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Há 6 anos, grupo de WhatsApp se une para encontrar garota que sumiu no Rio

Marcele Ribeiro Silva, mãe de Polyanna Ketlyn, a menina que desapareceu na porta de casa em 2015, em Niterói - Ricardo Borges/UOL
Marcele Ribeiro Silva, mãe de Polyanna Ketlyn, a menina que desapareceu na porta de casa em 2015, em Niterói
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Matheus de Moura

Colaboração para o TAB

14/07/2021 04h01

Os cotovelos de Marcele Ribeiro Silva, 39, se projetam para os lados, rodam para baixo e depois tornam para cima enquanto o corpo sacoleja ao ritmo do funk. De top e shorts, enquadrada num sutil contra-plongée, a figura de pele parda se destaca contra a parede metade branca, metade em alvenaria, com uma janela de madeira sem pintura.

São 220 mil seguidores no TikTok, quase 75 mil no Facebook e mais de seis mil no Instagram. Quem roda pelas dancinhas pode encontrar imagens de uma garotinha negra, de 10 anos, chamada Polyanna Ketlyn da Silva Ribeiro. Ela é filha de Marcele.

Poderiam ser meras postagens de amor de mãe, mas é mais do que isso: é um apelo para encontrá-la. Polyanna desapareceu em 2 de abril de 2015, e Marcele usa as redes sociais de chamariz para o caso. Ela dança para se distrair -- quem tá no TikTok é para dançar --, mas acaba atraindo uma massa de seguidores que podem ser úteis para o caso: ganho duplo.

Doce na vendinha

A família mora em Piratininga, Niterói (RJ), à beira da turva e suja lagoa homônima, numa região empobrecida. Polyanna assistia à novela "Chiquititas", mas estava inquieta no sofá. Queria comer doce de banana. A mãe lhe deu R$ 2,50 para comprá-lo, junto de uma caixa de fósforos. "Deixa só chegar o intervalo", pediu ela.

Bateram 21h15 no relógio da TV quando ela saiu rumo à vendinha. "Fecha o portão na saída, para sua irmã não ir atrás", avisou. A filha de dois anos de idade seguia a mais velha por onde fosse.

Portão fechado.

O tempo correu e Marcele e o marido Júlio César de Souza Ribeiro, 41, sentiram que algo estava errado. A vendinha, que na verdade era um barzinho, ficava a 200 metros da casa.

Marcele vestiu uma blusa e foi ao estabelecimento. Passaria pela máquina de lavar abandonada, a uns 70 metros da sua casa. Depois por uma lixeira azul, onde brincavam crianças da idade de Polyanna, até chegar ao bar.

"Ela não passou por aqui, não", disse o dono.

"Foi ali que eu tive certeza de que algo havia acontecido", conta Marcele, sentada em um dos degraus da escada de casa, ainda no concreto batido, que conecta o andar de cima, onde ficam os quartos, ao térreo, onde está a cozinha e a sala de estar, composta por três sofás e uma TV -- é aqui que ela grava os vídeos.

A casa já não tem traço de Polyanna, à primeira vista, até Marcele trazer ao recinto um banner da festa de 15 anos que sua filha não pôde ter.

Marcele Ribeiro Silva, mãe de Polyanna Ketlyn que desapareceu na porta de casa em 2015, em Niterói - Ricardo Borges/UOL - Ricardo Borges/UOL
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Sumiço estranho

Perto da venda, cerca de 5 pessoas jogavam cartas e bebiam cerveja. Nem sinal da menina. Marcele voltou alguns metros e foi perguntar à criançada sobre Polyanna. Disseram que a viram perto da máquina de lavar, mas que a menina não havia pass por eles.

Um vizinho chamado Fernando Cruz acabava de chegar da universidade. Quando soube o que havia acontecido, dispôs-se a levar Marcele ao DPO (Destacamento de Policiamento Ostensivo) de Piratininga. Lugar vazio. Foram então ao do bairro vizinho, Camboinhas, onde moram os ricaços de Niterói.

Quando voltaram com a PM, Júlio já havia mobilizado metade do bairro na busca. Não adiantou. Não havia sinal de Polyanna em lugar nenhum.

Entre o portão de casa e o último ponto em que Polyanna foi vista há no máximo 100 metros. Ela poderia ter sumido pelo lado direito do portão, em oposição ao bar. Semanas depois do desaparecimento, Marcele notou uma câmera de segurança naquela direção. Na gravação daquela data, a menina não parecia ter pego aquele caminho.

Não há rua ou beco no trecho em que Polyanna desapareceu, a não ser que ela passasse por dentro da casa de algum vizinho, pois todos os lares ali estão conectados com as ruas de cima e de baixo, onde ela sumiu. A única pessoa que passou por ali naquele momento foi um vizinho de carro. O veículo só foi periciado muitos meses depois, e nada foi encontrado.

"Ela não iria com um estranho. E, para não ter gritado, é porque foi um conhecido", especula Marcele.

Marcele Ribeiro Silva, mae de Polyanna Ketlyn, a garota que desapareceu na porta de casa quando tinha 10 anos, em 2015 - Ricardo Borges/UOL - Ricardo Borges/UOL
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Vida de angústia

A Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo lidou com o caso como se fosse homicídio. Duas semanas depois do desaparecimento, fez busca na Lagoa de Piratininga e usou cão farejador para tentar descobrir algo. Depois disso, pouco fez pelo caso, segundo reclamações da família, cujo último contato com as autoridades foi no começo de 2020.

Isso destruiu Marcele, que, grávida de seu filho mais novo, pensou inúmeras vezes em suicídio. O que a impedia era a rede de apoio online que vinha construindo desde 2015.

Graças a uma amiga que sabia do potencial das redes para ajudar em casos de desaparecidos, Marcele fez campanha atrás de campanha. Criou uma conta no Facebook e abriu um grupo para pedir informações sobre Polyanna.

Depois, os contatos de interação mais frequente migraram para o grupo do WhatsApp, que logo ficou muito grande e teve de ser fragmentado em dois, depois três, depois quatro grupos. Em média, 100 pessoas participam de cada um. Quando ela se via com a faca na mão, próxima ao pescoço, era a esses grupos que recorria.

A propaganda mais pesada sobre o caso de sua filha foi feita no Instagram. O TikTok, que surgiu muito recentemente em sua vida, serve de distração para a angústia, mas nem por isso deixa de contar com imagens da filha.

Quem mais se engaja são mães e mulheres. Elas caçam pistas, pessoas parecidas, sinais de Polyanna. Anny Pessanha, 45, de tanto interagir com a história online, acabou virando uma das melhores amigas de Marcele. Juntas desbravaram becos e vielas das cidades do Rio de Janeiro, sempre em busca das informações ofertadas pelos seguidores. "Fui acompanhando a história, a gente foi se aproximando, até que a gente virou amiga", explica.

Any Pessanha (de calça preta), amiga da família, e Marcele Ribeiro Silva, mãe de Polyanna Ketlyn - Ricardo Borges/UOL - Ricardo Borges/UOL
Any Pessanha (de calça preta), amiga da família, e Marcele Ribeiro Silva, mãe de Polyanna Ketlyn
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Pista de vidente

Numa dessas incursões pelo estado, foram parar na Baixada Fluminense, onde Marcele encontrou uma garota muito parecida com a filha -- tinham até a mesma idade. A polícia de Niterói convocou então a garota e fizeram teste de DNA.

"Eu sabia que não era ela. Quando você via de perto, tinha muitas diferenças. A sobrancelha, o tom da pele, uma marquinha de nascença que todos os meus filhos têm [e a menina não tinha]. Mas eu tinha de fazer pra ter certeza", explica Marcele.

Pelo menos três pistas levaram ou quase levaram Marcele para longe. A primeira foi em 2018. Uma vidente disse que Polyanna estaria em Belém. Junto de uma amiga, Marcele foi atrás. O marido não pôde acompanhar: trabalha como pedreiro autônomo e não consegue tirar tanto tempo para viajar em busca da filha, relegando a função à esposa.

Por dias, circulou entre bairros nobres e favelas. Sempre que pensava em desistir, a vidente, que nada cobrava, insistia que deveria continuar, que não poderia voltar para o Rio de Janeiro sem a filha.

Quando finalmente percebeu-se ludibriada, Marcele explicou o ocorrido para todos os seguidores, afetando a imagem da vidente, que desfez seus perfis nas redes sociais.

A segunda pista levou Polyanna a Porto Seguro (BA), em 2019. Dessa vez, Anny se dispôs a acompanhar a amiga. Precisavam de R$ 5 mil para viabilizar a viagem. Espalharam para os grupos do Whatsapp; em uma semana, os seguidores haviam levantado a quantia.

Tudo que tinham de pista era a descrição de uma menina idêntica à Polyanna que distribuía panfletos no semáforo. Cada vez que perguntavam sobre a garota, a pessoa consultada dizia tê-la visto ontem, havia pouco, dias atrás, mas nunca naquele exato instante.

A dupla percorreu todos os bairros que pôde. Segundo Anny e Marcele, distribuíram 5 mil cartazes de "desaparecido", negociaram com traficantes para transitar pelas favelas, mas não deu em nada. Parecia que Polyanna (ou sua sósia) estava sempre a um passo de distância. Marcele ficou obcecada. Passou dez dias na Bahia, voltou ao Rio e embarcou de volta a Porto Seguro para passar mais dez. Novamente, foi infrutífero.

A terceira pista quase a levou à República Dominicana. Mais uma sósia de sua filha emergia nas redes sociais. A semelhança era tamanha que Marcele levou o caso à polícia, que preferiu não dar corda. Frustrada, ela e Anny, por meio de um longo caminho, chegaram à Interpol, que foi até a garota, só para descobrir que, apesar da semelhança, não se tratava de Polyanna. Não fosse a pandemia, Marcele teria viajado ao país.

Hoje, os grupos andam um tanto parados. São cinco anos de desaparecimento. O tempo passa e fica mais difícil acreditar nas palavras das pessoas. Mas, de tempos em tempos, agitam-se com o surgimento de novas pistas, discutindo obcecadamente as possibilidades.

Marcele passa a maior parte do tempo em casa, cuidando de seus dois filhos pequenos, ambos portadores de autismo. Apesar de estar em casa, sem trabalhar, passa os dias nas redes sociais em busca de pistas; a maioria se desmente rápido. Viva ou morta, o importante para ela é encontrar Polyanna, não importa quanto tempo isso leve.