'Sopão' de direita: Sete de Setembro no Rio reúne público contraditório
Paraquedistas, motociclistas, um combo impensável de católicos e evangélicos juntos, LGBTQIA+, anticomunistas, antivax, negacionistas de toda sorte, fãs de sertanejo e de pisadinha, entusiastas do voto impresso, um Batman, um príncipe (sic) e até o investigado Fabrício Queiroz. Os milhares que protestaram contra o STF (Supremo Tribunal Federeal) neste Sete de Setembro, em Copacabana, no Rio de Janeiro, tinham em comum o uso das cores verde e amarelo e a fixação pela figura de Jair Bolsonaro — no mais, acabaram-se as semelhanças.
Tamanha diversidade tornou o cenário curioso. De um lado da rua, um grupo orava o Pai Nosso. Calçada à frente, do som de um carro saía o verso "Terceiro reinado já!", refrão da música "Ave Império", da banda Cogumelo Plutão. Muita gente queria fazer selfie com o engenheiro civil Antônio João de Orléans e Bragança, vulgo príncipe herdeiro do Brasil.
Mais adiante, em cima de um carro de som, uma mulher ao microfone dizia estar sofrendo perseguição por não ter se vacinado. O hino nacional brasileiro era entoado vez ou outra, concorrendo sonoramente com o hit "Tô querendo te beijar de novo", que dava o tom do protesto em determinado trecho da concentração. Manifestantes animados bebiam cerveja. O tempo estava quente.
Nas placas, o caráter diverso ficava claro: havia acusações ao ex-presidente Lula, pedidos por voto impresso em diferentes idiomas, manifestações pedindo o fim do STF e do Congresso Nacional, outras o fim dos abusos das instituições, protestos contra o passaporte sanitário, apelos contra a ameaça comunista e até alguns mais difíceis de entender, como o que comparava o número de mortos pela covid-19 no mundo com o número de abortos realizados por ano, segundo a Wikipédia. "Todas as vidas importam."
O médico Ricardo Lemos, 72, e sua mulher, a cirurgiã dentista Wanda Lemos, 63, usavam fantasias que lembravam a Copa de 2014. Os dois manifestavam pela liberdade de expressão.
"Quando vejo o que aconteceu com Sérgio Reis, sinto que minha liberdade está ameaçada", disse Wanda. O médico destoava de uma dezena de contrários à vacina. "Ela é uma dúvida para o mundo todo, mas não adianta ir na contramão. Se é o que temos, temos de tomar. O Brasil está indo muito bem na vacinação porque já temos tradição nisso. Estamos dando exemplo para o mundo", disse ele, apesar dos atrasos na assinatura de contratos que fizeram com que a vacinação demorasse a tomar corpo no país.
Ao som da "Canção do Paraquedista", uma música militar composta por um general, um grupo de uniforme e boné vermelho fez uma marcha sem sincronia, cada qual em um passo. Como Hugo Chávez da Venezuela, Bolsonaro também foi paraquedista. Mesmo receoso, um deles topou conversar com o TAB.
"Nós fizemos um juramento de dar a nossa vida pela pátria e nossa liberdade está ameaçada pelo STF. Nós não 'somos' Bolsonaro, nós 'estamos' Bolsonaro. Não temos político de estimação. Se fizer besteira, vamos para a rua tirar ele de lá", afirmou o homem que, como todo o grupo, vestia uma roupa com o nome do presidente estampado.
'Matéria feia'
A comerciante aposentada Jandira Conceição, 63, carregava muitos cartazes, alguns contra a imprensa, outros contra os "abusos do STF, TSE, CCJ, G7, Câmara e Senado" — sim, o G7, o grupo dos sete países desenvolvidos do mundo. Questionada sobre suas reservas em relação à imprensa, afirmou: "Vocês fazem matéria muito feia e muito mentirosa." Não especificou qual, nem quando.
Sobre o outro cartaz, contra os abusos de instituições, afirmou: "Alexandre de Moraes [ministro do STF] está prendendo por qualquer motivo. [Luis Roberto] Barroso [também ministro, presidente do TSE] não colocou o voto impresso que o povo pediu. Com um papel impresso, eu ficaria mais tranquila. Se o poder emana do povo e eu assinei um abaixo-assinado pelo voto impresso, meu marido e minha filha também, então, por que não aceitaram?" Apesar das afirmações de Jandira, o voto em urna eletrônica é auditável, e um relatório do TCU atestou a segurança do processo eleitoral.
Motociclista e presidente do Brasil Acima de Tudos Moto Clube, o cabo Lucena, militar da reserva, estava lá com um grupo que, estimou, conseguiu levar mais de 2 mil motociclistas a Copacabana.
Segundo ele, o clube começou por causa de Bolsonaro. "Temos esse elo porque ele é motociclista. Esse é o primeiro motoclube político do Brasil. Já tomei café com o presidente em Brasília e fui muito franco com ele: onde houver Deus, pátria e família tradicional, estamos juntos. Não somos contra os homossexuais, mas também não temos que querê-los com a gente", diz ele, que conta que desde 2004 já organizava motociatas contra pedágios para as motos, mas que viu na eleição de Bolsonaro um caminho para politizar o grupo. "Sou o 02, o 01 é o Bolsonaro!"
Embora cabo Lucena não queira homossexuais perto dos motociclistas, havia casais de gays e lésbicas na manifestação, mas muitos não toparam conversar com o TAB. Carolina Maia, 31, e sua namorada, Luciana Pascoal, 32, estavam resistentes, mas acabaram topando dar entrevista. Questionadas sobre como enxergam os valores da família tradicional da direita, Luciana tentou explicar.
"Funciona da seguinte de maneira: cada um tem o direito de ser o que quiser, mas a gente é contra a ideologia de gênero na escola, somos contra a doutrinação. A escola tem que ensinar português, matemática, geografia. Agora, nós acreditamos que todos os seres humanos têm direito de se casar; antes de ser mulher, homem, você é um ser humano. Mas nós somos cristãs, temos pai e mãe. O feminismo tá destruindo a mulher, o machismo tá destruindo o homem."
O feriado foi ótimo para os bares e restaurantes da orla carioca, que ficaram lotados enquanto o protesto se dispersava: a aglomeração não fazia lembrar em nada o fato de que o país ainda atravessa uma pandemia. A crise econômica também parecia esquecida. De almoço no final do ato de uma direita sincrética, que teve de culto à micareta, alguns elegeram churrascarias, outros restaurantes japoneses. Por todas as ruas, cerveja da garrafa verde e muitos drinques.
Mas o conflito interno, para alguns, foi grande. Um policial militar ouvido pela reportagem do TAB disse que iria ao Sete de Setembro "a depender do tempo". Deu sol, ele preferiu a praia.
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