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Por que tem gente furando a quarentena pra transar -- e por que isso é ruim

 PAVEL IARUNICHEV Getty Images
Imagem: PAVEL IARUNICHEV Getty Images

Tiago Dias

Do TAB

13/05/2020 04h00

A vida de Rogério, 35, como a de muitos brasileiros, é restrita ao ambiente doméstico. Com o endurecimento do isolamento social em Recife, onde mora sozinho, ele passou a fazer home office, adaptou os treinos de crossfit na sala e não tem contato com amigos e familiares desde que a medida entrou em vigor na capital pernambucana. Uma rotina adaptada fielmente às orientações dos especialistas. Ou quase.

Pelo menos uma vez por semana, Rogério recebe pessoas em casa para transar — não sem antes pedir para o convidado tomar um banho. "A perspectiva de ficar meses sem sexo me deixou bastante preocupado. Quando entendi que havia meios de rolar com certos cuidados, resolvi arriscar. O sexo tem me ajudado a passar melhor por essa pandemia."

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Apesar de ser sabido que a prática aumenta as chances de contaminação — e que pode colaborar sensivelmente para o aumento da circulação do vírus nas cidades, Rogério não é o único que tem furado a quarentena para ter relações sexuais.

As "escapadinhas" envolveram até um assessor do governo britânico. O epidemiologista Neil Ferguson foi coautor de um relatório que previa até meio milhão de mortos pela covid-19 se não houvesse uma quarentena mais rígida, mas ele mesmo violou a regra para receber a namorada em casa.

Nas redes sociais, há um monitoramento constante de quem está fazendo festas ou encontros escondidos na quarentena. Recentemente, até a Anitta entrou no radar, após aparecer com um "contatinho" nos Stories.

Enquanto muitos cinemas pornôs e bares de sexo se encontram fechados, nos grupos de internet, praticantes de swing, dogging e uma infinidade de outras modalidades sexuais ainda marcam encontros em segredo. Nos sites pornográficos, uma novidade: atores usando máscaras. O item também está no rosto de quem trabalha com sexo nos principais points de prostituição em São Paulo.

Junto com estabelecimentos considerados essenciais, muitos motéis estão funcionando normalmente. Alguns aceitam até grupos de pessoas. "Estamos desinfetando todos os quartos com álcool em gel. E só aceitamos pessoas de máscara", revelou uma atendente de um motel na capital paulista. "Mas como não vemos os hóspedes, não sabemos se eles respeitam."

Uma prova de que o mundo pode até parar, mas nem todos vão ficar sem fazer sexo — o que é extremamente perigoso, não apenas para quem está se arriscando, mas para o aumento da circulação do vírus, segundo Gloria Brunetti, médica Infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. "É irresponsabilidade em relação ao nosso corpo e ao corpo do outro, o vírus não perdoa. As pessoas têm que ter uma conscientização e uma sensibilização, porque tudo é a circulação viral. Não existe contato sexual a distância, a não ser a virtual", alerta.

A rotina de Brunetti se divide entre o plantão no hospital referência em doenças infectocontagiosas e nos hospitais de campanha levantados pelo governo estadual, onde os números de atendimento e óbitos não mentem. "É um vírus que circula muito facilmente, muito infectivo de uma pessoa para outra e, além disso, pode permanecer em tecidos, plásticos e metais", explica a especialista. "A gente pode, erroneamente, achar que quando recebe alguém num ambiente conhecido nosso, que aquilo ali vai estar esterilizado. A pessoa chega se banhando, passando álcool em gel. Mas não dá para passar álcool em gel dentro nas secreções, no perdigotos de quem fala."

Ciente dessa pulsão sexual no meio da quarentena, o departamento de saúde de Nova York orientou os moradores da cidade a abusarem da masturbação e dos brinquedos sexuais — que tiveram aumento nas vendas online em todo o mundo. "Você é o seu parceiro sexual mais seguro", diz a campanha. E isso não é exagero: o único sexo seguro durante a pandemia é entre pessoas que moram juntas e não estejam circulando fora de casa para nada. O alerta vale para o namorado ou namorada fixa que mora em outro lugar.

A relação sexual entre as pessoas que não dividem a mesma casa e que não estão confinadas juntas é um grande risco
Gloria Brunetti, médica Infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas

Sem sexo você morre?

O TAB conversou anonimamente com algumas pessoas que têm seguido as orientações de órgãos competentes em saúde pública até a página dois. De orientação sexual, gêneros e faixas etárias distintas, a pulsão sexual durante a quarentena é algo que os une.

Ophélia, 30, furou a quarentena ainda em março. Convidou um "contatinho" com quem estava se relacionando antes da pandemia a passar alguns dias em sua casa. "Porque, se fosse para só vir, transar e logo sair, a gente pensava que seria pouco para se colocar em risco", explica.

Para ela, o impulso foi além do sexual. "Era companhia também. Eu gosto de ficar sozinha e sou bem acostumada, mas comecei a sentir falta dessa presença", explica. "A questão do sexo também pesou. Por mais que eu tenha trocado nudes com vários caras, é como se não resolvesse a vontade. Na semana passada, por exemplo, eu tava bem na pilha de furar a quarentena para transar, mas como não tinha ninguém disponível — ou não podiam, ou não queriam, ou estavam longe —, acabei não furando mesmo. Chega num ponto em que você até perde o tesão, sabe?"

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Bernardo, 33, tem a mesma sensação. "Nunca pensei que sentiria tanta falta de toque. De sentir e de tocar. Minhas lembranças recentes mais fortes são essas. Do arrepio, do calor, da surpresa. Algo que era tão, digamos, banal e hoje se tornou distante", conta. No entanto, ele recusa os convites feitos durante a pandemia.

A psicanalista e escritora Regina Navarro diz que está rolando um hiperdimensionamento do nosso instinto sexual na quarentena. "Você pode ter vontade de ter sexo, sentir calor do corpo da pessoa, mas se você pode se masturbar, você tem um alívio sexual. De alguma forma, você consegue descarregar essa energia", observa. "Vá para internet, se masturbe. Não acredito que alguém vai surtar com isso."

Em seu blog na Universa, ela recebe e comenta muitas mensagens de brasileiros a respeito de sexualidade e observa que muitos brasileiros já ficaram períodos maiores sem relações sexuais, por outros motivos.

A gente está num momento de exceção. Então ficar três ou quatro meses sem fazer sexo real, ao vivo, não é algo impossível. Acho que, na nossa cultura, as pessoas, normalmente, sem crise, já fazem menos sexo que gostariam e com menos qualidade do que poderiam.
Regina Navarro, psicanalista e escritora

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Então como explicar essa pulsão sexual relatada por tantas pessoas trancadas em casa?

"Me parece que essas pessoas estão negando um pouco o que está acontecendo. A negação é um mecanismo inconsciente de você viver como se aquilo que te incomoda não existisse", observa a especialista. "O ser humano é muito desamparado, e essa situação gera uma sensação enorme de desamparo, de não ter proteção."

Susana, 48, de São Paulo, conta que já ficou um período muito maior sem relações e, apesar de estar há dois meses de quarentena, confidencia que tem vontade de furar o confinamento para fazer sexo. Ela busca respostas para explicar a vontade: "sensação de poder morrer sem ter aproveitado a vida", diz.

Na visão de Navarro, o futuro sem perspectiva é o principal vetor para que sentimentos como esse se aflorem na quarentena.

A indefinição é uma coisa que gera muita ansiedade, é uma situação que gera stress. Foi muito rápida essa mudança -- e é uma mudança de vida absurda para todo mundo, ficar trancado em casa, não poder ir para a rua, não poder ir para uma balada, não poder sair para paquerar. Mas as pessoas têm que deixar cair a ficha e se tocar que não adianta não se preservarem porque, se morrerem, não terão sexo mesmo.
Regina Navarro, psicanalista e escritora

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Sem vida não há sexo

A médica infectologista Brunetti entrou no Emílio Ribas em 1984 e acompanhou a epidemia do HIV desde o início. Ela relembra que ouvia muitas histórias dos pacientes sobre amor, sexo e confiança, em um momento em que o vírus atropelava sonhos e desejos. "Quando a gente tem um problema e quer se convencer, a gente inventa um monte de desculpas para a gente mesmo, só que o vírus não está nem aí para nossas desculpas, para a excitação sexual, para o tesão. Ele é um ser que precisa, para sobreviver, fazer uma conexão com nossas células, se reproduzir, destruí-las, seguir o ciclo instintivo de vida dele, que está cruzado com nossas células atualmente", observa.

Na linha de frente do combate ao novo coronavírus, ela observa a evolução diária da pandemia e a solidão de quem morre sozinho na UTI. "Estamos lidando com um vírus jovem, que a gente não conhece bem — e que ataca de vários modos. A gente achava que era só o pulmão, agora já sabe que tem um comprometimento sistêmico muito importante. Os jovens também são muito atacados, e muitas vezes a gente tem respostas inesperadas do hospedeiro, que é o nosso corpo."

A gente entende que a carência é grande, o isolamento social é muito difícil, a afetividade e a sexualidade, nesse momento de estresse, muitas vezes se afloram. Mas é preciso um controle racional para o momento que estamos passando. Tem que esperar, é uma questão de sobrevivência -- e você vai estar ajudando não só você e seu parceiro ou parceira, mas ajudando a humanidade. Esse vírus exige colaboração e solidariedade de todos.
Gloria Brunetti, médica Infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas

* Os nomes reais dos personagens foram trocados para preservar a privacidade