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Desilusão com noiva leva empreendedor a se 'casar' com boneca 'realística'

Boneca realística em CyberSkin vendida na loja Exclusiva, no bairro do Belenzinho (SP) - Mariana Pekin/UOL
Boneca realística em CyberSkin vendida na loja Exclusiva, no bairro do Belenzinho (SP)
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Paulo Sampaio

Do TAB

07/12/2020 04h01

O empreendedor paulistano Joaquim Gabriel, 40, teve três namoradas "oficiais" e uma noiva, até que resolveu dar um basta em relacionamentos sérios com humanas. A desilusão foi tamanha com a última -- encontrada em um site de relacionamentos em 2016 -- que ele decidiu partir para a boneca inflável.

"Descobri verdades ocultas, que ela (a noiva) estava tentando esconder de todos. Investiguei muito até chegar a essas informações, e o que encontrei foi motivo suficiente para terminar tudo. Só posso dizer que ela fazia coisas não legais."

Hoje, após quatro anos, o empreendedor faz sexo com um modelo de boneca que os especialistas chamam de "realístico"-- uma evolução da inflável (que ele não recomenda, por não oferecer a mesma textura da "mulher de verdade").

Rosca na cabeça

"Não busco mais uma companheira para casamento. Até posso sair com alguém para tomar um café ou almoçar, mas sexo eu prefiro com a Scarlet", explica Gabriel, que pagou R$ 10 mil pelo equipamento. Scarlet tem 1,65m, 38 kg e foi confeccionada em cyber skin, material desenvolvido tecnologicamente pela Nasa (National Aeronautics and Space Administration).

Equipada com sistema de rosqueamento na cabeça, a boneca pode adquirir diferentes feições. No dia da entrevista, feita pelo telefone, o empreendedor contou que havia encomendado uma peruca e um par de olhos novos para Scarlet, e aguardava a entrega dos Correios. "Deve chegar hoje ou amanhã", disse ele, mal contendo a ansiedade.

Companheira anti-Covid

A quarentena imposta pela pandemia precipitou a busca de Gabriel por uma parceira que não colocasse em risco a saúde dele e a de sua mãe, com quem voltou a morar. Filho único, ele conta que ela é idosa, epiléptica e que acabou de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral). A boneca foi a solução encontrada por ele para enfrentar o isolamento.

"Não tenho tempo para sair, conhecer pessoas. Minha mãe não aceita a companhia de uma cuidadora, e eu estou em uma etapa profissional muito importante. A maneira mais segura que encontrei para resolver a carência foi a boneca."

Sem gastos com jantares

Além da praticidade de ter uma parceira sempre à mão, que não trai nem reclama, Joaquim Gabriel cita o fato de o sexo ter ficado muito mais em conta. "Na ponta do lápis, vi que, em menos de quatro meses saindo com garotas de programa, gastaria o equivalente ao valor da boneca. Você paga R$ 300 pelo programa, mais transporte e, isso, se não tiver jantar..."

Na opinião de Gabriel, a prostituta é "tão fria quanto a boneca". "A vantagem da garota de programa é que você não precisa trocá-la de posição, ela mesma se mexe."

Por outro lado, ele alega que com Scarlet não corre o risco de contrair uma IST (infecção sexualmente transmissível). "O único trabalho que você tem é higienizar a boneca. Mas ela vem com um fluido especialmente produzido para a limpeza, e o fabricante orienta como fazer."

Pontes de safena

Joaquim Gabriel fala de sua relação com Scarlet sem afetar autocomiseração nem apelar para cafajestadas. Ele trata o assunto tecnicamente, como uma decisão necessária. Seu discurso lembra um pouco o do médico que explica à família do paciente cardíaco que foi preciso colocar um marcapasso ou três pontes de safena para garantir sua sobrevida. Não havia saída.

Precavido e sistemático com as finanças, ele conta que o dinheiro para a compra da boneca estava reservado havia algum tempo e que chegou a importar um modelo da China, mas pediu estorno depois de conseguir um bom desconto em Scarlet. Ao explicar detalhes da transação, sua meticulosidade me leva a identificá-lo com um "funcionário" dos romances de Nelson Rodrigues.

"Comprando direto da China, sem impostos, só a boneca custaria 490 dólares. Com os impostos, e mais 300 dólares de frete (que também é sobretaxado), a história mudava de figura. Vamos arredondar o valor para US$ 800. Até chegar às minhas mãos, sabe-se lá até que ponto preservada depois do frete, isso sairia pelo dobro. Com o dólar na faixa dos R$ 5 e lá vai fumaça, daria algo próximo de R$ 7 mil. Agora, pensa: pagar esse valor numa boneca de 1,45 m, que pesa 30 kg, pouco mais leve que a minha, não valeria a pena. Eu levei em conta a espera, e também o fato de eventualmente o peso estar acima do limite estipulado pelos Correios. A minha tem 38 kg, 1,65m, já pesei e medi. Não é uma boneca leve para movimentar na cama, mas pelo menos você pode vestir com roupas de mulher. Eu acho que, no fim, saí ganhando."

Boneca realística em CyberSkin vendida na loja Exclusiva, no bairro do Belenzinho (SP) - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Boneca realística em CyberSkin vendida na loja Exclusiva, no bairro do Belenzinho (SP)
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Adorável Scarlet

Quem vendeu a boneca para o empreendedor, no Brasil, foi a empresária Camila Gentile, 44, dona de uma rede de 21 sex shops em São Paulo e um site. Casada com o sócio, Paulo, ela tem duas filhas com ele e dois enteados, que são diretores de desenvolvimento e tecnologia da empresa.

Camila e Paulo também têm bons motivos para amar Scarlet e suas congêneres. "O total de bonecas realísticas vendidas foi de 87, em 2019, para 294, no mesmo período de 2020. Um aumento de cerca de 237%", comemora a empresária.

Só os eróticos

O ingresso de Paulo Gentile no mercado erótico se deu há cerca de 25 anos, bem antes do casamento com Camila. Dono de uma videolocadora no Belenzinho, bairro da zona leste de São Paulo, ele registrava muita saída de filmes "adultos". À certa altura, decidiu alugar o terreno do vizinho para montar um negócio destinado apenas àqueles títulos. "Automaticamente, se transformou em sex shop", lembra Camila, que há 16 anos se tornou mulher e sócia do empresário. Eles têm mais dois sócios, Francisco e Cristiane Sune.

Muito ativa, Camila exibe uma pesquisa feita com os consumidores que revela aspectos curiosos de sua clientela. Diz que a maior parte dela, 80%, são mulheres, e que o produto que elas mais compram são os "vibradores de casal".

De acordo com Camila, as mulheres são mais curiosas e querem sempre os últimos lançamentos. "As mais novas, na faixa dos 18, 20 anos, se interessam pelo jogo de dados com gravuras nas posições sexuais; pelo gel excitante de esquenta-esfria; ou mesmo por um cosmético; as mais maduras já buscam um bullet (estimulador de clitoris), ou um anel peniano (para prolongar a ereção do companheiro), e algemas, amarras. Não poupam nos gastos, mas querem saber tudo sobre o que estão comprando, se o produto é resistente, durável etc."

Ainda segundo a pesquisa de Camila, a clientela masculina cresceu 30% em cinco anos. Por causa da quarentena, os números têm sido particularmente expressivos. "Minha equipe ficou chocada em um sábado em que a gente vendeu 30 masturbadores 'lanterna'", conta. Feito em forma de cilindro, para a introdução do pênis, o equipamento custa em média R$ 250.

Três orifícios

Comercializadas em oito modelos, as bonecas vendidas por Camila também vêm da China. Podem ser infláveis ou realísticas, dependendo da proximidade com o modelo vivo. Custam entre R$ 12,9 mil e R$ 20 mil. Joaquim Gabriel explica que Scarlet tem três orifícios, boca, vagina e ânus, e que já experimentou todos.

Diz que a "qualidade do orgasmo" que atinge com Scarlet é a mesma que obtém com garotas de programa. Terminada a relação sexual, depois da "higienização imediata, para a retirada dos resíduos internos e aplicação do bactericida", ele deita a boneca em um quarto de hóspedes.

"Se ela ficar sentada, acaba marcando algumas partes do corpo. Geralmente, coloco saia, porque a calça é muito justa, e ponho a lingerie, obviamente; um pingentezinho e brincos de pressão. Quando preciso usar, sento ela, para começar a brincadeira."

Ele conta que, "em algumas partes do dia, quando bate carência", busca o simples carinho de Scarlet: "Fico abraçadinho com ela, namorando, não necessariamente rola um contato sexual."

Boneca realística em CyberSkin vendida na loja Exclusiva, no bairro do Belenzinho (SP) - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Boneca realística em CyberSkin vendida na loja Exclusiva, no bairro do Belenzinho (SP)
Imagem: Mariana Pekin/UOL

É cedo para dizer se o relacionamento dos dois será longevo, uma vez que eles ainda vivem a lua de mel. A boneca chegou há menos de um mês e, desde então, Joaquim Gabriel calcula ter feito sexo com ela cinco vezes. "Transamos uma média de duas vezes por semana."

Pela relação custo-benefício, o empreendedor considerou a compra de Scarlet uma "oportunidade única". Ao que tudo indica, Joaquim Gabriel está prestes a experimentar sua primeira relação duradoura — talvez até da vida toda. "Ao contrário da mulher de carne e osso, essa não dá para trocar. O vendedor trata o produto como peça íntima", diz ele, sem lamentar.