Tática de caminhoneiros de Santos é estrangular operação portuária
O relógio bateu zero hora de segunda-feira (1º) e os caminhoneiros autônomos chegaram ao trecho final do viaduto que liga a rodovia Anchieta ao porto de Santos. Era um jogo de cartas marcadas. Policiais rodoviários federais e policiais militares colaram junto.
Chovia às 3 da manhã, momento em que a animosidade se transformou em confronto. Os cerca de 70 grevistas começaram a mandar os caminhoneiros que chegavam ao porto dar meia-volta. Luzes vermelhas dos giroflex das viaturas refletiram nos pingos de chuva. Era o reforço da tropa de choque. O estado usava a força e bombas eram arremessadas para fazer valer a liminar que impede o bloqueio de estradas.
Minutos depois, pedras estalavam no para-brisas de caminhões que trafegavam em direção a Santos. O perfil do Ministério da Infraestrutura no Twitter publicou as imagens e a legenda classificou os responsáveis como "criminosos". A segunda-feira amanhecia com o acesso ao porto livre e nove carros da polícia militar estacionados, logo depois do viaduto que liga a rodovia Anchieta aos terminais portuários.
Os grevistas não puderam colocar em prática uma medida que aceleraria sua estratégia. Mas os planos seguiam os mesmos. Weverton Carvalho, 40, explicou que eles pretendem impedir que as cargas que chegam ao principal porto brasileiro sejam escoadas.
A capacidade de estocagem de contêineres acaba em três dias e, a partir deste prazo, navios não poderão atracar por falta de local para depositar a carga. Afetar os negócios das principais empresas brasileiras e comprometer o fluxo de navios obrigaria o governo federal a negociar.
Impedir a entrada de todos os veículos ajudaria nessa tática. O Brasil tem caminhões de transportadoras, proprietários que assinam contrato de prestação de serviços a empresas (agregados) e os autônomos. Os últimos representam um terço da frota nacional e não têm patrão, são livres para escolher a carga que transportam.
Por não bloquear o tráfego de caminhões de transportadoras e agregados, os autônomos podem precisar de mais tempo para colocar a estratégia em prática. Mas Weverton está disposto a permanecer em greve quanto for preciso. "A gente vai aguentar porque já estamos passando fome."
Sem a repercussão desejada
O governo federal obteve 29 decisões judiciais, impedindo o bloqueio de estradas em 20 estados brasileiros. A proibição de impedir o tráfego de caminhões causou uma repercussão menor que a desejada pelas lideranças do movimento. Ainda assim, os grevistas que estão em Santos se julgam capazes de parar o Brasil.
Weverton argumenta que a paralisação não é percebida porque, por enquanto, o movimento não é estrondoso. Diferente de 2018, eles não são procurados por políticos e carros de passeio não passam buzinando. Enquanto alimentam suas esperanças de repetir o desempenho da greve anterior, os caminhoneiros se concentram embaixo das lonas dos dois restaurantes que ficam no trecho final do viaduto que leva ao porto.
O Trailer da Jô tinha o carro-chefe elogiado pelos motoristas. "Tá boa essa costela hoje. Tá bem gorda", comentava um caminhoneiro. Quando o movimento diminuiu, a própria Jô sentou-se com os motoristas, discutiu a greve e contou histórias de 2018. Por fim, criticou a falta de união da categoria e o apetite por doce. "Vontade de uma sobremesa, mas vocês comeram todo o pudim."
O outro local de aglomeração de caminhoneiros foi o vizinho Treyler da Tuka. A estrutura era a mesma: um carrinho de lanches adaptado em cozinha servindo PF. O frango ao molho saía por R$ 18 e era acompanhado de arroz, feijão e fritas. Os pratos eram servidos em longas mesas de madeira e os clientes sentavam em bancos de madeira sem encosto para as costas.
Relação com polícia mudou
Na greve de 2018, a chegada dos policiais militares era saudada pelos caminhoneiros. Fotos, vídeos e muito aperto de mão eram a tônica dos encontros. Quem tinha alguma roupa com estampa militar tratou de vestir. Agora, o clima é outro.
Os grevistas perceberam a diferença com certa incredulidade. Na madrugada de segunda-feira, o comandante da PM que comandava a operação no acesso ao porto afirmou concordar com a greve, mas em questão de horas as bombas caíam entre os caminhoneiros. Pela manhã, os grevistas eram observados por viaturas colocadas antes e depois dos trailers onde se abrigavam.
Conforme a quantidade de caminhoneiros aumentava — chegou a ficar perto de 200 —, eles precisaram usar o acostamento. Homens da tropa de choque apareceram na mesma hora. Deixaram bem claro que o acesso à estrada estava proibido, esticando uma fita zebrada. "É nosso cercadinho? Estamos presos?", interrogavam os caminhoneiros.
Líder de um bolsão de grevistas em 2018, Mauro Silva incluía o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, na lista de desafetos. Ele considera ofensiva e desrespeitosa a declaração de que os caminhoneiros autônomos não têm futuro.
"O governo federal está trabalhando para os grandes, para as transportadoras."
Marcha lenta
Allan Pereira, 30, não pretende ligar seu caminhão de transportar contêineres até o preço do diesel baixar e a tabela mínima do frete ser posta em prática. Ele disse que leva produtos recém-chegados de navio para diversos locais do país. Grande São Paulo e o Nordeste são os destinos mais comuns.
O caminhoneiro parcelou um conserto da suspensão no cartão e deve cinco parcelas de R$ 630. A luz chegou a atrasar, mas Allan colocou em dia. Pai de um menino de um ano e três meses, ele ouve a mulher plantando a sementinha de que caminhão não dá futuro. É pressionado dentro de casa para desistir do ramo em que começou aos 14 anos, quando se tornou boy de uma transportadora.
A cartada final é a greve. Por enquanto, houve pouca ação. Os caminhoneiros se sentem como se estivessem parados num congestionamento e longe de onde querem chegar.
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