Decorador cuiabano faz fama usando salto e alfinetando o mercado de luxo

Em meio a calçadas de petit pavê, no centro de Curitiba, Fabio Marx estreia uma sandália alta. Vestido de Sheyla Cristina, sua personagem que bombou na internet rindo das vaidades do mercado de luxo, o designer de 26 anos se esforça para não cair do salto 15 naquele chão irregular. "É o que dá quando a cidade é projetada por homens", reclama, debochado.

Mal caminha meia quadra e um ciclista grita algo. Fabio ignora o assédio. "Já me acostumei. É eu sair de Sheyla pra isso acontecer".

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Se equilibrando entre um percalço e outro, o jovem negro e gay trilha simultaneamente três carreiras de sucesso: a de designer de interiores, a de diretor criativo em um coworking de arquitetura e a de influenciador, interpretando seu alter ego que ultrapassou 300 mil seguidores no Instagram e 500 mil no TikTok. Desde que a personagem viralizou, o terceiro emprego é o que lhe toma mais tempo.

Por trás da personagem

Diferente de Sheyla, uma arquiteta milionária, Fabio tem a vida corrida e sem muito glamour. Ainda assim, foi receptivo quando a reportagem do TAB quis passar um dia ao seu lado.

Em plena segunda-feira, quando a classe trabalhadora bate ponto, nem o frio curitibano de -1º C o impediu de acordar cedo. De calça e camisa brancas e um casaco alongado elegante, seguiu para Archademy, coworking de arquitetura onde projeta seus trabalhos e do qual é diretor criativo. "Você mudou Marques para Marx em apoio ao proletariado?", perguntamos. "Ah, eu sou todo militante, mas a mudança foi questão de numerologia mesmo. Traz mais prosperidade."

O namorado, Wesley Almeida de Lima, 24, trabalha duas mesas atrás, como gerenciador de comunidade da casa, fazendo a ponte entre os clientes e o espaço. Em poucos minutos chega Miranda Bandeira, 26. Formada em Psicologia e estudante de Design, ela é amiga e assistente pessoal do ator. Ajuda a escolher peças para os projetos de interiores, faz os takes da Sheyla, dá uma força na make e o ajuda a tomar decisões difíceis.

O planejamento financeiro fica por conta da irmã, Jéssika Aziz Ydy, 30, que mora em Cuiabá. Dona de uma loja de roupas, ela se organiza diariamente para fazer uma call com o designer e fechar os publis de Sheyla Cristina. Hoje, o influencer tem 11 contratos ativos — e o sonho não aconteceria sem o ímpeto da cuiabana.

"Uma vez, a gente estava lá em casa e ele me mostrou a Sheyla. Achei tão incrível que pensei: dá pra fazer dinheiro com essa ideia aí, hein?", diz Jéssica ao TAB. Ela se colocou à frente do projeto e iniciou parcerias com lojas da capital mato-grossense: via o preço que as blogueiras locais cobravam por divulgação, tabelava valores para o irmão e o ajudava a se projetar no mercado.

"Nossa tia falava que ele seria artista desde quando o via fazer teatrinhos para os parentes ou sair correndo pela casa com uma toalha na cabeça. Agora está acontecendo e tenho muito orgulho disso", diz. Hoje, Fabio trabalha com grandes empresas que vão de Suvinil a 99. Recentemente, foi ganhador do "Manda Jobs", reality show da Beats, uma das frentes da Ambev, para eleger o novo creator da marca.

Nasce uma estrela

Criada há 10 meses, a personagem Sheyla é uma arquiteta rica que se orgulha de repetir que é milionária por mérito próprio. "Arquitetura por dinheir...amor", costuma lembrar. Em um post viral, ela conta que sua primeira palavra foi Oscar Niemeyer. "Desde muito pequena sabia da minha vocação, mas nem por isso deixei de ser humilde", diz em frente a um jatinho particular.

Gente que conhece o segmento encara a sátira como certeira. "Ela fala o que muito arquiteto queria dizer, mas não tem coragem", defende Marcos Bertoldi, um dos mais renomados nomes do setor no Brasil. Depois de assistir a um vídeo de Sheyla no Instagram, notou que as cenas haviam sido gravadas na casa de um amigo seu. "Liguei pra ele e quis saber quem era a pessoa por trás da crítica refinada. Disse: 'cara, chama esse figura para gravar aqui em casa também!'".

Marcos e Fabio se tornaram amigos, e o arquiteto sempre abre as portas para gravações da personagem. Localizada em um bairro nobre de Curitiba, a residência assinada pelo modernista Vilanova Artigas é um espaço histórico no Brasil e um cenário à altura de Sheyla Cristina.

Bertoldi também participa de vídeos. No mais famoso, pilota o jatinho de Sheyla e ainda serve champanhe. "Muitos colegas sérios vieram me perguntar o que era aquilo", conta o arquiteto, enquanto ri se lembrando da cena gravada no avião de um conhecido seu.

"Eu apoio a brincadeira porque a piada é boa. Em nosso meio, muita gente confunde ser esnobe com ser educado, coloca arrogância onde deveria haver cultura. Pena que nem todo mundo tem senso de humor".

Dupla face

O ator criou a arquiteta inspirado em patrões com os quais teve que lidar em Curitiba. Ele saiu de Cuiabá aos 19 anos para respirar novos ares e escolheu o Paraná porque seu pai morava no litoral do estado. "Nunca tive muito contato com ele, mas quando vim mais para perto a gente se aproximou", conta o jovem.

Na capital paranaense, se deparou de forma dura com preconceitos comuns no mercado de luxo e se reconheceu como negro. "Um dia fui a um evento e me barraram na porta, mesmo meu nome estando na lista", lembra.

Entre um desaforo e outro, persistiu no mercado. Depois de se formar em Design de Interiores, deu aulas de expressão gráfica na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e, há 3 anos, abriu a Ohma — seu escritório em parceria com o amigo de infância Nicholas Oher e Paloma Bresolin, que conheceu por meio dele.

"Assim como eu, o Nicholas é negro e gay. E é triste notar isso, mas, como a Paloma é loira, sempre abre portas para a gente. É mais bem recebida nos espaços, enfim, é diferente", diz.

Fábio também foi premiado. Em 2019, venceu o Archathon, hackathon de arquitetura que propõe desafios a serem realizados por designers em 24 horas. E, além de crescer em um segmento majoritariamente branco, elitista e heteronormativo, quis explorar sua veia de ator para subvertê-lo nos memes de Sheyla Cristina.

Mas nos vídeos recentes, a arquiteta tem abandonado o papel de mulher esnobe para se tornar cada vez mais a outra face de Fabio. "Segura, empoderada, culta. E chique, como o avô que me criou", diz o cuiabano. "Ele era daqueles velhinhos arrumados, sabe? A boina impecável, a roupa com o alinhamento perfeito. Sempre amei aquela pose. Se ainda estivesse vivo, seria o pai da Shey".

De lá para cá, a personagem vem se moldando e, agora, dá dicas no Instagram para além do mercado de luxo, atraindo seguidores de outras áreas. "Sheyla Cristina, arquitetura por amor, coach por aptidão", brinca a vinheta que finaliza os vídeos.

Um deles, roteirizado e editado pelo próprio designer, como todos os outros, foi gravado em frente a uma estação-tubo, marca do transporte público curitibano. E uma das provas da repercussão no mainstream está no fato de que gente bem famosa de fora do mercado de arquitetura, como a cantora Iza, segue seu Instagram.

Discípulos de Shey

A segunda parte do expediente de Fábio começa em seu apartamento, onde ele se monta de Sheyla para gravar vídeos. No espaço minimalista, em tons de branco e laranja, uma das poucas superfícies coloridas é a geladeira, repleta de imãs anti fascistas, anti racistas e em prol da diversidade. "A combinação fala muito da experiência dos meninos aqui", diz Miranda.

Em casa, Fabio escolhe um look para o vídeo da vez. Sua arara é compartilhada entre ele, Wesley e, claro, Sheyla. As peças monocromáticas mostram um gosto do ator pelo básico. "Planejo criar uma marca de roupas da Sheyla, com coleções agenero", adianta.

Em um amplo banheiro, Fábio se maquia diante do espelho. "Estou produzindo um reality show da Sheyla e teremos uma enquete para escolher a cor desse ambiente aqui", comenta.

Opta por uma make rosada, demora a conseguir botar as lentes de contato verdes, mas, pouco a pouco, a Sheyla vai tomando forma. A peruca castanha com luzes caramelo é o toque final. Em breve, começaria a interagir nos Stories do Instagram.

O magnetismo de Fábio se reflete no fenômeno dos sheyfãs, que tem crescido. Um dia, por brincadeira, ele passou seu PIX em uma live pedindo R$ 1 de cada seguidor. Em pouco tempo, chegou a R$ 3 mil — e uma seguidora começou a mandar R$ 500 de vez em quando.

"Agora ela parou um pouco. Acho que viu que estão entrando publis e eu não tô tão necessitado assim", brinca. Recentemente, outra pessoa abriu o primeiro fã clube, com direito a um perfil no Instagram, descrito como "Sua melhor fonte de notícias da Shey".

Com ou sem salto, Fabio segue indo longe.