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Futuro em suspenso: como a pandemia pode afetar millennials e a geração Z

A socialização mediada por telas pode tornar as relações entre jovens ainda mais frias daqui pra frente - Carlos Alvarez Getty Images
A socialização mediada por telas pode tornar as relações entre jovens ainda mais frias daqui pra frente Imagem: Carlos Alvarez Getty Images

Tiago Dias

Do TAB

29/03/2020 04h01

O mundo está de olho na geração Z e não é à toa. Como grande antena de seu tempo, essa fatia de jovens — hoje entre 10 e 25 anos — aponta importantes mudanças no comportamento e no consumo daqui para o futuro. Mas de que futuro estamos falando quando uma pandemia mundial coloca até mesmo o presente em suspenso?

Enquanto as gerações anteriores sentiram na pele os efeitos de guerras e recessões, os Zs praticamente debutam em sua primeira grande crise com a disseminação do coronavírus.

A rotina remota de uma quarentena — essa que o mundo se vê obrigado a passar hoje — não é necessariamente o grande problema para a primeira geração nativa digital, com a vida social naturalmente moldada através de lives, grupos de amigos e conversas em vídeo.

"Os Zs estão mais habituados a mais diversidade de interações online: jogar games com outras pessoas, dançar pro celular e falar de sentimentos, como os perfis de Instagram secretos que eles usam pra contar segredos", observa a pesquisadora de tendências Rebeca de Moraes, diretora da consultoria Soledad, que desenvolveu uma pesquisa com jovens brasileiros da Geração Z em parceria com a Consumoteca.

Na visão do antropólogo Michel Alcoforado, o dilema aqui é outro. Ele pesquisa jovens da geração Z em muitas partes do mundo e observou que essa população nascida entre 1995 e 2010 é a antítese dos famosos millennials (hoje entre 26 e 40 anos), geração que cresceu mais idealista, buscando novos propósitos de vida.

"Os Zs são mais niilistas e o mundo que se avizinha é um mundo niilista, sem propósito. Essa ideia pode atrapalhar o mundo, mas ajuda a eles", observa Alcoforado. "A questão é que eles construíram uma ideia de vida mais pragmática. Eles viram que os millennials, mais idealistas, não deram certo, que não têm casa própria, trabalho fixo e, às vezes, nem dinheiro. Eles querem um emprego certo para garantir o futuro", explica.

Por enquanto, a mudança brusca na rotina — sem festas, bares e contatinhos — tem gerado memes leves e bem-humorados. Afinal, eles estão longe (ainda que não imunes) de serem impactados pelo vírus, mas certamente sofrerão o impacto da mudança não apenas das peças, mas de todo o tabuleiro do jogo capitalista.

"Todo mundo precisa de dinheiro, mas com que emprego? Em qual empresa? Curso para ser piloto de avião talvez não tenha mais. Trainee na Riachuello, também não. Não tem mais o mercado financeiro. E isso é como se roubassem deles o futuro. Eles vão ter que fazer um reload e não sei se eles estão prontos para isso", observa o antropólogo. "Esse é o desafio. Se perdeu o futuro, fica difícil pensar o presente."

Jovem faz selfie durante quarentena em Paris, na França -  Mehdi Taamallah/NurPhoto via Getty Images -  Mehdi Taamallah/NurPhoto via Getty Images
Imagem: Mehdi Taamallah/NurPhoto via Getty Images

Pandemia 2020: Eu fui, eu tava

Esse momento da história deve impactar — e muito — todas as outras gerações anteriores com uma força ainda difícil de calcular.

Conhecidos por quebrarem certos padrões de vida e de comportamento de seus pais, os millennials (nascidos entre 1980 e 1994, também conhecidos como geração Y) são naturalmente mais propensos a abdicar da rotina formal.

Na visão de Alcoforado, é a geração mais pronta para passar por esse momento. "Eles estão menos presos na rotina e, com a pandemia, isso se suspendeu por completo. Entraram pesado no mundo dos aplicativos e têm sua casa como um templo. Eles agora estão vendo o estilo de vida que eles pensaram para si serem aplicados para o mundo", explica.

Mais interessados na cultura da experiência, os millennials rapidamente ressignificaram o isolamento social. No fim, ficar em casa é a melhor maneira de se salvar vidas. "A experiência é muito importante. A possibilidade de contar histórias tem um valor gigantesco para os millennials", completa Alcoforado. E isso pode ser percebido numa sequência sem fim de stories, lives e textões sobre a experiência durante a quarentena — que sequer atingiu seu pico. Nesse processo de endeusamento do home office, há um perigo maior à espreita.

"O individualismo se acentua. Todo mundo se apressou em ficar em casa e fechar as portas. Não que seja errado, é uma recomendação. Mas sinto as pessoas fazendo isso e contando aos outros como se fosse a única medida possível, a medida que salva o mundo", observa Rebeca de Moraes.

"Os millennials são muito interessados em narrativas que os tornam únicos, especiais. E acho que a situação atual abre uma brecha para o perigo do isolamento real. Vi os discursos de que 'home office tinha que ser para todo mundo', 'vou trabalhar de casa, fazer minha yoga e rezar pelo mundo'. De novo, home office é incrível. Mas é incrível para você, para mim. O mundo tem muito mais que isso", observa.

Por outro lado, a incógnita da economia pode furar rapidamente essa bolha. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho estima que o coronavírus pode aprofundar a pobreza no mundo e deixar entre 1,7 milhão e 7,4 milhões de desempregados nos países emergentes. Isso representa uma crise ainda maior que o colapso da economia mundial em 2008 e 2009.

"O estilo millennial tem um custo, seja para tomar um café de prensa francesa ou comer um brigadeiro gourmetizado. Isso vai trazer um dilema", observa Alcoforado.

Meditação e yoga feito em casa: home office também acentua o individualismo - Gabriela Burdmann/UOL - Gabriela Burdmann/UOL
Meditação e yoga feito em casa: home office também acentua o individualismo
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

O dilema do velho jovem

No momento, o grande drama dos millennials está na inversão de papéis com seus pais. Educados de uma forma rígida, agora são eles que precisam monitorar os mais velhos, que se recusam a entender a gravidade da situação e seguir a recomendação de ficar em casa.

A pesquisa Datafolha sobre a percepção do brasileiro às medidas de prevenção ao coronavírus, divulgada esta semana, mostra que as pessoas de 60 anos ou mais (geração baby boomer) são mais reticentes à gravidade da pandemia. 74% disseram acreditar terem muita chance de pegar o vírus, número inferior aos millennials (94%) e aos Zs (89%).

A vida online dentro do confinamento é um dos desafios para os boomers . "Em geral, eles não são capazes de passar por esse processo de reterritorialização da vida, de adentrar ao mundo virtual que acontece em paralelo", explica Alcoforado. Mas a questão mais crucial é na identificação etária. "O coronavírus é perverso para eles. Vendemos para esses velhos que se eles tivessem hábitos de vida mais jovens, eles poderiam rejuvenescer. Eles tomaram essa vida como imortal", diz.

Um exemplo está na fala do empresário e apresentador Roberto Justus, um boomer de 65 anos, de que o vírus "vai matar velhinhos e gente doente". "Ele se esqueceu que ele é da terceira idade", observa o antropólogo.

Baby boomers ainda estão nas ruas, apesar da recomendação para ficarem em casa - Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto via Getty Images - Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto via Getty Images
Baby boomers ainda estão nas ruas, apesar da recomendação de isolamento social
Imagem: Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto via Getty Images

Menos sexo, mais divórcios

Não importa em que geração você se encaixe, uma coisa é certa: as relações tendem a mudar quando a poeira (e a propagação do vírus) baixar. Em todos os âmbitos, a linguagem do digital deve migrar de vez para a vida real. Um mundo onde a educação à distância será cada vez mais institucionalizada e aquelas reuniões intermináveis no meio do expediente podem ser feitas de forma remota.

"Nós vamos nos bastar com conexões e lives, que é uma cultura que nunca bateu muito no Brasil", explica Alcoforado. "Há matérias que indicam um aumento da produtividade das equipes no home office. Com isso, no fim da quarentena, não vai fazer sentindo pagar aluguéis caríssimos em prédios corporativos financiados pela Faria Lima", explica, citando avenida de São Paulo que abriga empresas financeiras e de tecnologia.

Entre héteros e gays, a tendência é que os aplicativos de encontro e pegação vire mais uma rede social. "Não estamos em busca de relação, mas do desejo do outro. Vamos alargar o sentido do aplicativo. Era um problema se encontrar e, agora, nem precisa mais disso".

No geral, o especialista aposta que vamos fazer menos sexo. Num cenário onde muitas profissões podem ficar sem rumo, advogados especialistas em divórcios não devem ficar sem trabalho.

A internet entrou com métricas e o sexo ficou difícil com isso. Não vai ter essa loucura de transar duas vezes ou de chorar porque não transa. A gente vai entender que menos é mais.
Michel Alcoforado

Leitos na UTI: o novo Wall Street

O lado positivo desse processo, segundo o antropólogo, é que muitos códigos escondidos na sociedade vão aparecer com muito mais clareza. "As máscaras caem. A gente vai perceber que a desigualdade social é isso mesmo, e que a elite pensa exatamente daquela maneira."

Ele cita, por exemplo, dois boomers do empresariado brasileiro: Junior Durski, da rede de hamburgueria Madero, e Luciano Hang, dono das lojas Havan. Ambos criticaram as medidas de combate ao coronavírus no país e relativizaram as mortes em prol da economia.

"Eles estão dizendo: 'volta aqui com esse mundo que eu conheço'. Essa gente perdeu a conexão do mundo. Pela primeira vez, Donald Trump, Paulo Guedes e Bolsonaro não estão mandando em nada", explica. "Não é mais o Wall Street que manda, é o número de leitos na UTI."