - Giacomo Vicenzo/UOL
Monica Pomarico Moraes captura sons de planta usando app Plants Play Imagem: Giacomo Vicenzo/UOL

Giacomo Vicenzo

Colaboração para o TAB

13/11/2019 04h04

Se a sua avó fala com plantas e você acha isso um tanto estranho, ouça o que a ciência contemporânea tem a dizer sobre isso.

Plantas não têm aparelho auditivo, isso é certo, mas algumas delas, talvez todas, são capazes de reagir a estímulos do ambiente. Entre eles está a vibração causada pelo som e o movimento dos insetos. Foi o que apontou o experimento de Heidi Appel, cientista da Universidade do Missouri, nos EUA, em colaboração com o PhD em neurobiologia e comportamento, Reginald Cocroft, da Universidade de Cornell. A dupla usou lasers para medir os pequenos tremores foliares causados pela mastigação de lagartas se alimentando de Arabidopsis, um vegetal comumente usado em estudos científicos.

Os pesquisadores separaram as plantas em dois grupos: em um deles, o áudio da comilança das lagartas foi reproduzido, e no outro, não. Ao soltar lagartas reais próximo às plantas, os cientistas notaram que as plantas que tiveram contato com o som anteriormente produziram muito mais defensivo químico (espécie de óleo pesticida natural que ajuda a inibir o ataque do inseto) pelas folhas. Ao repetir o experimento reproduzindo o som de insetos que não se alimentaram das plantas, não houve aumento na produção do óleo.

Monica Pomarico Moraes instala eletrodos para 'ouvir' o som da planta - Giacomo Vicenzo/UOL - Giacomo Vicenzo/UOL
Monica Pomarico Moraes instala eletrodos para 'ouvir' o som da planta
Imagem: Giacomo Vicenzo/UOL

O artigo "Plants respond to leaf vibrations caused by insect herbivore chewing" (em tradução livre, "Plantas respondem às vibrações das folhas causadas pela mastigação de insetos herbívoros"), publicado em 2014 na revista alemã Oecologia, abre campo para soluções de pesticidas naturais contra insetos.

Cocroft afirma, contudo, que ainda não há evidências de que as plantas sejam influenciadas pelo som da voz humana. "Não temos ideia como ou se as plantas podem responder às vibrações da fala do ser humano. Primeiro precisamos entender quais são os estímulos acústicos naturais que as plantas detectam na natureza e como respondem a eles. Esses sons incluem vibrações produzidas por insetos que se alimentam ou que polinizam a planta. A fala humana não faz parte do ambiente acústico natural das plantas, por isso não há razão para que elas respondam a essas vibrações", explicou Cocroft, em entrevista ao TAB.

No entanto, o professor apontou algumas similaridades entre as percepções das plantas e a audição humana. "A semelhança é que uma folha ou pétala de uma flor 'vibra' em resposta ao som transportado pelo ar. Isso também se aplica à membrana timpânica de nossos ouvidos. Mas ainda não está claro que as plantas possuam estruturas especialmente desenvolvidas para detectar sons", afirma o professor.

Nos ouvidos humanos, as ondas sonoras fazem o tímpano vibrar quando detecta variações de pressão causadas pelas ondas sonoras. Elas ativam dois ossos chamados martelo e bigorna, que "avisam" que existe um som. É quando o estribo é acionado e repassa a mensagem ao ouvido interno. Dentro do ouvido interno, pequenos pelos vibram e estimulam as células nervosas do nervo auditivo, que por fim envia os sinais ao cérebro, capaz de decodificar essas vibrações.

Uma orquestra no jardim

Se a ciência ainda não é capaz de explicar como a nossa fala pode afetar os vegetais, o som produzido por eles — sim, eles produzem sons — já está sendo usado em terapias sonoras para humanos no Brasil. Monica Pomarico Moraes, terapeuta vibracional, bióloga pela Unisa (Universidade de Santo Amaro) e mestre em fisiologia pela Universidade de São Paulo (USP), trabalha com eletrodos posicionados sobre as folhas, a exemplo de quem faz um exame médico cauteloso.

Há cerca de um ano, Monica usa o aparelho de biofeedback (que lembra um pequeno rádio) e o app italiano chamado Plants Play (disponível em Android e IOS) para aplicar terapias sonoras com os sons criados a partir dos sinais elétricos captados nas plantas. "Dentre as técnicas que utilizo está a terapia floral. Uno os conhecimentos dessa técnica com os efeitos da terapia sonora, utilizo o som criado por plantas que integram sistemas florais", comenta Moraes.

Funciona assim: o aparelho de biofeedback mensura as variações elétricas captadas nas folhas e as envia, via bluetooth, a um celular. No smartphone, o aplicativo transforma esses sinais elétricos em notas musicais, com opções de instrumentos (guitarra, hang drum e outros).

O neurobiologista Reginald Cocroft explica que as plantas de fato usam sinais elétricos para transmitir mensagens de uma parte à outra do vegetal — do caule para as folhas, por exemplo. "Esses sinais têm uma carga elétrica diferente em relação ao ar ao seu redor, e é possível converter essas diferenças elétricas em som, luz ou qualquer outro sinal."

"Ouvir a música de cada planta, sentir como ela atua em nós e interagir com ela, torna-se uma nova forma de contato e comunicação entre o reino animal e o vegetal, que pode abrir uma série de possibilidades, aprendizados e sobretudo uma existência harmônica", diz Moraes.

O aplicativo Plants Play traz algumas simulações dos sons produzidos com os sinais elétricos das plantas, mas para ouví-las no ambiente é necessário possuir o dispositivo de biofeedback que se conecta às folhas ou troncos por meio dos eletrodos.

Monica diz acreditar que as plantas são extremamente conscientes do que está acontecendo no ambiente que as cercam. "A 'música' que elas geram é uma expressão dessa consciência. O som é um estímulo mecânico. Estamos muito condicionados a achar que quem não tem ouvidos não pode ouvir. Talvez não ouça como nós, mas ouve pela vibração, assim como um cego enxerga pelas pontas dos dedos. Quando o ser vivo não tem um órgão de sentido funcional como o concebemos, ele pode desenvolver outras formas de captar o estímulo em questão", comenta.

Startup à base de planta

O app Plants Play foi criado pelo italiano Edoardo Taori, graduado em musicologia na Universidade de Roma Tor Vergata e por sua companheira Federica Zizzari, formada na academia de Belas Artes de Bolonha (Itália).

O casal se conheceu na rede social Myspace. Em 2013, decidiram deixar a vida agitada da cidade grande para trás, junto com seus empregos formais, e se mudaram para uma casa de campo na Itália. No local, passaram a viver uma vida sustentável, plantando e colhendo. Pouco depois, Edoardo decidiu levar a sério e estudar a "música das plantas". Viajou por Índia, Nepal, Ilhas Canárias e Europa para aprimorar sua pesquisa.

Em 2017, o casal conseguiu reunir um time de profissionais e um investidor anjo e criou a startup que deu vida ao app para smartphone e ao aparelho de biofeedback (custo do aparelho: 299 euros). "Queremos que outras pessoas desfrutem da impressionante experiência da música tocada por plantas e árvores", disse Edoardo ao TAB.

Com os sensores conectados às folhas, a melodia produzida no smartphone muda suavemente de acordo com as interações e toques na planta ou árvores. "Cada planta reage de maneira diferente a estímulos diferentes, assim a música tocada pela planta sempre será única", explica Taori.

O criador do app afirma que o som relaxante é benéfico para musicoterapias, massagens, medicina alternativa, yoga e meditação.

No entanto, sobre a percepção do ambiente ou toques pelos vegetais, o neurocientista Reginald Cocroft ressalta que, apesar de todas as plantas possuírem receptores mecânicos em praticamente todas as células, o que cria a possibilidade de detectar vibrações, ainda é preciso mais estudos sobre diferentes espécies de plantas para realmente saber se todas conseguem reagir aos estímulos.